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Luxo é ter tempo e equilíbrio

Estilo de vida e ações podem transformar o bem-estar em rotina

A autocobrança produtividade, a hiperconectividade e uma lista de tarefas interminável fazem com que a concepção de luxo talvez esteja mais próxima de encontrar leveza na rotina do que nos exageros de consumo. Mas como é possível ter momentos de prazer e bem-estar sem que eles se tornem mais um item da lista a ser cumprida?

Para alguns, fazer dos próprios propósitos um bem maior. Para outros, integrar momentos incríveis ao dia a dia. Para a empresária Soon He Han, o segredo passa por se autoconhecer e estabelecer prioridades.

A vida de Soon é uma verdadeira jornada em busca do equilíbrio. Primeira filha mulher de uma família coreana, ela aprendeu desde cedo o valor do trabalho. Depois de passar a infância e a adolescência em Manaus, dedicou 12 anos à formação acadêmica fora do país. “Quando me formei e voltei, me afundei no trabalho, sempre com uma pressão de ser melhor, trabalhar duro. O estresse fez minha imunidade baixar. Em seguida, tive um câncer e fiquei entre a vida e a morte”, conta.

Sem reagir ao tratamento convencional, Soon deu chance às sessões de acupuntura que recebeu de presente e, junto com a nova experiência, uma surpresa: os bons resultados médicos que culminaram na cura. Esse processo deu vazão ao interesse pelas medicinas tradicionais orientais.

“De 8 a 800”

Essa é a expressão usada por Soon para descrever a virada de chave que teve após a recuperação. A busca pelas formas de cura cresceu, assim como o resgate das suas origens. Ela chegou a se tornar monja no Zen Budismo. O lado empreendedor, porém, não demorou a aparecer novamente. “Quis achar uma alternativa prática para curar as pessoas. Então, criei a rede de spas Serenity. Começou com uma unidade em um resort em Angra dos Reis e, em 18 anos, chegou a ter 28 unidades”, conta.

Duas décadas depois de ter enfrentado seu maior desafio, porém, Soon se encontrou em um mesmo ciclo tóxico de trabalho e decidiu vender seu principal empreendimento ao perceber que seu foco deveria se voltar aos negócios nichados, locais e menores. Desse pensamento, surgiram negócios prósperos: Extraordinários Botanicals, marca de cosméticos e perfumaria, O Locavorista, escritório dedicado ao consumo local em Curitiba e, mais recentemente, a Amakos, marca de skinacre com insumos amazônicos.

De uma trajetória que só pode ser definida como intensa, Soon ganhou junto com o sucesso algo ainda mais valioso: a plenitude de viver. “Para mim, a liberdade de escolha é o valor mais importante. Não me incomodo em ter picos de trabalho para depois ter uma vida mais harmoniosa e equilibrada.”

Vida nas nuvens

Depois de se formar e passar oito anos como funcionário e sócio de agências de publicidade em Curitiba, Fernando Kanarski descobriu a vida nômade e decidiu que esse seria o seu futuro. “Comecei a viajar e, sempre que voltava à rotina, me sentia mal. Tirei um período sabático de três meses na Nova Zelândia e, quando voltei para o Brasil, saí da sociedade nas empresas em que tinha participação”, conta.

Em 2016, Fernando deu início a uma jornada com o objetivo de pisar em cinco continentes enquanto oferecia serviços de marketing digital e consultoria para uma cartela de clientes selecionados. Desde então, já foram 60 países conhecidos, destinos incríveis e experiências incontáveis para a conta.

O maior desafio, para ele, é praticar o desapego: da família, dos amigos e dos bens que não podem ser levados. Por outro lado, a trajetória proporcionou uma conexão com sua própria essência. “Uma das coisas mais difíceis, mas, também, mais importantes, é aprender a lidar somente com você mesmo.”

Para aproveitar os destinos, o consultor teve que estabelecer uma rotina organizada e produtiva ao máximo. “Estabeleço três dias da semana para trabalhar e, nos outros, aproveitar a cidade ao máximo.” O tempo em cada destino varia entre um a dois meses.

