Filhos, instrumentos de batalhas no fim da relação
Em coluna anterior, esclareci que a alienação parental ocorre quando um dos genitores ou grupo familiar (avós, tios, primos, etc.) realiza uma campanha de desqualificação do outro genitor ou grupo familiar. Deixei claro que pode ser feita por qualquer pessoa do núcleo familiar e que a lei traz hipóteses exemplificativas, ou seja, não restringindo somente àquelas expressas.
Trago novamente o tema nesta coluna, porque a identificação da alienação parental é de suma importância para criar obstáculos à sua ocorrência. O que eu busco é que as pessoas entendam a diferença: papéis conjugais terminam, papéis parentais nunca terminam. Pode-se ter um ex-cônjuge ou ex-companheiro, mas nunca um ex-filho.
Primeiramente, precisa ficar claro que a alienação parental não é uma questão de gênero, é uma conduta abusiva em relação à criança ou adolescente, que um núcleo familiar realiza em face de um dos genitores. A alienação parental não se confunde com a síndrome da alienação parental. A síndrome é quando a criança ou adolescente começa a reagir às atitudes da alienação parental, enquanto a alienação parental em si são as condutas do alienador em relação ao outro genitor ou núcleo familiar.
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Sabemos que toda dissolução de união estável ou casamento vai ter algum grau de alienação parental, como forma de barganhar na partilha financeira, ou na partilha afetiva (guarda e convivência do filho). Inconsciente ou conscientemente, os pais acabam utilizando os filhos como instrumento de batalha no fim da relação, porque ficar vinculado pelo processo é uma forma patológica de permanecer vinculado ao ex-cônjuge ou ex-companheiro. Os litígios familiares mantêm esse vínculo como inimigos, para afetá-lo no que é mais precioso, no caso quando têm filhos, é normalmente onde se tenta afetar. Nessa campanha o que se pretende por parte do alienador é a desconstrução do vínculo com o filho: criar filhos órfãos de pais vivos.
Normalmente acontece durante o próximo casamento de um dos genitores, às vezes camuflada de sentido pedagógico, exemplo: “continua comprando, vai ser fútil como tua mãe”, “não toma banho, igual o relaxado do teu pai”, “lá na casa da tua mãe, ninguém presta”, “isso você puxou da tua mãe”. Às vezes é escondendo carregador do celular, jogando celular na piscina, bloqueio de número ou redes sociais, com o objetivo de fazer o afastamento do genitor com o filho e normalmente somada a outras atitudes também “olha, tua mãe não te liga, não quer falar contigo”, para criar a memória equivocada do outro progenitor. Outras vezes é por meio de desculpas: viagem, doença, ou o combinado é retirar na escola, então, o genitor não leva a criança à escola para dificuldade de convívio. Omissões de eventos da escola são justificadas pelo “esqueci de avisar”. Uma mudança de endereço, uma hospitalização por uma semana sem aviso do outro genitor e dizendo ao filho que o pai não veio visitar mesmo ele estando no hospital. Falsa denúncia de abuso sexual para que o Juiz suspenda a convivência. Nestes casos, como o processo é demorado, acaba atingindo seu objetivo e, consequentemente, acaba criando falsas memórias na cabeça das crianças.
Além da alienação parental unilateral, de um parente em relação ao outro, pode haver também uma alienação parental bilateral, em que temos ambos os genitores alienadores. Neste caso, a solução que melhor atende aos interesses dessa criança ou adolescente seria dar a guarda da criança ou adolescente a um terceiro, porque não temos como garantir que um grupo familiar será menos alienador do que o outro, só a prática da alienação parental por si só já é um dano.
Também existe a alienação parental auto infligida (ou auto alienação parental), acontece quando um dos genitores opta por uma nova relação afetiva, mudar-se de estado ou um novo trabalho e se afastam dos filhos e utilizam a alienação parental como forma de defesa. Houve o abandono desse filho ou filha e utiliza a lei da alienação parental como forma de culpar o outro genitor por ter abandonado o filho. Diante de uma situação como essa, uma boa perícia para avaliar a alienação parental trará as respostas.
A prática de alienação parental é um abuso moral que fere os direitos fundamentais da criança e do adolescente, seu direito ao desenvolvimento e convívio familiar saudável e que precisa ser combatida por todos os envolvidos nos litígios familiares.
Sobre a colunista
Advogada inscrita na OAB/PR nº 61.717, Cristiane Goebel Salomão é especialista em Direito Processual Civil, Direito de Família e Sucessões. Membro do Grupo Permanente de Discussão sobre Direito de Família da OAB/PR, Membro do IBDFAM e Membro do Grupo Virada de Copérnico da UFPR. Se destacou desde cedo na atuação em Divórcios, Dissoluções de Uniões Estáveis, Regulamentação de Visitas, Execução de Pensão. Hoje, sua grande paixão é a área de Família, na qual consolidou a maior clientela. Em seu trabalho utiliza muito da experiência adquirida enquanto trabalhou como conciliadora no Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública em São José dos Pinhais (Paraná). Natural de Porto Alegre (Rio Grande do Sul), escolheu Curitiba para fixar residência e construir sua carreira.