SELF COMPORTAMENTO

Heroínas do dia a dia: os desafios e alegrias da maternidade nos dias atuais

Perto do Dia das Mães, reunimos cinco mães curitibanas na tentativa de desvendá-las durante um bate-papo, rir um pouco e buscar inspiração

A primeira vez que pode pegar o filho David no colo – depois de semanas da privação de tê-lo em seus braços por causa de uma cirurgia para tratar um aneurisma – Danielle Sommer (35) levou uma cabeçada do bebê justo na cicatriz ainda em cura na cabeça. A dor e o perigo eram pouca coisa para essa mãe que descobriu a ameaça no cérebro quando completava apenas 6 meses com o primeiro filho em sua vida. Dani, que é jornalista e autora do livro Tem Alguém da Barriga da Mamãe (Ed. InVerso) e de dois blogs sobre maternidade, é uma mulher carismática e divertida que, ao exercer seu poder multitarefas, não mais transparece a tristeza de ter sofrido dois abortos espontâneos antes de ter David (4) e Amanda (2). Justo ela que sempre sonhou ser mãe. Danielle me ajudou a conduzir um papo descontraído com quatro mães curitibanas, que aconteceu em uma tarde no hotel Four Points, em Curitiba.

Superações e presentes diários

DANI: Eu sempre quis ser mãe e até meu trabalho de conclusão de curso na faculdade foi Comunicação para as Mães. Engravidei duas vezes e tive abortos espontâneos. Quando o David tinha 6 meses, eu tive um aneurisma. Tive que interromper a amamentação dele para fazer uma cirurgia da qual achei que não ia sobreviver. Internada da UTI, não pude ficar com ele. Finalmente, na primeira vez que peguei o bebê depois de tanto tempo, ele sem querer me deu uma cabeçada bem na cicatriz da cirurgia! Depois engravidei de novo da Amanda, foi mais tranquila, e quero parar por aí. E escrevi o livro Tem Alguém na Barriga da Mamãe para contar para o irmão mais velho que ele vai ganhar irmãozinho. Adoro ser mãe, mas também é a coisa mais difícil que faço.

FANIE: A Sofia nasceu quase junto com o restaurante. Tenho a sorte de ter um companheiro que me ajuda muito. Na época, montei um quartinho para a bebê no restaurante e na hora de amamentar eu saía do salão e ia lá. Minha superação foi justamente tentar achar o equilíbrio entre o papel da Fanie dona do próprio negócio, da Fanie mãe e da Fanie mulher – porque a gente não pode esquecer de cuidar do casamento.

DENISE: Sou empresária e me formei em agronomia, administração, fotografia e cinema. Mas sempre quis mesmo ser mãe, nunca tomei pílula, achei que ia ter muitos filhos homens e pegar uma menina pra criar. Vieram quatro mulheres. Casei três no período de um ano e hoje sou avó. O amor pela criança é diferente do amor que você sente por um filho adulto. Você não pode ficar fazendo besteira quando é mãe, mas daí quando você é avó você aproveita aquela brincadeira, aquela gostosura. Ser avó é voltar a amar da forma como amou antes.

PRISCYLA: Em cada fase da maternidade a gente se encontra com belezas diferentes. Quando me perguntam se quero tentar um menino eu digo que já estou me preparando para ser avó. Vai ser bem mais leve. Quando você é mãe você tem muitas variáveis para lidar e tem que negociar o dia inteiro.

RENATA: Nossa casa é praticamente cor de rosa. Somos três mulheres e mais duas gatinhas. Sou separada, com guarda compartilhada e o ex-marido é super presente na vida delas. Quando eu era pequena, eu não sonhava com o príncipe. Eu sonhava com os filhos. Hoje sou muitas coisas: professora, empresária, namorada… Mas ser mãe é o meu papel preferido.

