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Equilíbrio para ser quem é

Começar o ano reaprendendo a se colocar como protagonista é a melhor dica para uma vida mais leve e desacelerada

O célebre sociólogo e filósofo polonês Zygmund Bauman, em seus estudos sobre a sociedade e as relações humanas, já havia alertado: a modernidade é líquida, as relações podem ser vazias e a solidão pode ser sentida mesmo imerso em uma multidão. Ser e estar são coisas diferentes e se fazer presente na vida é algo que escorre entre os dedos, sem possibilidade de juntar os cacos e reconstituir memórias, relações, medos e o que quer que seja. Só se vive uma vez – e não há como avançar ou voltar nessa loucura chamada “vida”. A busca pelo autoconhecimento é a mais humana das ações e, talvez, uma das poucas que façam realmente sentido em qualquer fase da existência.

Diariamente, o mundo nos chama. Ele tem um ritmo acelerado e chega sem perguntar se o dele corresponde ao nosso. É frenético, difícil de acompanhar. Afinal, são inúmeras obrigações com a casa, a família, o trabalho, os amigos, o lazer… e ele chega, mostrando que você pode mais, que precisa de mais. Ritmo esse que pode causar um descompasso e trazer angústias. E, para agravar tudo isso, a pandemia do novo coronavírus forçou muitas pessoas a desacelerar objetivos e ressignificar sonhos. Segundo dados divulgados no último mês de setembro pelo Ministério da Saúde, a ansiedade é o transtorno mais presente durante a pandemia de Covid-19, mas ela não é um problema novo entre os brasileiros. O país já é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o mais ansioso do mundo.

Para a psicóloga clínica Áurea Spricigo, a ansiedade é um estado emocional complexo psicofisiológico no qual o organismo do ser humano tenta se adaptar e se preparar para uma situação iminente, real ou imaginada, potencialmente ameaçadora. “A primeira coisa a ser feita para tratar a ansiedade é aceitar que ela existe. Fugir dela só vai gerar mais ansiedade. Depois, é necessário analisar quais são os gatilhos que fazem ela se manifestar. Quando [esse estado] tomar conta, é interessante ter estratégias para minimizar seus efeitos e fazer com que a pessoa volte para o agora”, ressalta a psicóloga.

A preocupação com algo que aconteceu no passado ou a curiosidade em saber como será o futuro fazem com que muitas pessoas deixem de viver o presente e, com isso, perder experiências únicas por conta de estarem em desconexão com a sua própria vida. Marcela Linzmeyer, por exemplo, terminou a faculdade de Nutrição e não sabia ao certo o que fazer com todo o conhecimento adquirido.

“A primeira coisa a ser feita para tratar a ansiedade é aceitar que ela existe. Fugir dela só vai gerar mais ansiedade.” – Áurea Spricigo

Ela queria auxiliar as pessoas não apenas em uma dieta para perder peso, mas também desejava ser um agente de transformação na vida delas. Durante um tempo, ficou sem saber como fazer isso. Sempre foi uma pessoa que trocava os livros de aventura ou romance na adolescência por livros de autoconhecimento e autoajuda e, durante o período em que estava se encontrando como profissional, foi neles em que buscou refúgio para entender qual seria o seu papel no mundo.

Essa busca pelo autoconhecimento fez com que Marcela encontrasse caminhos diferentes na terapia holística. Depois de experienciar em sua própria vida os efeitos dessas terapias alternativas, hoje ela trabalha com isso, aliando seu conhecimento como nutricionista com reiki, aromaterapia e cristaloterapia, tudo em busca de auxiliar seus pacientes no desenvolvimento pessoal. “A gente se forma na faculdade e acha que as coisas vão acontecer rápido, que o sucesso profissional vai ser da noite para o dia – e não é assim. Eu sempre falo que, primeiro, temos de ter a coragem de dar o passo para só depois ver o chão. A motivação, muitas vezes, é errada, [por ser] algo apenas para ganhar dinheiro ou [pelo] ego. Ela precisa ser mais do que isso. Deve ser para nos satisfazer como pessoas e fazer bem aos outros”, conta Marcela.

