Histórias na pele: conheça a aceitação de mulheres com marcas e cicatrizes
Fernanda de Stefano voltava do Rio de Janeiro com a família quando começou a chover forte na estrada. Seu bebê, de oito meses, chorava e, por isso, decidiram parar para acalmá-lo. Ao voltar para o carro, ela sentiu o ímpeto de empurrar a cadeirinha para a esquerda e sentar no meio, no banco de trás. Menos de meia hora depois, o veículo deslizou na pista e bateu em um caminhão – a lateral direita foi destruída. “Se eu estivesse no meu banco ou mesmo atrás, do lado direito, eu não teria sobrevivido. A minha cicatriz é fruto desse milagre”, conta a gerente de marketing.
Aceitar marcas e cicatrizes nem sempre é um processo fácil, mas milhares de pessoas veem nelas mais um pedaço de suas histórias, gravado na pele. A pedagoga Ana Claudia Michelin sempre conviveu tão bem com a sua que até esquece que ela existe. Mas foi lembrada por uma situação desagradável, quando alguém tirou um print de uma foto sua no Instagram e mandou para um amigo, com a cicatriz circulada.
“O trauma eu não vou esquecer, mas a minha cicatriz é a menor coisa nessa história toda. Se eu não fosse bem resolvida, a cicatriz seria mais um motivo para eu me esconder, mas é um trabalho muito interior, que só você pode resolver”, defende.
Ana ganhou a marca em um grave acidente na estrada, aos 21 anos. O carro caiu na Represa do Vossoroca, no Paraná. “Digo que minha cicatriz foi um presente. Me deu a chance de viver, porque nada explica a gente ter sobrevivido. O carro deu perda total, é um milagre”, relembra. Depois da cirurgia de emergência, outro médico sugeriu uma nova intervenção, mas Ana optou por não fazê-la. Desde então, convive bem com a marca em seu rosto.
O médico dermatologista Daniel Cassiano, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica, percebe reações variadas com relação às cicatrizes. De um lado, geralmente, quem tem marcas pequenas e pouco expostas, em que a pessoa não há contato visual direto, não tem prejuízos psicológicos. Do outro, no caso de cicatrizes maiores, pode afetar a qualidade de vida, já que interfere na autoestima.
Para Ana, o processo é mais interno do que externo. “Somos seres humanos e as cicatrizes vêm, as modificações no corpo vêm. Temos que aceitar como normal. A cicatriz conta muito a história da gente, tanto a física quanto a emocional.”
Essa é a mensagem que sempre passou aos adolescentes enquanto era diretora de uma escola. “Pode ser clichê, mas a beleza realmente é de dentro para fora. Uma pessoa nunca vai ser bonita se não for resolvida de alma, intimamente resolvida. É um trabalho que a gente fez de aceitação”, defende.
Como canta Maria Bethânia, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” – e cada um é o acúmulo de todas as suas experiências, positivas ou não, visíveis ou invisíveis. “A minha cicatriz me lembra todos os dias de que eu sobrevivi, que eu tive uma chance – e me faz honrar essa chance. Encaro a história dela como um marco muito significativo. Cicatriz pra mim é sinônimo de uma nova chave de vida”, reflete Fernanda.
As marcas da vida são motivo de orgulho para elas
Recomendação de filme
Disponível na plataforma de streaming Netflix, Pieles é um drama social que narra a história de uma sociedade extremamente tomada pela cultura do visual, em que pessoas com diferenças físicas curiosas são forçados a se esconder, tornando-se reclusas entre elas.
*Matéria originalmente publicada na edição #249 da revista TOPVIEW.