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O retorno à natureza

Ela nunca saiu, de fato, de nós, mas alguns elementos nos dividiram em dois extremos

Feche os olhos e imagine uma floresta cheia de árvores diferentes, um riacho passando no meio da mata e o canto dos pássaros junto ao fluxo de uma cachoeira. Qual é a sensação que essa cena te traz? Comumente as respostas são relacionadas à tranquilidade. Mas, numa vida em sociedade cada vez mais veloz e urbana, nem sempre existe tempo – ou atenção – para viver esse tipo de momento.

É nesse contexto, depois de anos de urbanização crescente e afastamento da terra, que nasce um movimento de retorno à ela. “Há essa volta dos valores humanísticos, relacionados a padrões naturalísticos. Isso é cíclico, há momentos da história em que os homens abandonam a natureza e depois voltam a ter relação – agora estamos em uma fase de revalorização”, observa Letícia Hardt, arquiteta, urbanista e especialista em arquitetura da paisagem.

Esse movimento da busca por uma reconexão com a natureza é percebido em diversas manifestações. Seja em trazer plantas para dentro de casa, ter ações sustentá-veis ou até buscar meios espirituais para se aproximar da terra. “Temos essa recolocação do homem diante dos recursos naturais, que vai para um universo muito grande, em ter um respeito e entendimento maior. O homem também é um animal, faz parte da natureza”, analisa Hardt, que também é doutora em engenharia florestal na área de conservação da natureza.

É a biofilia sendo reincorporada na vida cotidiana – até mesmo longe da floresta. O termo significa, ao pé da letra, “amor à vida” e foi proposto pelo filósofo alemão Erich Fromm no final dos anos 1960, época em que os impactos ambien-tais começaram a ser marcantes. Mas foi o biólogo estadunidense Edward Osborne Wilson que o popularizou, ao lançar a obra Biophilia (1984). Para ele, os seres humanos têm uma ligação emocional inata com outros organismos vivos e com a natureza. Em sua teoria, essa ligação está em nossos genes e se tornou hereditária.

A teoria de Wilson é contestada por muitos, mas a proximidade do ser hu-mano com a natureza, não. A evolução da nossa espécie, por exemplo, desde os primeiros habitantes, que viveram há cerca de 2,4 a 1,5 milhões de anos, está relacionada à biogeografia dos ambientes em que cresceram. A natureza sempre teve grande influência, e, mesmo em espaços urbanos, continua presente, mas de outras formas. “Tanto a arquitetura quanto a paisagem, por exemplo, são sem-pre feitas sob recursos naturais. Luz solar, ar, água da chuva, a casa está assentada sobre a terra… A cidade, a princípio, já tem uma conexão com a natureza, quer se queira ou não”, exemplifica Hardt

Aprender sobre com a natureza

Edward O. Wilson, que popularizou o termo “biofilia”, defende que a nova eco-nomia não será baseada em computadores, mas na utilização de informações obtidas das variadas espécies que povoam o plane-ta. Essa é, na verdade, a premissa básica da biomimética, área da ciência que estuda as estruturas biológicas da natureza para utilizar esse conhecimento em estratégias e soluções de diferentes setores.

A partir dessa perspectiva, deixamos de aprender apenas sobre a natureza e passamos a aprender com ela. “O processo industrial nos afastou desse movimento, mas sempre foi muito natural aprender com a natureza. Quando nos colocamos num patamar de superioridade em relação a outras formas de vida, a gente se desconecta e para de entender que existe muita sabedoria na natureza e que ela faz coisas sofisticadas para sobreviver”, constata Alessandra Araújo, bióloga, professora e especialista em biomimética. “Não vamos para a natureza só para obter matéria-prima para indústrias, essa é uma visão mecanicista. A biomimética vai obter conhecimento e não coisas.”

A biomimética estuda a essência da natureza e inova por meio do biomimetical thinking, um primo da metodologia design thinking. “Ao invés de fazer um pro-cesso empático com as pessoas, fazemos um processo bioempático, consultamos a natureza para ver como ela resolve os problemas. Isso ajuda muito o ser humano a se tornar mais criativo e afiar mais a sua intuição”, conta Araújo. Esse conhecimento pode ser aplicado em todas as áreas, de tecnologias digitais a formas de captação de água, entre tantas outras.

A Furf está trabalhando em um projeto com uso do Micélio, parte de um fungo, que está sendo testado pela Nasa para construir casas em Marte.

Isso sustenta, também, o mercado da chamada bioinovação e bioeconomia, que pensa em soluções sustentáveis e inovadoras utilizando recursos biológicos renová-veis. Alessandra percebe a chegada de uma “biorevolução”, em que todos precisarão rever a maneira como produzem. “É uma tendência sem fim. Considerando o custo ambiental, não faz mais sentido. A própria evolução dos processos leva ao uso mais inteligente, de um olhar sistêmico, não mercadológico, das matérias”, afirma.

“A nova economia não será baseada em computadores, mas na utilização de informações obtidas das variadas espécies que povoam o planeta”

É essa a maior fonte de inspiração e conhecimento dos designers Maurício Noronha e Rodrigo Brenner, da premiada Furf Design Studio. “Quanto mais a gente descobre a natureza, mais vemos que ela é inteligentís-sima, muito mais inteligente que nós, só que a gente é criativo. Então quando conseguimos unir a criatividade humana com a inteligência da natureza, criamos uma coisa épica. Uma coisa realmente humana, que traz o melhor da humanidade”, resume Rodrigo.

Coleção Raízes (Foto: Antonio Wolff)

A Furf já tem um “ecossistema” de produtos que es-tão ligados com a natureza. O último deles é a Coleção Raízes, que traz para dentro de casa árvores simbólicas montadas com cordas e chapas. Parte do lucro da coleção será destinada ao plantio de mudas de árvores nativas. A coleção Outono também coloca a natureza para mais perto: foi a primeira feita com biotecido de folha.

O ensinamento mais recente que aprenderam nas “salas de aula” da natureza foi a respeito do micélio, que é parte de um fungo e está sendo testado pela Nasa como material para construir casas em Marte. “Quando se fala em trazer a natureza para mais perto, paramos para pensar que a gente é a natureza. Então, quando a gente se aproxima dela, de certa forma estamos nos aproximando da nossa própria essência. Por isso faz muito sentido a gente ficar cercado disso, porque ficamos mais perto de quem a gente é”, reflete Maurício.

“Quando a gente se aproxima dela [da natureza], de certa forma estamos nos aproximando da nossa própria essência. Por isso faz muito sentido a gente ficar cercado disso, porque ficamos mais perto de quem a gente é”

 

Confira aqui a matéria completa: 
A (in)sustentável leveza do ser
Natureza: uma volta para casa
Cidades biofílicas e a natureza em contexto urbano
Da terra para o prato: a alimentação wellness

*Matéria originalmente publicada na edição 234 da revista TOPVIEW.

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