É tempo de ficar atento!
Muitos desejam o período de inverno. Tempo charmoso, momento de comidas calóricas e deliciosas. Contudo,
como nem tudo é maravilha, alguns iniciam o sofrimento já nos últimos dias do outono. Com o frio e a temporada de aconchego, alguns companheiros desse período insistem em retornar.
Nesse momento em que vivenciamos o início da diminuição de temperaturas, acompanhada da umidade mais baixa – o que, consequentemente, propicia um número maior de partículas suspensas no ar –, percebe-se, também, o estigma de agravamento das infecções respiratórias. Junto a isso, a partir do período de transição, vivenciamos alterações bruscas de temperaturas – às vezes, mais de 25 graus em um único dia, para cima e para baixo. Às vezes, aceleramos essas mudanças incluindo na rotina aquecedores em determinados ambientes e passamos a nos alternar entre ambientes aquecidos e não aquecidos. É o preparo de fertilização do terreno para receber as doenças respiratórias convencionais e as novas “convidadas”, como a Covid-19.
Passamos, também, pela proximidade pessoal, favorecendo a transmissibilidade entre pessoas próximas e, até mesmo, a transmissão comunitária. É um período em que tendemos a ficar mais enclausurados, próximos uns dos outros, e passamos a usar roupas que geralmente estão guardadas há muito tempo para essa época especial.
Nosso corpo reage a essas mudanças de diferentes maneiras, seja pela sua ineficiência, causada pela imunossupressão – muitas vezes, deixando-nos suscetíveis às pneumonias, principalmente os mais velhos – ou
pela sua exacerbação, levando a crises asmáticas, bronquites, rinites, sinusites, etc.
A prevalência das doenças alérgicas com consequências respiratórias atinge mais de 30% da população. Essa condição pode contribuir para a exacerbação durante o período de temperaturas mais baixas, devido à irritação das vias aéreas, associada à entrada de micropartículas suspensas no ar. Em nossas vias aéreas, inicialmente devido ao microambiente estar frio em relação à nossa temperatura, há vasoconstrição, no intuito de preservar a temperatura corporal. Consequentemente, menos muco (líquido carregador de moléculas protetoras, como anticorpos) é produzido, tendendo a ressecar a mucosa e promover mais facilidades para o microrganismo
invasor. Assim, passa-se a ter mais secreções, às vezes, ricas em vírus, por exemplo.
Esse cenário inflamatório ajuda na piora de infecções e na propagação de infecções virais e bacterianas (espirros, tosse, etc.) em nossa comunidade.
Nem tudo que reluz é ouro
Muitos estão acostumados com essa rotina anual e costumam entender que se trata, mais uma vez, da mesma causa, quando, na realidade, é o mesmo efeito. O problema é que podemos ter desfechos diferentes e, muitas vezes, muito graves.
Na medicina, estamos acostumados a montar uma história a partir das informações oferecidas pelos pacientes. Com essa coleção de sintomas, fazemos um diagnóstico sindrômico. O problema é que, normalmente, esses sintomas são semelhantes para quase todas as doenças respiratórias. Muitas vezes, tanto pacientes como médicos podem não perceber e deixar de investigar detalhes ou sintomas adicionais que poderiam diferenciar uma doença de outra. Isso é o que chamamos de diagnóstico diferencial.
E o que poderia ser diferente nesse caso? Por exemplo, um paciente com tosse, coriza, lacrimejamento, febre, etc. poderia representar várias situações: uma infecção por vírus influenza, SARS-CoV-2 (Covid-19) ou, até mesmo, sarampo. Alguns sinais adicionais poderiam ajudar nessa diferenciação (lesões na orofaringe e vermelhidão pelo corpo, que poderiam indicar sarampo ou um contactante positivo para Covid- 19, por exemplo).