Falta tempo para todo mundo?

Sentir que os momentos de lazer estão cada vez mais escassos junto a uma sensação de esgotamento e cansaço é comum. Esses sentimentos são parte de um diagnóstico feito pelo filósofo Byung-Chul Han no livro Sociedade do Cansaço. Para o autor, a cobrança crônica por desempenho é a causa principal desses sintomas e faz com que nenhum esforço pareça o bastante.

O cientista social Leonardo Campoy afirma que a menor previsibilidade sobre o futuro e as tecnologias digitais fazem com que o trabalho esteja presente nas 24 horas do dia, inclusive naquelas que deveriam ser dedicadas ao lazer.

“Apesar disso ser vendido como liberdade, as pessoas trabalham muito mais”, explica. Ainda, a insegurança com o futuro faz com que o período dedicado às obrigações aumente. Como resultado desse contexto social, quadros de burnout, ansiedade e depressão são cada vez mais comuns.

“Ao perceberem que estão caminhando para o limite, porém, as pessoas buscam lidar com esse sentimentos”, analisa Campoy. A atividade física, por exemplo, é uma maneira de equilibrar o cansaço entre corpo e mente. Já o movimento slow food propõe a desaceleração nos momentos dedicados às refeições.

No entanto, mesmo essas tentativas de escape podem cair na lógica da cobrança excessiva. “A prática esportiva está incluída em um mundo de performance e pode virar uma competiçã consigo mesmo. Já apreciar uma boa comida não pode ter como motivação um post nas redes sociais”, finaliza.

Desert camp deserto
Os desert camps são acampamentos de luxo no deserto da Jordânia.

Felicidade na medida certa

Outra questão apontada pelo estudioso Byung-Chul Han é o que ele chama de “excesso de positividade”. Esse fenômeno pode ser descrito pela ação de olhar para o feed e, em questão de segundos, passar a comparar a produtividade alheia. A insatisfação gerada por essa situação, segundo ele, é o que motiva essa busca constante e contínua por desempenho.

Daniella Forster é psicóloga, especialista em gestão de pessoas, mentora e palestrante. Ela faz uma análise do que parece ser uma crise coletiva pela busca do bem-estar e do equilíbrio que acontece, no entanto, sem o estabelecimento das próprias prioridades e leva ao risco de nunca estar realmente satisfeito(a). “Como essa busca vem do externo, a pessoa sempre vai procurar algo a mais e pode chegar ao ponto de desenvolver doenças psicossomáticas graves”, explica a especialista.

O Luxo do essencial

Não sentir dor ao andar ou fazer exercício, cuidar de si mesmo, estar com a autoestima alta, estabelecer as próprias prioridades. Para Daniella, a perenidade da satisfação tem origem no que é essencial. Esse “essencial”, no entanto, é um conceito particular, que pode exigir um processo de autoconhecimento até ser descoberto.

“O equilíbrio vem do simples, dessa dinâmica e percepção de que é possível se satisfazer com a vida dentro das nossas condições. O consumo só faz sentido se vem depois disso”, completa a psicóloga. O jeito mais fácil de chegar à plenitude e ao equilíbrio, segundo ela, é entender e  dar valor às prioridades com o entendimento de que elas são totalmente individuais e podem mudar em diferentes momentos da vida.

Há oito anos, Fernando passa cerca de dois meses em cada país.

Por onde começar?

A demora para procurar ajuda pode vir da ideia de que este é um processo mais demorado e complexo do que precisa ser. Por outro lado, com atos simples, é possível entrar em contato com o que, de fato, é essencial. Confira exemplos listados pela psicóloga: • Falar sobre dilemas pessoais com a família e os amigos mais próximos
• Propor-se a acordar mais cedo para dedicar um tempo ao autocuidado
• Transformar atividades do cotidiano, como cozinhar, em um momento de dedicação total e prazer
• Encontrar uma atividade no trabalho que promova um senso de realização

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