O mundo não para

A loucura da rotina faz com que, muitas vezes, seja difícil colocar a cabeça no travesseiro e se desligar de tudo. Conseguir ter o controle sobre as situações é uma tarefa cada vez mais complicada, já que a necessidade de estarmos conectados – seja nas redes sociais, com os e-mails do trabalho ou mesmo com as notícias do mundo – leva uma ansiedade extra para um momento que deveria ser de relaxamento e descanso. “É importante estabelecer um filtro para tudo, porque ter contato frequentemente com o que está acontecendo com o mundo pode ser um gatilho que pode desencadear a ansiedade. A grande dica é escolher entre uma e duas fontes, mas sem ficar olhando-as o dia inteiro”, comenta Áurea.

Como a maioria das questões na vida, essa necessidade de saber sobre tudo e estar conectado a todo momento tem pontos positivos e negativos. Ao mesmo tempo em que as redes sociais ajudam a diminuir distâncias físicas, seu uso em excesso pode agravar problemas físicos e mentais. O professor de Marketing do curso de Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Karlan Muniz acredita que a melhor maneira de lidar com as informações a que se tem acesso é saber o que queremos delas, pois, assim, é mais fácil lidar com elas de maneira equilibrada. “Estabelecer um tempo destinado ao consumo de informações auxilia nesse processo de consumi-las. Muitas vezes, não temos foco no que procuramos e nos perdemos na hora de navegar pelas informações”, explica Muniz.

Não há como negar. A sociedade atual está no olho do furacão. As redes sociais fazem parte da rotina de todos. Durante o período de isolamento social em decorrência da pandemia, elas se tornaram uma janela para o mundo real, agravando essa dependência. O Dilema das Redes, documentário produzido pela Netflix, evidencia que a influência das redes sociais em nosso cotidiano é capaz de interferir em nossas escolhas muito mais do que se pode imaginar, seja para a venda de um produto ou mesmo a eleição de um político. Para Silvana Paixão, futurista e agente de transformação digital, não se pode esquecer que a internet é regida por dados – que, atualmente, também valem muito dinheiro. “É preciso entender que o grande trunfo não é tomar um lado, ser contra ou a favor do uso das redes. O segredo é ter consciência de que os benefícios e malefícios existem e lidar com eles com clareza. Frequentemente, só vemos o lado negativo, mas é por conta das redes que muitas amizades perduram mesmo há milhares de quilômetros de distância”, conta a especialista. 

“Estabelecer um tempo destinado ao consumo de informações auxilia nesse processo de consumi-las.” – Karlan Muniz

Em busca da felicidade

A necessidade de encontrar maneiras de ter mais qualidade de vida e bem-estar é o que move o ser humano. São essas prerrogativas que o fazem se motivar a trabalhar mais horas do que deveria, a buscar novos conhecimentos técnicos e a ter conexões com pessoas que possam auxiliá-lo em seu crescimento profissional. Juliana Alves Teixeira é terapeuta integrativa e permacultora e tem 36 anos, 18 deles dedicados à busca por autoconhecimento e bem-estar. Sempre curiosa em relação ao mundo que a cercava, buscou desde muito cedo encontrar respostas às perguntas que seus familiares e amigos não sabiam responder. Nestes anos de procura, já passou por muitas fases. Conheceu, auxiliou e trocou conhecimentos com muitas pessoas. Atualmente, reside em uma reserva de preservação no meio da Mata Atlântica, no litoral de Santa Catarina. “Quando eu era criança, tive muito contato com a natureza, mas meus pais tinham uma vida tradicional. Precisamos nos mudar para a cidade e eu perdi essa conexão. Aquela natureza abundante em que me refugiava não fazia mais parte do meu cotidiano. Então, precisei buscar esses recursos dentro de mim, por meio de meditação e leituras, a fim de me conhecer melhor”, relembra Juliana.

Segundo uma pesquisa da Universidade de Harvard, a mente do ser humano está dispersa e distraída em pensamentos durante aproximadamente 47% do tempo, ou seja, é como se durante metade da vida o homem pensasse no seu passado ou no seu futuro, esquecendo que o presente existe. Essa dispersão é um catalisador para a ansiedade. Uma boa alternativa para se desviar desses pensamentos é buscar técnicas como mindfulness ou atenção plena. O objetivo é deixar de lado as distrações e os pensamentos externos e conectar-se com o presente. O exercício é intencional e é preciso dedicação de cada indivíduo para alcançar bons resultados. A ideia é, basicamente, realizar atividades que conectam ação e pensamento. Para Juliana, a meditação é algo que poderia fazer parte da rotina de todos, como a necessidade de alimentar-se, beber água e relacionar-se com as pessoas. “Nada substitui a técnica da meditação. Ela é uma forma de conectar-se consigo mesmo e dar uma pausa durante a rotina, para silenciar e respirar com foco apenas no agora e olhar para dentro. Não há uma indicação de ter de se fazer 30 minutos de meditação por dia. O ideal é adaptar a rotina. Cinco minutinhos já ajudam demais”, ressalta a terapeuta.

