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As estrelas do esporte curitibano

Curitiba é berço de dezenas de atletas de alta performance. Nesta reportagem, prestamos nossa homenagem a seis esportistas que ultrapassaram os limites da cidade e são importantes representantes do país

Emanuel Rego, do vôlei de praia, Rafaela Zanellato, do rugby, Alex, do futebol, Bárbara Domingos, da ginástica, Leonardo Lustoza, do tiro esportivo… você provavelmente reconhece ao menos um desses nomes. São alguns dos diversos atletas curitibanos que têm relevância no esporte nacional e trazem – ou já trouxeram – medalhas para o país. “Curitiba é um grande celeiro de desenvolvimento de atletas de alto rendimento”, analisa Emilio Trautwein, secretário municipal de esporte, lazer e juventude, da Prefeitura de Curitiba.

Por ano, são investidos R$ 50 milhões para fomentar várias modalidades esportivas na cidade. Antes da pandemia, eram 33 mil pessoas praticando sistematicamente as atividades. A intenção é incentivar as práticas não apenas para os atletas, mas para toda a população. Nesse sentido, há, por exemplo, a Lei de Incentivo ao Esporte, que beneficia 6 mil atletas – dividindo o orçamento de R$ 2,4 milhões anualmente. “Nosso papel é ampliar a cultura do esporte e do lazer”, resume Trautwein.

Para prestar uma homenagem à classe, a TOPVIEW conversou com seis atletas curitibanos que ocupam uma posição de destaque no esporte mundial: Amanda Simeão, da esgrima; Eliseu e Marcelo Santos, da bocha; Gui Khury, do skate; Mariana Chevalier, da ultramaratona aquática; e Tisbe de Souza Andrade, da paranatação.

Amanda Simeão – esgrima

(Foto: Nuno Papp)

Amanda Simeão ainda cursava o ensino fundamental na Itália quando teve o primeiro contato com a esgrima. De lá para cá, voltou para o Brasil e construiu uma carreira no esporte que a fez conquistar medalhas nos Jogos Pan Americanos e competir nos Jogos Olímpicos. 

“Voltei em 2007, na época dos Jogos Pan Americanos. Minha mãe viu as atletas da seleção brasileira na TV e me incentivou a tentar também. Aí decidi começar”, relembra. Estava, à época, com 13 anos e já tinha ganhado medalhas, sendo campeã de todas as categorias que havia participado. Aos 15, estava na seleção brasileira adulta. Neste período foi divulgado o palco da Olimpíada de 2019: o Rio de Janeiro. Aí, a esgrimista embalou no sonho olímpico. “Em dezembro estava indo para Paris com 21 malas, precisando treinar por um mês, mas sem saber se ele [o técnico] aceitaria me treinar”, conta. Eis que a família ficou com ela por lá até completar 17 anos. 

“O esporte te dá essa maturidade desde cedo. Você tem que tomar decisões para a vida desde cedo. Tem toda a dedicação… abri mão de muita coisa, dos meus amigos, de parte da minha família – mas não me arrependo de nada, só de não ter competido mais”, reflete. Nessa trajetória, aprendeu a equilibrar as várias áreas da sua vida.

“Você sempre tem que ter um mundo paralelo para se apegar, não pode focar 100% em alguma coisa. Eu só percebi depois de estar lá no poço, sem querer ser atleta.”

Prestes a realizar seu sonho de competir nas Olimpíadas, a esgrimista rompeu o ligamento do joelho. Começou então uma jornada complexa de recuperação, já que decidiu não fazer a cirurgia por medo de não estar pronta para a competição. Uma semana antes, o joelho “saiu do lugar”. Mas, apesar das adversidades, conseguiu pisar em solo olímpico. “Participar das Olimpíadas é como estar na Disney e todo dia ser Natal. É o sonho de todo atleta, é o mais almejado de tudo, e todo dia você recebe um presente. Foi minha maior conquista como atleta.”

Começou a graduação de Relações Internacionais e pretende se dedicar aos estudos – o que não pôde fazer por muito tempo. No esporte, seu sonho agora é Paris 2024. “Ano que vem eu vou morar na Europa para treinar e me dedicar 100% e, assim, trazer uma medalha”, conta. “Antes eu era apenas uma esgrimista. Agora, sou uma atleta de alto rendimento. Essa bagagem me ajuda muito.”

Eliseu e Marcelo dos Santos – bocha

12/09/2016 – Rio de Janeiro – Jogos Paralímpicos Rio 2016 – Marcelo dos Santos (Foto: Daniel Zappe/MPIX/CPB)
12/09/2016 – Rio de Janeiro – Jogos Paralímpicos Rio 2016 – Eliseu dos Santos (Foto: Daniel Zappe/MPIX/CPB)

Eliseu dos Santos sempre quis praticar um esporte, mas não sabia qual. Sem querer, quando começou a fazer fisioterapia, descobriu a bocha. E o que era para ser um hobbie o levou a conquistar a medalha de bronze no campeonato brasileiro, dois meses após o primeiro contato. Logo foi convocado pela seleção brasileira. “Tinha o sonho de jogar futebol, mas quando começou a aparecer a distrofia muscular, ele ficou adormecido. A bocha devolveu meu sonho de representar o país”, conta.

