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População em situação de rua: qual é a melhor forma de ajudá-la?

A convite da embaixadora Luciana Almeida, o psiquiatra Mauricio Ehlke propõe uma reflexão sobre a população em situação de rua

Por Mauricio Ehlke

Quase todos nós fomos assustados por nossos pais pelo Homem do Saco: se você ficar longe da mamãe, o Homem do Saco te leva embora; se você não se comportar, vou chamar o Homem do Saco – e por aí vai.

O Homem do Saco é invariavelmente um homem sujo, com barba por fazer, roupas rasgadas, que carrega sacolas com seus pertences. Ele vaga por todas as cidades do mundo e habita o nosso imaginário desde a infância como a representação do que é mais indesejável na vida: tornar-se como ele.

Sem família, sem destino, sem rumo, sem prumo. Quando nossos pais nos assustam com a imagem do andarilho, na verdade, eles estão nos dizendo como devemos ser ou nos comportar para não sermos como ele é.

“O IBGE estima que 0,6 a 1% da população brasileira mora na rua e, em Curitiba, acredita-se que essa população seja de 2.369 pessoas.”

Os homens do saco estão presentes em muitas culturas, especialmente nas culturas ocidentais e capitalistas, que funcionam pelas regras da exclusão dos diferentes. O IBGE estima que 0,6 a 1% da população brasileira mora na rua e, em Curitiba, acredita-se que essa população seja de 2.369 pessoas.

Estudos mostram que, quanto maior a desigualdade social e mais frágil o sistema de saúde e de assistência, maior o número de pessoas em situação de risco social. Moradores de rua são aqueles que não pertencem a uma comunidade ou família, na grande maioria dos casos são portadores de transtornos mentais e, muitas vezes, inofensivos às crianças.

São eles dependentes químicos, esquizofrênicos e portadores de transtornos de personalidade abandonados pelas famílias e vivendo seus delírios nas ruas, a mercê do frio, da fome, da falta de higiene, da intolerância e da violência.

Ninguém mora na rua sujo, faminto e vulnerável porque quer ou porque é “vagabundo”, como argumentam alguns cidadãos. Morar na rua é apenas uma das inúmeras consequências do estado mental desses indivíduos.

Os transtornos mentais que acometem essa população causam conflitos familiares e prejuízos sociais graves, além de estarem relacionados a uma maior vulnerabilidade a outras doenças graves, como HIV, hepatites, tuberculose, sífilis, gripe e desnutrição.

As políticas públicas voltadas aos moradores em situação de rua que se resumem a oferecer suprimentos e acomodação para atender às demandas básicas de sobrevivência não surtem muito efeito. Ao não receber o tratamento adequado para suas condições mentais, os moradores de rua permanecem excluídos do sistema social, com prejuízos notados em apenas um olhar.

A população em situação de rua necessita de políticas de saúde voltadas às suas demandas, prioritariamente no âmbito da saúde mental, pois, quando essa condição é negligenciada, traz prejuízo aos esforços da assistência social.

Em outras palavras, a reinserção à sociedade depende do sucesso do tratamento das condições de saúde mental. Ainda, em muito precisamos melhorar enquanto sociedade.

Desviar o olhar a um morador de rua não faz com que ele não exista, incitar o medo do Homem do Saco nas crianças não as protege de uma doença mental em seu futuro e culpabilizá-los por seu infortúnio não diminui a culpa da sociedade em mantê-los marginalizados.

Em tempos de tantos retrocessos sociais, precisamos nos lembrar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, dotados de razão e consciência e devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

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