Tempo x culpa x trabalho

RENATA: A gente vive com um pacote de culpa nas costas e sempre acho que o que estou fazendo está errado. Vai por tentativa e erro mesmo. Estou aqui para saber se vocês têm a fórmula para equilibrar trabalho e maternidade. Não trabalho à noite nem fim de semana, mas vwai do seu negócio. Minha terça-feira é fechada para elas. A gente almoça, vai no dentista, vê séries de TV, vai ao cinema…eu vejo as lições. Posso trabalhar tranquila lembrando que tenho a terça à tarde e o domingo de manhã com elas.

FANIE: Na verdade seu tempo profissional pode render muito mais com uma tarde a menos no trabalho que você usa para se dedicar aos filhos.

DENISE: Eu fazia muita coisa: quando eu tive a terceira filha, a moça que trabalhava lá em casa trazia ela no carro, eu a amamentava na firma e depois separava trabalho para à noite em casa porque tinha que buscar as outras duas no jardim de infância. Na quarta filha eu não pude mais trabalhar. Nunca fui ao cinema sem deixar as quatro dormindo, então era sempre a sessão das 22h. Mas eu fiz esse papel porque eu queria ele pra mim. Hoje elas são mulheres casadas e têm suas vidas. Mas se você olhar no meu celular, vai ver que de seis a sete horas por dia eu estive fazendo alguma coisa por elas, falando com elas, etc. ‘Dia, tenha 28 horas hoje por favor’, eu dizia muito isso. Aí entendi que eu devo fazer o melhor que consigo. Só isso, o melhor hoje, do jeito que deu.

FANIE: Se a primeira eu amamentava num quartinho no restaurante, na segunda eu já fiquei em casa um mês trabalhando no administrativo. Consegui montar um estilo de vida que me permite ser feliz, sem me cobrar. Talvez eu não seja a empresária que eu queria ser, mas eu sempre quis priorizar a família, então está tudo bem. Me prometi que não ia viver corrido de novo. Se você não aceitar que não dá para ser perfeita em tudo, você não vai ser feliz. Eu tive aceitar o ‘meu melhor possível’ como um resultado.

PRISCYLA: Maternidade é você negociar com o tempo. É manter seus interesses e saber que, talvez, você não vá atingir um desejo seu. Não tem como atingir um nível de perfeição e todas as mulheres se deparam com essa demanda na contemporaneidade. Você acaba comprando essa demanda social, mas cada uma tem uma história e vai ser mãe como dá pra ser. Durante a rotina desgastante, um dia eu ajudei a Celeste a fazer alguma coisa e, no carro, na correria, de repente ela me falou: ‘você merece uma coroa’.

 

O tempo pra cuidar de si

PRYSCILA: Sempre fui vaidosa e já estabeleci que lá em casa quinta-feira é o dia da beleza. Faço junto com elas tudo ao mesmo tempo na minha casa. Enquanto passo a máscara no cabelo, vou cuidando de outras coisas, aquilo vira uma bagunça, mas elas vão fazendo as coisinhas delas.

FANIE: Se um dia lavava o cabelo, no outro eu passava o creme no corpo e assim seguia. H oje eu já consigo fazer tudo, já que elas estão maiores. Mas tem que aceitar. Se cuidar, sim, mas aceitar que não dá para fazer tudo numa vez só.

RENATA: Eu tenho os momentos só da Renata sozinha fazendo as coisas dela, ou com o namorado, ou com amigas porque gente aprende a criar outra rotina. Eu gostaria de estar sempre com a família toda junta, mas é a vida.

Parto humanizado 

PRISCYLA: Comecei a estudar parto humanizado um mês antes de eu engravidar e fiquei fascinada. Tive partos naturais e tornou-se muito comum falar da minha experiência para as mulheres.