Em casa, Marcelo, seu irmão, o ajudava a treinar para as competições. Depois de um convite do professor, topou participar de uma delas – “mas foi só por respeito a ele, pensei: ‘só vou aceitar para não ficar chato'”, lembra, bem-humorado. De primeira já conquistou a primeira medalha de ouro e, até hoje, a mais importante. Marcelo compartilhava o sonho de ser um jogador de futebol profissional – também adiado quando desenvolveu os sinais da distrofia. 

Em 2013, os irmãos estreavam juntos na seleção brasileira, competindo no Canadá. A dupla conquistou o ouro. Três anos mais tarde, Marcelo teve sua estreia nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro – e, novamente, jogou com o irmão. Eliseu já havia participado dos jogos em 2008 e 2012, mas o de 2016 teve um gostinho diferente. “Foi uma competição mais incrível que a outra, mas pelo fato de estar em casa e jogando com o Marcelo, ter minha esposa e meus filhos, foi muito especial.”

O esporte, para os irmãos, representou também novos horizontes. Marcelo passou por uma fase difícil quando começou a sentir os primeiros sintomas da distrofia. Com a bocha, encontrou uma resposta que mudou sua percepção sobre o que vivia: uma limitação não é o final da vida. Basta se adaptar e viver do mesmo jeito. “Imaginava que ia ficar preso na cadeira, mas o esporte me deu a possibilidade de conhecer outras culturas”, diz.

“O esporte me deu uma nova oportunidade de continuar vivendo. Foi por meio dele que consegui retornar ao convívio na sociedade.”

No caso de Eliseu, a modalidade lhe trouxe a vida que sempre quis. Inclusive, foi por causa dela que conheceu sua esposa. “O esporte completou minha vida de um jeito que eu não imaginava, fez minha vida do jeito que eu sempre sonhei”, compartilha, orgulhoso. “Parece que a bocha foi feita para nós. Ela não precisa de força. Precisa de estratégia e técnica.” A mensagem que os irmãos querem passar é de aceitação e esperança. “Espero que possamos inspirar outras pessoas a almejar o que nós estamos vivendo, conhecer o esporte e ver que a vida não acabou porque você adquiriu uma doença. Alguma pessoa com deficiência lê e vê que se a gente pode, eles também podem.”

Gui Khury – skate

(Foto: Peralta)

A primeira lembrança de Gui Khury no skate é aos dois anos, ainda com a mamadeira, se empurrando de um sofá para o outro. Não à toa, o prodígio curitibano chocou o mundo com outras façanhas precoces – entre elas, ser o primeiro a realizar a manobra 1080 graus na pista de vertical, aos 11 anos. “É uma sensação que não dá para explicar. Quando você cai, tudo treme, parece que você está explodindo. Eu fiquei em choque, nem sabia que tinha conseguido, achei que era um sonho”, relembra, emocionado.

Em sua primeira década de vida bateu outros recordes, como ser o mais jovem atleta a participar do X Games, considerado na época os “Jogos Olímpicos dos Esportes Radicais”, aos 10 anos. O sonho é voltar para conquistar uma medalha. Um de seus ídolos, Bob Burnquist, é o maior medalhista da história da competição. “O Gui sempre diz que se inspira em mim, mas ele também me inspira. Desde muito cedo dava para ver que ele tinha talento. Sempre fico na torcida e empolgado para que ele cresça cada vez mais”, conta Bob, em entrevista exclusiva à TOPVIEW

O skatista sabe que a verdadeira essência do trabalho está além dos prêmios. “Sempre digo para o Gui: seja feliz andando de skate. As medalhas e os troféus são consequência”, afirma Bob. Gui parece aplicar bem a filosofia: é impossível não notar seus olhos brilhando ao falar sobre o esporte.

“É um trabalho, é uma arte e é algo para me divertir”, diz o curitibano.

Coragem também é uma palavra constante na vida do skatista. Nem todo mundo encararia descer uma rampa de 24 metros de altura – mas ele o fez aos nove anos de idade. Foi assim que se tornou o mais jovem a enfrentar a megarrampa, a mais desafiadora do skate. Ainda aos cinco anos, já “dropava” o half pipe, uma pista vertical de quatro metros de altura. Hoje, sua manobra preferida é a 540. “Para mim, é fácil de fazer, mas tem uma emoção na manobra.” E ele já tem em mente o próximo desafio: o 1260, uma volta no ar a mais do que a 1080. Com a determinação que lhe é característica, o novo recorde é só uma questão de tempo.

