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Eu e ELA: como minha filha me despertou para a sororidade

Elen Milek conta como o nascimento de sua filha a ensinou a ser mais autêntica e verdadeira

Como tratamos na matéria de capa “Mulheres no mundo: unam-se” da edição de dezembro, sororidade tem diversas dimensões – e pode ser percebida em vários tipos de relação entre mulheres. Uma delas é de mãe e filha, como no caso da especialista em liderança Elen Milek.

Confira na íntegra seu depoimento sobre como descobriu a sororidade.

“Sou mãe de dois filhos. Um adolescente de 15 anos e uma menina de 10. Ora, veja você: ao trocar a fralda do meu piá, a long time ago, com apenas 8 meses, durante uma brincadeira de criança, o bebê mexeu no “pipi”. Lindo e descobrindo o corpinho. A plateia em volta (sim, primeiro neto, primeiro filho e primeiro sobrinho: troca fralda com plateia) reagiu com entusiasmo: “isso mesmo”, “Que lindo pegar aí”, “Que macho, uau” (suspiros de orgulho dos nobres ao redor). Ao escutar aquilo, eu só agradecia o fato de o piá ter sobrevivido a mim por longos 8 meses e, além disso, nada a declarar.

O tempo passou e a cena repetiu-se. Agora a protagonista era a minha filha ManuELA e o roteiro era o mesmo: fralda, mãozinha na “perereca” e gente ao redor. Para o meu espanto, a reação não foi nem perto da anterior (“isso aí, Manu. Pega na pepeca e seja uma super mulher”). Aliás, foi o contrário. Veio um sonoro: “Tira a mão daí. Que feio para uma menina.”

“Ver minha filha livre e lutar com ela, pela liberdade de expressão dela, me ensinou a ser parceira das mulheres, encorajar mulheres e acolher as mulheres.”

Como eu já acreditava na minha capacidade de produzir filhos, pois o mais velho estava muito bem, obrigada, sobrou espaço no meu peito para sentir uma baita indignação. Aqueles 150 ml de indignação que não servem para matar ninguém, mas servem para mudar o mundo, pelo menos ao meu entorno.

Pensei na hora e com uma clareza jamais sentida antes: eu não vou ficar aqui parada, sem fazer nada, vendo a minha filha crescer em um mundo que a julga por colocar a mão na “perereca”. Lógico que, naquele momento, revivi algumas experiências da minha história, com frases como: “isso não é coisa de mulher”, “mulher não fala palavrão”, “desse jeito nenhum homem vai te querer”, “assim você vai ficar para titia”, “isso é roupa de biscate” e a que ouço até hoje: “cabelo comprido é coisa de adolescente.”

Chega! 

Eu não quero acreditar, aceitar ou ser cúmplice desse mundo. Minha filha vai crescer tendo voz, fazendo escolhas de acordo com seu gosto pessoal, cuidando das suas coisas, vestindo-se baseada nos seus próprios conceitos de moda e ter o cabelo conforme seus desejos. Eu lutarei com ela e por ela. Cada vez que eu a autorizava, eu também me autorizava a ser cada dia mais dona dos meus atos.

Logo nas primeiras horas de vida da minha filha, ao chegar no colo do pai, aquela bebezinha linda já conseguira um olhar de admiração daquele homem que, na nossa relação de quase 20 anos, eu nunca tinha visto. Sim, ela é a nova mulher da casa e me despertou a capacidade de ter empatia por ela e lutar com ela, pelos sonhos dela que definiram a mulher/menina em que ela se transformou 10 anos depois daquele olhar. Sem ciúmes ou rivalidade. Portanto: que reine a sororidade.

“Eu não quero acreditar, aceitar ou ser cúmplice desse mundo. Minha filha vai crescer tendo voz, fazendo escolhas de acordo com seu gosto pessoal, cuidando das suas coisas, vestindo-se baseada nos seus próprios conceitos de moda e ter o cabelo conforme seus desejos. Eu lutarei com ela e por ela. Cada vez que eu a autorizava, eu também me autorizava a ser cada dia mais dona dos meus atos.”

Não somos estimuladas a essa parceria entre mulheres. Sinto até arrepio quando ouço comentários como: “mulher se arruma para causar inveja nas outras mulheres”, “tapa na cara das inimigas”, “beijinho no ombro que o recalque passa longe”, “juntou mulher, dá confusão.”

Enfim, uma enxurrada de comentários que moldam crenças e comportamentos. Vejo muitas colegas com o piloto automático ligado, repetindo barbáries sem entender a dor e a solidão da mulher que não se sente pertencente ao grupo no qual está inserida.

eu e ela
Foto: Eva Ramos.

Entender  o diferente

Ter um filho me ensinou sobre o respeito ao diferente, à energia masculina, aos medos de um menino e às incertezas que passam na cabeça daquele que, em breve, será um homem adulto.

Ter uma filha me ensinou sobre ter empatia por uma mulher, fazer contato com a minha fragilidade, permitir-me ter medo e ser imperfeita. Ver minha filha livre e lutar com ela, pela liberdade de expressão dela, me ensinou a ser parceira das mulheres, encorajar mulheres e acolher as mulheres.

O nascimento da minha filha e a nossa parceria me trouxe a certeza que a liberdade de expressão é um direito. Vê-la livre e amada por tanta gente me encorajava a ser cada vez mais autêntica e acreditar que eu poderia ser aceita do jeito que eu sou.

Esse movimento foi tão incrível e inspirador que transbordou das nossas almas de mãe, mulher, menina-moça, e atingiu outras mulheres em um movimento lindo e disruptivo. Do nosso amor de mulher nasceu o ELA: uma experiência que colabora para o desenvolvimento pessoal para mulheres empreendedoras. Não era mais dar voz à minha ManuELA e, sim, a muitas ELAs por aí. A experiência ELA continua me autorizando a criar o meu jeito autoral de viver e potencializando outras Manuelas a colocarem a mão onde bem entenderem.

Aprendi sobre a importância da aliança entre mulheres, baseada na empatia e no companheirismo, na busca de alcançar objetivos em comum. Sororidade. Obrigada, filha.”

Conheça Elen Milek

Elen é psicodramatista e professora de Educação Física graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 2018, depois de 20 anos de carreira atendendo mais de seis mil mulheres, criou o Instituto Eos, em que desenvolve a  Experiência ELA – Empreendedorismo, Liderança e Autonomia Feminina, programa de desenvolvimento pessoal para mulheres de negócios.

Conteúdos de sororidade para consumir com crianças

Por Elen Milek

Sororidade

 

Malévola. Copyright 2019 Disney Enterprises.

Tem dois filmes que fizeram muito sentido na relação entre eu e minha filha: Malévola e Enrolados. Elas têm um tipo de amor entre mãe e filha que a gente consegue ter conversas muito legais.

Por Maria Isabel Miqueletto

Sororidade

 

Para educar crianças feministas (Chimamanda Ngozi Adichie)

Chimamanda propõe reflexões simples para promover uma sociedade mais igualitária para homens e mulheres começando pelas crianças. 

Sororidade

 

Mulheres na luta: 150 anos em busca de liberdade, igualdade e sororidade (Kristin Lie Garrubo e Marta Breen)

Neste livro em quadrinhos, as autoras mostram, de forma simples e didática, os momentos mais importantes do movimento de luta das mulheres.

*Matéria originalmente publicada na edição 231 da revista TOPVIEW.

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