Tempero feminino
Na gastronomia, como em outras áreas, parece que não sobra muito espaço para as mulheres, mesmo com exemplos de profissionais bem-sucedidas por todo o lado. Jogar o olhar sobre o trabalho feminino foi um dos motivos que levou a jornalista francesa Maria Canabal a criar o Parabere Forum, que aconteceu em Bari (Itália) em março, pela segunda vez. Com uma história mais instigante e emocionante do que a outra e debates importantes sobre como vencer barreiras de produção, melhores práticas para negócios gastronômicos e até a questão dos refugiados na Europa, o evento reuniu 300 pessoas de 26 países.
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ROBERTA SUDBRACK (BRASIL)
Responsável por apresentar aos palestrantes ingredientes brasileiros, preparando-os em um elogiado jantar na abertura do fórum, Roberta Sudbrack também foi palestrante do evento em 2015. Tucupi na mala, entre outros produtos, ela levou o público a uma viagem pelos sabores do nosso país. A premiada chef carioca foi uma das primeiras a fazer parceria com produtores locais e mostrar a importância de valorizar quem planta.
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TERESA CORÇÃO (BRASIL)
Contou sobre o seu trabalho iniciado quando, mesmo estando no mercado da gastronomia há muito tempo, constatou que não conhecia diversos ingredientes consumidos em seu próprio país, como a mandioca e suas propriedades. A partir daí, Teresa criou um grupo de “ecochefs”, o Instituto Maniva, para difundir o produto. Além disso, produziu documentários, organizou um circuito de feiras orgânicas, aproximou-se dos agricultores e difundiu técnicas. Um trabalho consistente a ser reproduzido.
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BRITT-MARIE STEGS (SUÉCIA)
Queria evitar que os animais sofressem com o transporte para o frigorífico e que tivessem um tratamento mais ético. Resolveu o problema, implantando na sua fazenda na Suécia um sistema que permite que o gado, criado solto, sem antibióticos, seja abatido na propriedade. Quer que o poder volte ao produtor e pretende expandir suas ideias para outros países. Sabe que é preciso educar o consumidor para diminuir o impacto ambiental.
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SUSANNE HOVMAND-SIMONSEN (DINAMARCA)
Quando pensamos na Dinamarca, é difícil imaginar problemas, mas o caminho da fazendeira Susanne Hovmand-Simonsen não foi fácil. Quando assumiu os negócios da família, os fazendeiros viram os preços dos seus produtos despencarem, a industrialização tomar conta de tudo e a qualidade dos produtos ir para o ralo. Ao invés de associar-se às grandes empresas ou vender a propriedade, tomou o caminho inverso e hoje colhe os frutos da arriscada decisão. “Acreditei que era possível inovar.”
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VANDANA SHIVA (ÍNDIA)
Essa ativista indiana fundou um movimento para promover as sementes nativas. “As sementes geneticamente modificadas são ruins para o clima, para a saúde, para os produtores e para a economia”, bradou. Ela segue inspirando e conscientizando sobre a importância da preservação para não prejudicar a biodiversidade, e de evitar o consumismo exagerado para um mundo mais justo.
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TRINE HAHNEMANN (DINAMARCA)
Queria ser escritora, mas gostava de cozinhar. Hoje, comanda oito cantinas e consegue servir refeições com produtos orgânicos para três mil pessoas por dia. Seu manifesto, um “mantra” entre os funcionários, é “cozinhar por amor”.
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ZOUBIDA CHARROUF (MARROCOS)
Essa pesquisadora mudou a situação econômica do Marrocos ao pesquisar e estudar as propriedades químicas de uma planta, as formas de extração e apresentação do óleo de argan, valorizando e deixando o produto mais atrativo e divulgando seus benefícios no mundo, além de organizar as produtoras. Hoje, o país tem 300 cooperativas e cinco mil mulheres envolvidas. O valor da planta disparou no mercado internacional.
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BARBARA LYNCH (ESTADOS UNIDOS)
Foi atrás de um sonho: queria estudar. Acabou na cozinha. Última dos nove filhos de uma família pobre, cujo pai faleceu um mês após o seu nascimento, superou as dificuldades financeiras, abriu seu próprio restaurante há oito anos e hoje tem uma rede em Boston. Criativa, aprendeu a empreender. Foi pioneira sem saber que era.
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DOMINIQUE LOISEAU (FRANÇA)
Viúva do chef francês Bernard Loiseau, famoso por não usar creme de leite em molhos e só três ingredientes numa receita, Dominique viu seu mundo desabar quando o marido se suicidou, depois de alcançar a sonhada terceira estrela do Michelin. Mesmo com três filhos pequenos e sem experiência, ela não só manteve a premiação do restaurante como abriu um hotel e outra casa igualmente premiada.
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DOMINIQUE CRENN (FRANÇA/EUA)
A primeira mulher a obter as sonhadas estrelas Michelin nos Estados Unidos, Dominique ainda carrega o título de Melhor Chef Mulher do Mundo pela revista Restaurant. Ela acreditou nas palavras do seu pai adotivo de que seria capaz de fazer qualquer coisa que quisesse. Sua receita é escutar as pessoas, saber onde se quer chegar, ser determinado, inspirar os colaboradores e ter paixão pelo que faz. “Fracasso dá experiência, não precisamos temê-lo. Sucesso pode ser um limite”, ensina.
A Marquesa de Parabere
A inspiração para o nome do fórum vem de María Mestayer Jacquet de Echagüe, a Marquesa de Parabere. Filha de diplomata francês e nascida na Espanha, desempenhou um importante papel na gastronomia no começo do século. Autora de vários artigos em jornais e de livros, lançou em 1933 A Cozinha Completa, obra que é referência até hoje. O Parabere Forum, cuja primeira edição aconteceu em 2015 em Bilbao (Espanha), funciona por meio de um comitê formado por representantes de vários países. “Vamos pessoalmente as regiões conhecer o que faz cada uma das indicadas”, conta Maria Canabal, presidente do fórum. “A ideia é ir atrás das pessoas que não aparecem. Queremos aprender com elas, conhecer de perto a sua terra, saber quem são e mostrar o potencial”, explica Maria. “Redefinindo a sustentabilidade” é o tema mais do que apropriado para a próxima edição, prevista para 6 e 7 de março de 2017. A cidade ainda não foi definida. Acostumada a frequentar os principais eventos de gastronomia, como profissional especializada que é, Maria Canabal afirma que não ter um equilíbrio entre o número de participantes de cada sexo nos eventos sempre a incomodou. “Parece que existe um clube só de homens. Precisamos criar consciência sobre o papel feminino na gastronomia.”
*Matéria publicada originalmente por Jussara Voss na edição 189 da revista TOPVIEW.