FANIE: Na França a cesárea é só para emergências e eu nunca tive dúvida de que faria o parto normal. Mas eu não sabia que aqui no Brasil não existe preparo para isso. A francesa tem aulas de cuidado, preparo e exercícios para o parto normal e aqui, na primeira aula de maternidade, não se tocou no assunto. Quando a Sofia foi nascer, ela não se encaixou e eu tive medo. Foi decidida a cesárea, fiquei com medo da anestesia. Não foi legal, fiquei nervosa e quase xinguei todo mundo.

Manha de criança

DANI: Crianças francesas não fazem manha mesmo?

FANIE: Claro que criança chora, mas sinto muito pra elas, a vida é assim, na boa. Na minha cultura o choro não é mal. O brasileiro tem medo do choro. Já vi crianças de 4 ou 5 anos que ‘decidem’ onde os adultos vão jantar. Criança não decide isso – e hoje eu vejo acontecendo aqui. Lá em casa sempre teve muito limite. Tem que deixar elas se frustrarem desde cedo porque a vida é assim.

PRISCYLA: Acho que é assim porque o latino em geral que é mais passional. Mas acho que a criança busca referência da pessoa responsável. Eu acho até uma crueldade com a criança deixar ela decidir algo como um jantar ou programa dos adultos. Como é que você vai dar uma responsabilidade dessa pra ela? O papel das crianças hoje está esquisito.

DENISE: Tem que ter muito amor, mas tem que ter muita firmeza desde cedo. Assim ela vai ser uma pessoa muito melhor. Claro que depois você chora escondido no quarto de pena. Acho que se pessoa que não tem tempo, vive correndo, ela não se permite ser firme e a gente acaba vendo esse monte de criança malcriadinha sem limite. E isso que está acontecendo, dos pais terem “medo” da reação dos filhos.

Como falar de sexualidade

DANI: Vocês acham que a mídia está influenciando as escolhas das crianças e adolescentes hoje?

DENISE: A criança nem tem noção de que pode ser o que quiser ainda. Lá em casa foi assim: chupeta rosa, laço. Depois cada um decide, mas não vou ficar influenciando.

FANIE: Sou mente aberta com relação ao assunto. Acho que a gente deve só direcionar o que vestir de acordo com a idade.

PRISCYLA: Quando a criança está fazendo a investigação sexual dela, quer saber quem é homem quem é mulher. Eu acho que a grande questão é que os papéis estão complicados na sociedade. Está existindo uma abertura para todo mundo repensar o assunto e eu vejo que existe muito machismo das mães de meninos. O sintoma é complicado porque a mídia aborda a questão da sexualidade de um jeito xulo. Pra mim é tão complicado ver a mulher na posição de completo objeto. É tudo parte da mesma investigação. Estão incentivando as mulheres a serem objeto, e os homens a serem machistas. A gente não sabe mais do que está falando: é de de sexualidade, ou de como se vestir? Vejo meninas de 12 anos chegando numa balada vestidas de mulheres e tenho certeza de que o objetivo delas não é o de provocar…é o que estão vendo por aí. Posicionamento social e desejo são coisas diferentes. O importante é ensinar a se posicionar como ser humano.

FANIE: Tem coisas da mídia que na minha casa não entra, mas as crianças veem ou já viram porque chegou na frente delas. É questão de direcionar

Escola x casa

DANI: Vocês acham que os pais estão terceirizando a educação e deixando muita responsabilidade para a escola?

DENISE: Sim, porque criança cansa e muita gente pessoas pensam que o lado material e a escola resolvem, mas ela precisa no início da vida da presença dos pais. Não vejo mãe jovem hoje sentar com filhos e desenhar. Cansa, mas é assim: uma pessoa chega na sua vida e você a pega pra decifrar. Com cada uma é diferente, e você tem que montar seu esquema: o da educação, da brincadeira, de ensinar limites, estudar.

DANI: Quando a impressora lá de casa quebrou tive que pegar um livro para fazer a lição de casa sobre fauna brasileira com o David. Desenhamos juntos. Ele adorou. Percebi que era assim que a gente fazia antes. Não fazemos mais.