Muitas vezes, o corpo pede essa pausa e, por conta da rotina, o pedido é ignorado. Isso acaba afastando o estado de bem-estar e os pilares para uma vida mais saudável e tranquila ficam esquecidos. Afinal, alcançar esse estado é um conjunto de fatores que possuem vários pilares, em que um coexiste com o outro, mas, juntos, eles conseguem proporcionar resultados muito mais efetivos. “É por isso que o desenvolvimento pessoal e o autoconhecimento são tão importantes, pois é só com eles que é possível ouvir e entender os sinais do seu próprio corpo e, assim, respeitá-los e aceitar ele como um sistema que rege as suas conquistas, que, no final das contas, só dependem de você mesmo”, comenta Marcela.

Nutrindo o corpo e a alma

O equilíbrio, muitas vezes, parece algo inalcançável, pois ele depende de diversos fatores – e todos esses detalhes nem sempre são vistos de forma negativa ou limitante. A mudança não precisa depender de dez fatores, ela só precisa começar. Aos poucos, novas rotinas e hábitos podem ser, naturalmente, acrescentados ao dia a dia. O importante é não desistir por alguma crença limitante. Perdurar no propósito, seja ele qual for, é o caminho mais seguro. Vale lembrar que ele precisa ser leve e fazer sentido, além de ser normal ele sofrer alterações no caminho. “Às vezes, é preciso desconectar para que você se conecte com seus ideais e propósitos. As notificações do Instagram, os e-mails, as mensagens no WhatsApp… eles podem esperar. Se for uma emergência, a pessoa vai te ligar. O imediatismo em saber o que aconteceu ou em responder às mensagens só vai te desviar do que você estava fazendo, muitas vezes tirando o foco de algo realmente importante”, explica Juliana.

“Às vezes, é preciso desconectar para que você se conecte com seus ideais e propósitos. As notificações do Instagram, os e-mails, as mensagens no WhatsApp… elas podem esperar.” – Juliana Alves Teixeira

Atualmente, torna-se imperativo a tentativa de desconectar-se um pouco do mundo virtual e cultivar a atenção plena ao momento presente na vida real. Para a médica endocrinologista Mariella Müller Michaelis, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e sócia-fundadora do Instituto de Endocrinologia e Metabologia (INEM), buscar hábitos e práticas que levem ao desenvolvimento intelectual e espiritual, além de preservar a convivência com familiares e amigos, é uma forma de manter uma rotina alimentar saudável e sem exageros. “Praticar exercícios físicos e cuidar da qualidade do sono são maneiras de começar o ano com um mindset mais salutar e positivo”, complementa a médica.

O detox é uma prática muito comum entre pessoas que estão em uma reeducação alimentar, pois ele auxilia na limpeza do organismo. Com as demandas do mundo moderno, várias pessoas têm buscado fazer uma espécie de detox digital, desconectando-se do celular, da televisão, do computador e quaisquer outras distrações que tiram o foco delas da vida real, com o objetivo de não ficarem tão ansiosas com tudo o que está acontecendo, a fim de viverem o melhor que a ideologia do carpe diem pode oferecer. Antonia Glice, estudante de Publicidade e Propaganda, sentiu a necessidade de dar um tempo das redes sociais durante a pandemia, pois percebeu que seu dia se resumia em ficar com o celular na mão, consumindo conteúdos que, muitas vezes, causavam ansiedade de voltar a viver sua vida como era antes do período de isolamento social. “Desativei minhas contas no Twitter e Instagram e foi uma das melhores coisas que eu fiz. Voltei a ter hábito de leitura e me conectei com a minha essência. Tive de voltar para as redes por conta do trabalho, mas eu não senti falta delas em nenhum momento”, conta Antonia.

Para a nutricionista clínica e esportiva funcional Gisele Farias, membro do corpo clínico do INEM, o maior segredo para adquirir bons hábitos alimentares em um mundo acelerado é planejar com antecedência todas as refeições do dia. “Se deixarmos de pensar no que vamos comer, quando a fome vem, a chance de buscarmos alimentos com baixo valor nutricional é muito maior. E, ainda, já existem pesquisas que mostram que, quando estamos com muita fome, nosso cérebro não consegue optar por alimentos saudáveis, então o planejamento é um pilar para essa conquista de refeições mais saudáveis”, comenta.