Podemos ter consequências graves se decidirmos aguardar para ver. Devemos lembrar que essas doenças são todas comunitárias e não sumiram. Digamos que, no momento, elas estão sendo menos investigadas, seja pela diminuição de consultas clínicas clássicas (avaliações que a telemedicina não é capaz de substituir) ou pela falta de atenção das pessoas em declarar para os médicos entrevistadores. É fácil notar que estamos com casos
de subnotificação de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), com muitos sendo notificados sem causa definida ou classificados erroneamente pela falta de exames esclarecedores, como temos assistido pelas mídias.
SRAG é um estado agressivo em nosso corpo causado por inúmeros patógenos: vírus do grupo influenza (como H1N1), vírus sinciciais, adenovírus, bactérias, etc. Mas é importante afastar das doenças inflamatórias, que, por
si só, poderiam colocar em risco um paciente (ex: crise asmática) ou podem ser estimuladas ou agravadas
por um agente infeccioso (ex: infecção viral). A importância de fazer o diagnóstico diferencial (identificar patógenos causadores) se traduz em eficácia de tratamento, menor morbidade e mortalidade, diminuição da transmissão entre pessoas. Enfim, mais vidas são salvas.
No ano de 2019, foram notificados quase 40 mil casos de SRAG – o que, por si só, pode ser considerado uma subnotificação. Desses, 12,4% evoluíram para o óbito e em quase 80% não foi identificado o causador da infecção. Dos casos notificados, o grupo dos vírus influenza é a causa mais citada. Ele tem tratamento, que deve ser iniciado o mais rápido possível, uma vez que é registrada uma eficácia maior quando o recurso
terapêutico é iniciado até 48h após o início da doença.
Estamos perdendo pacientes para doenças que têm tratamento, desde que identificadas precocemente. Não é só uma gripezinha. Em 2019, foram mais de 40 mil casos notificados. Em cinco meses de 2020, o número de óbitos por SRAG – excetuando a Covid-19 – já é aproximadamente a soma de todos os casos de 2018 e 2019 completos juntos. Claramente é uma subnotificação.
“Mais uma vez, faz-se necessário a diagnóstico precoce das causas de SRAG ou de síndromes gripais.”
É possível fazer o diagnóstico diferencial e precoce
Hoje, com os avanços do diagnóstico molecular, é possível identificar, precocemente, um agente causador de infecção respiratória. Como na Covid-19, os outros agentes etiológicos, como influenza, adenovírus, etc., podem, em uma única amostra, serem diagnosticados em até quatro horas.
No mercado, já há kits comerciais capazes de realizar a identificação de até 21 agentes, chamados de “Identificação do Painel Respiratório”. É importante atentar que, quanto maior for o número de agentes identificado no painel, melhor a capacidade de diagnóstico.
Muito se pode acrescentar ao tratamento dessas patologias respiratórias, que ainda são responsáveis por 30% de mortes – isso em casos notificados. Em inúmeros casos, o tratamento antiviral mostra sucesso quando instituído em até 48h. Converse com o seu médico. Somente com a busca do agente etiológico é possível identificar a causa e definir o tratamento. Tempo é fundamental no tratamento.
É possível prevenir
Considerando as causas já discutidas acima, devemos nos manter aquecidos, hidratados e afastados dos casos identificados, além de realizar o programa de vacinação periodicamente, todos os anos. Mais uma vez, faz-se necessário o diagnóstico precoce das causas de SRAG ou de síndromes gripais. Assim, podemos intervir com tratamentos específicos para alcançar a cura e tratamentos de suporte, que evitam complicações e promovem controle epidemiológico de transmissões.
Procure seu médico ou serviço de saúde, informe-se sobre prevenções, programa de vacinação indicado, datas
e busque pelo diagnóstico rápido e preciso. Atenção especial deve ser considerada em pacientes de risco
(que possuem histórico de doenças pulmonares e diabetes, cardiopatas, idosos, crianças, etc). Mantenha-se aquecido!
Dr. Fernando Vinhal
Imunologista
*Coluna originalmente publicada na edição #237 da revista TOPVIEW.