FANIE: A sociedade de hoje exagera na tal das atividades com os filhos. A criança não tem nem tempo pra brincar. Tanta atividade vai mesmo mudar a vida da criança ? E existe uma competição de criar o melhor, isso é chato. Eu coloquei minhas filhas em uma escola perto, para onde vamos andando; almoçamos em família, não é integral.

Maternidade x vida de casal

DANI: Crianças são um teste para o casal para passar pelas dificuldades?

PRISCYLA: Tinha que haver uma conversa sobre como vai ser aquele ano em que o bebê nasce. Para preparar os homens para as mudanças, mas de uma forma suave. Temos que falar sobre se tornar pais com mais verdade.

FANIE: O homem também leva um susto. A mulher grávida e os hormônios provocando aquela transformação física e emocional. Mas ele não vai estar preparado mesmo se a gente falar, falar, falar. Os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus…isso é verdade. Eu nunca cobrei que meu marido trocasse uma fralda ou esquentasse a comida, desse banho…Ele ia demorar três horas pra fazer o que faço em meia. Isso é normal, a mulher é mais agilizada. Mas sempre tive a ajuda dele na brincadeira, na autoridade. Assim a gente pode terminar o que precisa e curtir o tempo juntos depois.

PRISCYLA: Não é cobrar, é conversar a respeito. Eu acho que é importante as mulheres desejarem mais participação e exigirem que a participação seja uma responsabilidade prazerosa para os dois.

RENATA: Eu me separei há anos e quando chego em casa não posso passar o bastão pra ninguém. Mas nossa separação não teve nada a ver com as crianças – foi por causa do casal. Eu fico muito cansada às vezes e fico com dó delas por estar de mau humor. A gente tem ônus e o bônus.

FANIE: Muita coisa se baseia na vida pessoal de cada um no passado. Eu tive pais divorciados e meu pai esteve um pouco ausente pela distância de 600 km. Mas nos víamos todas as férias. Enfim, eu não sofri, mas sempre pensei que antes de ser mãe tinha que encontrar um bom companheiro. Para mim, quando a relação está bem com o marido, tudo está bem.

Um dia o ninho fica vazio

DENISE: Casei todas as filhas no período de um ano. E a mais nova foi morar em São Paulo. A casa ficou vazia e não há corrida no parque que crie serotonina suficiente para tirar essa tristeza. Agora moramos em Curitiba e São Paulo. Percebi que um bom relacionamento com o companheiro faz a vida no ninho vazio muito melhor.

FANIE: Na Europa os pais entendem melhor que filho não se cria pra si ou pra ficar junto. Eles querem ajudar o filho a sair de casa e isso não quer dizer que amam menos. Minha mãe vem aqui duas vezes por ano. Esse apego é cultural.

PRISCYLA: A vida é feita de fases – quando você tem um filho você tem que entender que as coisas não são para sempre.

A trajetória valeu?

DANI: O que vocês fariam de diferente quando olham pra trás?

DENISE: Meu marido fala que eu deveria ter deixado tudo mais difícil para elas. Mas eu não concordo. Não iria criar dificuldade onde não existia. Tentei mostrar como lidar com a adversidade e depois não expliquei mais. Eu mudaria mesmo o fato de não precisar fazer tudo aquilo sozinha. Hoje eu levaria alguém para ajudar em algumas situações. Eu tinha um esquema para atravessar a rua com as quatro na praia segurando todas. Uma delas diz que até hoje tem trauma de atravessar rua (risos). Colocava uma chuca enorme com cores fortes na cabeça de cada uma pra não perdê-las de vista. De noite eu sonhava que estava contando 1,2,3, 4 para não perder nenhuma.

RENATA: Não sei se mudaria algo. Porque muita coisa não deu pra entender antes, nenhuma veio com manual de instrução… A gente aprende a se mãe na hora mesmo.

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