“A atividade física auxilia na diminuição da ansiedade e a probabilidade de depressão, melhora o estado de humor, a qualidade do sono e a imunidade” – Mariella Müller Michaelis

Cada alimento é composto por diferentes nutrientes e compostos bioativos, os quais, por sua vez, exercem diferentes funções no organismo do ser humano. O estado geral de saúde, incluindo disposição e humor, depende da adequação dos nutrientes. Assim como existem alimentos que melhoram a concentração e a disposição, outros fazem o contrário. “A cafeína e a teacrina, por exemplo, estão presentes no café preto. Elas auxiliam na manutenção do foco e da concentração. Assim como o ômega-3, a vitamina E e o selênio presentes nas oleaginosas, que auxiliam na melhora do desempenho cognitivo”, explica a médica endocrinologista.

Outro pilar fundamental para deixar a vida mais leve é a prática de exercícios físicos. Eles são complementares ao equilíbrio alimentar. Exercem forte influência na saúde e no bem-estar, sendo um importante aliado na prevenção e no tratamento de inúmeras doenças. “A atividade física auxilia na diminuição da ansiedade, diminui a probabilidade de depressão e melhora o estado de humor, a qualidade do sono e a imunidade”, alerta Mariella.

O futuro nos pertence 

No livro “O Mundo do Sofia”, o escritor norueguês Jostein Gaarder descreve a perda da inocência de Sofia falando que tudo depende do tipo de lente utilizada para ver as coisas. E o mundo é exatamente isso. Enquanto o passado e o futuro forem mais importantes do que o que está acontecendo no agora, a lente ficará embaçada, tanto para reviver o passado quanto para tentar prever o futuro, afinal, não há nada que possa ser feito para mudar os fatos e, se as coisas não saírem como devem ser, o futuro é ainda mais incerto. “A gente sempre ouve de todos que devemos seguir o nosso coração, fazer o que ele diz. Mas nós sabemos mesmo discernir o que ele quer dizer? Eu sinto que muitas vezes em que eu achei que estava seguindo o que era parte da minha essência foi, na verdade, a emoção tomando conta, eu sendo ansiosa e fazendo o que esperavam que eu fizesse”, lembra Marcela.

A ansiedade faz parte do homem, ela esteve ao lado da espécie em todas as etapas evolutivas. “Existe a ansiedade saudável, que é aquela que proporciona um frio na barriga quando você vai ter um encontro amoroso, quando você recebe uma promoção no trabalho – e é tida como normal. O grande problema é quando ela começa a fazer parte do dia a dia do indivíduo e faz com que ele deixe de fazer suas tarefas, gerando um impacto que, na verdade, incapacita essa pessoa”, explica a psicóloga.

Para Muniz, as redes sociais não devem ser vistas como as grandes vilãs, pois quem tem o controle sobre o tempo e o uso delas é o ser humano. “A gente vê as pessoas colocando todas as fichas da sua felicidade se baseando no desempenho de curtidas que a foto dela tem em alguma rede social. A foto, que era para ser uma memória feliz, agora se torna um elemento de infelicidade e ansiedade. Isso faz com que as pessoas se tornem dependentes de elogios para que se sintam completas”, ressalta.

A relação dos seres humanos com as máquinas é causa de estudos em todos os lugares do globo. E o caminho para que haja uma interação saudável entre os dois é um só: equilíbrio. “Enquanto o homem tiver medo de ser substituído pela máquina, ele só vai deixar com que isso aconteça com mais facilidade. Afinal, é ele quem domina a máquina e é ele quem vai dar esse espaço para ela em sua vida. As pessoas precisam voltar a ter expectativas e acreditar mais umas nas outras”, finaliza Silvana

5 DICAS PARA TER HÁBITOS MAIS SAUDÁVEIS

  1. Planeje e organize suas refeições com antecedência.
  2. Tire um tempo diário de conexão com você mesmo.
  3. Beba muita água.
  4. Adote práticas de exercícios físicos de maneira regular.
  5. Preserve a quantidade e a qualidade do seu sono.

*Matéria originalmente publicada na edição #244 da revista TOPVIEW.

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