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Em dia com o século XXI

Em 2021, criar filhos é uma tarefa diferente da que era realizada em gerações passadas

Durante o século XX, o número de filhos por família era elevado – e com pouca diferença de idade de um para o outro. O cotidiano dessas crianças, inclusive, acontecia em um espaço amplo, tanto dentro quanto fora de casa: era dominado por brincadeiras e atividades em que os pequenos tinham tempo de sobra, dispondo de liberdade para criar.

Essa rotina, além de marcada por certa distância do mundo dos adultos, era permeada pela transmissão de valores morais, pela exigência de cumprimento das normas e por uma educação voltada para o trabalho, fundamentada no “bom exemplo” das gerações mais velhas.

Contudo, principalmente a partir dos anos 2000, as mudanças da sociedade em todos os setores fez com que a criação de filhos também fosse repensada – e, consequentemente, modificada. Para o psicólogo Tiago Tamborini, especialista em comportamento de crianças e adolescentes, hoje, os pais e as mães são mais afetivos. “Afetividade no sentido global da palavra: abraçar mais, dar mais beijos, mais carinho”, explica, acrescentando que esse fator, na verdade, está relacionado ao lugar de escuta, de quem observa, de quem tá mais preocupado em
acertar.

Tamborini alerta, entretanto, que tais características trouxeram desafios aos pais, mães e responsáveis. Em algumas ocasiões, o que pode ser  entendido como um passo à frente na criação de filhos pode também causar problemas. “Confundir o ‘ouvir o filho’ com o ‘sempre acatar o que ele diz’ é um problema. Posso te ouvir, mas não necessariamente acatar como ordem e desejo. O fato dos pais quererem acertar mais é algo maravilhoso e trouxe, sim, benefícios lindos. Mas, ao mesmo tempo, apresentou desafios, porque, às vezes, essa confusão traz uma educação equivocada”, argumenta o especialista.

Citando a própria experiência como mãe, a pedagoga Pati Curi afirma que, durante a infância e a adolescência de suas filhas – hoje já adultas –, sentia-se perdida quanto aos limites da invasão de privacidade e efetivamente da educação. “Eram horas no celular – e aquilo me incomodava  profundamente. Afinal, dali, havia a possibilidade de surgir situações que você sequer imagina. Eu questionava: o que elas estavam fazendo ali por tanto tempo?”, exemplifica a profissional, reiterando que os limites da privacidade, do controle e do que é ser mãe foram dificuldades que fizeram parte da sua caminhada materna.

Inclusive, ao refletir sobre os desafios de se educar, a psicóloga Marcela Bernardi acha interessante como, culturalmente, pais e mães permitem que as coisas aconteçam somente seguindo seu fluxo. “Ser mãe ou pai, que é muito mais do que uma profissão, é algo que reverbera para a vida toda. Simplesmente se é. Será que o jeito que eu fui educada é o jeito mais assertivo de educar meus filhos? Será que, de quando eu era criança para hoje, não mudou muita coisa?”, questiona.

Afinal, a internet é vilã?

Em 2019, ano de divulgação da última pesquisa TIC Kids Online Brasil, cerca de 24,3 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 9 e 17 anos eram usuários de internet no Brasil – o que corresponde a cerca de 86% do total de pessoas dessa faixa etária no país. Hoje, principalmente pelas necessidades de acesso à internet impostas pela pandemia do coronavírus, esse número pode ser ainda maior.

“Nessa geração de pais, inauguramos as redes sociais e os eletrônicos, que por si só já são muito sedutores. Portanto, a maneira como o jovem se vincula com o outro e com as próprias redes sociais está no topo da lista de desafios”, explica Tamborini. Marcela Bernardi ainda opina que a  tecnologia – e as telas, de modo geral – tem sido, sim, uma grande vilã. Hoje, as crianças conseguem tudo em um simples toque de botão no aparelho eletrônico e, a partir disso, tudo acontece, tudo é instantâneo.

“Aprender a tolerar, ter paciência, esperar, lidar com as frustrações pode ser muito desafiador”, argumenta. Contudo, a psicóloga afirma que é preciso analisar mais a fundo essa questão: primeiro porque não há só malefícios no uso dessas tecnologias. “Por meio da internet, consegue-se, hoje, ter acesso a conteúdos educativos e aprender novas habilidades. Além disso, o ponto crítico não é a tecnologia em si, mas como muitas mães e pais a pregam”, elucida.