Mariana Chevalier – ultramaratonista aquática

(Foto: Divulgação)

Na casa de Mariana Chevalier, na infância, havia duas regras: todos deveriam praticar pelo menos um esporte e saber nadar por uma questão de segurança. Mas a estudante curitibana, que hoje é ultramaratonista aquática, levou a natação bem mais adiante. No dia 30 de julho de 2020, completou a travessia do Canal da Mancha, jornada de 33,3 km, que separa a Grã-Bretanha do norte da França.

Aos 16 anos, tornou-se a brasileira mais jovem a concluir a façanha, um dos maiores desafios de nado a céu aberto. “Eu tinha ouvido falar, mas nunca tinha sequer pensado em fazer, parecia uma coisa meio surreal para mim.” 11 horas e 55 minutos após cair nas águas geladas do canal, Chavalier terminava o trajeto. A sensação foi de alívio. “Eu fiquei aliviada, queria muito descansar. Fiquei aliviada que todo o esforço valeu a pena. Dá orgulho de mim mesma, mas se for parar para pensar, não sei se faria uma prova dessas de novo (risos).” 

Em condições normais, é preciso agendar a prova – que tem uma longa lista de espera – e torcer para que, no dia, o tempo esteja bom. Caso contrário, é proibido fazer o trajeto. Quando Mariana decidiu tentar, no final de 2019, a data mais próxima era 2022. Mas um brasileiro desistiu da prova e seu técnico ofereceu a vaga a ela. “Eu teria seis meses para me preparar, o que era pouco tempo de treino, mas meu treinador me deu o aval”, conta.

“O difícil do canal é não conseguir fazer um treino sequer que consiga colocar todas as variáveis, é essa imprevisibilidade.” 

A pandemia também atrapalhou a preparação. Mariana chegou a ficar três semanas sem conseguir nadar. Ainda assim, o maior impacto foi ter que treinar sozinha. “Tem algo muito reconfortante de estar sofrendo na água com alguém do seu lado. Sempre tinha um contato para extravasar.” Por sorte, os outros fatores externos que poderiam atrapalhá-la não foram problema. “Dei muita sorte de conseguir conciliar um dia com tempo bom, maré boa e temperatura da água agradável.” Até a correnteza forte só apareceu nas últimas duas horas. Agora, a ultramaratonista concilia o esporte com os estudos para ingressar no curso de Direito. “Um compensa o outro. Quando estou cansada de treinar, o estudo tira minha cabeça disso, e vice-versa.”

Tisbe de Souza Andrade – paranatação

25.08.19 – Jogos Parapanamericanos Lima 2019 – Natação – Tisbe Andrade Bronze 50m costas s5. (Foto: Ale Cabral/CPB)

Em março de 2020, Tisbe de Souza Andrade viu sua rotina mudar completamente. Assim como o restante do mundo, que acabava de entrar em quarentena, a estudante curitibana precisou descobrir como lidaria com este novo momento, em especial por ter que pausar sua paixão – a natação. Foram dois meses sem poder treinar.

Recordista brasileira na prova de 50 metros costas,  a atleta curitibana acumula mais de 150 medalhas na natação. Tisbe já foi eleita a melhor atleta universitária do paradesporto brasileiro, pela Confederação Brasileira de Desporto Universitário (CBDU). Por mais que tenha começado a competir em 2010, foi apenas depois de participar do Parapanamericano de 2016 que as pessoas passaram a vê-la como uma atleta profissional. “Muita gente me pergunta ‘e você trabalha?’, eu digo: ‘a natação é meu trabalho, o escritório é diferente (risos)’.”

Foi esse o momento em que viu como valeu a pena nunca ter desistido do esporte. “Foi muito especial, muito emocionante. Estar lá é diferente de tudo. É diferente de bater o recorde brasileiro. Representar o Brasil é o auge de todo atleta.” O sonho é participar de uma Paralimpíada – por isso, já está focada nos treinos para Tóquio. Por mais que vise trazer medalhas para o país, o que mais a anima é ver como pode fazer a diferença na vida de outras pessoas com deficiência. “Eu posso trazer essa visibilidade para uma doença que não é tão comum. Muitas mães vieram falar comigo depois do Parapan, por ver uma pessoa tão desenvolvida”, relembra. 

Tisbe tem artrogripose múltipla congênita, considerada uma doença rara. Foi o esporte que a fez mudar sua percepção sobre a deficiência. Antes motivo de vergonha, hoje é um motivador para impactar positivamente a vida de outras pessoas.

“Poder ser uma influenciadora do bem para outras pessoas é meu maior sonho. O esporte deu a liberdade da minha vida. Eu não sei quem seria Tisbe sem o esporte. Proporcionou minha independência e hoje estou indo atrás dos meus meus sonhos.”

*Matéria originalmente publicada na edição 247 da revista TOPVIEW. 

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