Portanto, ao se falar sobre educação, é imprescindível que a rotina não seja esquecida. Pati Curi lembra que tudo o que envolve rotina já vai ser aproveitado de alguma forma pela criança à medida que ela vai crescendo. “A maneira de você conseguir organizar a vida dela de uma forma melhor, então, é definir uma rotina sempre. É preciso estabelecer horários, ter refeições regulares, ter qualidade de sono, inclusive dormir cedo. Tudo isso faz parte do processo de crescimento”, complementa a pedagoga.

Quando os pais roubam de uma criança o tempo que ela poderia usar para o seu enriquecimento criativo, a troca afetiva, e a convivência, acaba sendo prejudicial. Tamborini explica que, principalmente na primeira fase da vida, a criança está completamente focada na criatividade, na troca e na interação com o outro como construção de si. “Por isso, 30 minutos de celular, de tela, de TV e de videogame já são 30 minutos a menos nessas tarefas benéficas à formação da criança”, conclui o psicólogo.

Dessa maneira, falar não é uma posição que dá trabalho. Pati Curi ainda amplia: “Dizer não é desgastante. Gera conflitos. Precisamos ter hora de ensinar como é brincar, trazer novas brincadeiras, inventar do que brincar. Se não acontecer isso, a criança não vai brincar sozinha – e isso é um ponto extremamente importante”, lista a pedagoga.

(Foto: Shutterstock)

Realidades distintas

Os gêmeos Lima Saboya, filhos do coreógrafo e influenciador digital Daniel Saboya e da professora Fernanda Lima, hoje, aos dois anos de idade, já possuem mais de 50 mil seguidores no Instagram. “Criamos as contas deles principalmente para que tivéssemos o registro de uma história contada desde o início”, explica Fernanda, mãe de Danilo e Felipe.

Daniel ainda conta que, quando os filhos nasceram, o público queria vê-los. “Por isso, criamos as contas. Para que toda a galera que nos segue pudesse também acompanhar o crescimento dos meninos. Isso acontecia principalmente quando eles eram bebezinhos.”

O casal, portanto, dosa a relação das crianças com a internet para que ela seja o mais saudável possível. Fernanda lembra que há crianças que não brincam, não correm, não jogam e que ficam apenas à frente da TV e com o celular na mão.

“Temos a hora de brincar fora, de correr, de pular. Temos jogos e brinquedos com objetivos pedagógicos, não ficamos dependentes da tecnologia”, explica a professora.

Daniel ainda acrescenta que, na verdade, para os pequenos, a internet e tudo o que ela oferece são passatempos. Ele brinca, ainda, que Danilo e Felipe não o acompanham em seu canal. Por enquanto, ainda preferem os infantis. “Eles gostam mesmo das músicas mais cacofônicas, acham um barato. Aí sim dançam junto com meus vídeos, mas é pontual”, explica.

Já na casa de Lizandra Hachuy e Mariana Castello Branco, mães da Manuela, do Miguel, do Maitri e da Moana, a relação das crianças com a tecnologia é bastante diferente. “Não é um ‘não’ total à tecnologia, mas, por exemplo, não temos televisão em um cômodo comum a todos. O Maitri, com quatro anos, nunca tinha visto uma tela, mas tecnologia não se limita a isso – diz respeito a todas as possibilidades, como ouvir música ou contar histórias – que ele adora, inclusive”, explica Lizandra.

Para ela, quando o assunto é internet, tudo é conquistado com muita rapidez e facilidade. “Isso derruba um grande tanto da criatividade, da possibilidade de estar em contato com o ócio. A questão é que, com as crianças, isso entra como uma possibilidade indiscutível: a qualquer mínimo sinal de angústia, eu desisto. Eu entro para passar o dedo em uma tela ou assistir a alguma coisa”, argumenta.

O contato com a natureza, inclusive, é um dos pontos principais da vida dos filhos de Lizandra e Mariana. De acordo com elas, o contato é diário e constante. Maitri, com quatro anos, sequer sabe o oposto disso. “Ele não faz ideia de como é a vida em uma cidade grande, como São Paulo, por exemplo. Para ele, a natureza é parte da vida. Os brinquedos são flores e folhas”, conclui Lizandra.

Limites* no tempo de exposição às telas

Até 2 anos: não deve ser usado;

2 – 5 anos: até uma hora por dia;

6 – 10 anos: até duas horas por dia;

11 – 18 anos: até três horas por dia, nunca “virar a noite”;

Todas as faixas etárias: nada de telas durante as refeições e desconectar uma a duas horas antes de dormir.

*De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria.

Para educar as crianças

Como educar no século XXI
Pati Curi, Patricia Chaccur e Tiago Tambori
Labrador

A Criança Montessori
Simone Davies
nVersos

Como criar filhos na era digital
Elizabeth Kilbey
Fontanar

*Matéria originalmente publicada na edição #251 da revista TOPVIEW.

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