Sem lenço e sem app, mas com documentos
Acordei pouco antes das sete da manhã no hotel Savona, no centro de Alba. Peguei meu mapa dentro da bagagem e fui tomar um
café enquanto a Julia continuava dormindo. Era nosso primeiro dia de lua de mel, maio de 2018. Nosso plano: cruzar a Itália de moto de Norte a Sul. Entrei no Caffe Umberto, pedi um croissant e um espresso. Abri meu mapa sobre a mesa e comecei a estudar as rotas do dia: iríamos pegar a estrada ainda naquela manhã. Se tem um estilo de viagem que me fascina são as viagens longas, por estrada, sem reservas antecipadas. Para mim, basta ter um ponto de partida e um ponto de chegada, o resto é o acaso. Adoro o acaso.
Esse texto deve fazer referência a viagens e tecnologias. Vejam só.
“Eu estava com meu mapa de papel aberto sobre a mesa de um café minutos antes de pegar a estrada, em nosso primeiro dia de lua de mel, sem reservas prévias em hotéis nem restaurantes, e sem digitar o próximo destino no meu GPS.”
Em um primeiro momento, eu pensei: “será que me tornei uma pessoa antiquada, que não se adapta às inovações?” Mas não. Até porque, quando estou na minha cidade, eu lanço mão do meu GPS para chegar mais rápido a algum lugar, uso aplicativos que medem as distâncias dos meus treinos de bicicleta e, no meu restaurante, oferecemos cardápios digitais para nossos clientes. A questão aqui é outra: é o estilo da viagem.
Nosso destino no primeiro dia era parar em algum lugar entre Portofino e La Spezia, uns 400 km de Alba. Quando escrevi o destino (La Spezia) em meu GPS, ele me ofereceu duas rotas: a mais curta em distância e a mais curta em tempo. Ambas ofereciam autopistas durante a maior parte do trajeto. Eu não queria viajar por autopistas: eu estava de moto, em lua de mel, com a intenção romântica de desvendar cada pedacinho da Itália, as estradas costeiras, os vilarejos, as florestas e as montanhas. Nenhuma autopista nos entregaria o que a gente queria. Queríamos literalmente nos perder e nos encontrar. Já passava das dez quando carregamos a moto e demos partida. Seguimos para o Sul, guiados por meu mapa e pelas placas das estradas secundárias.
Viajamos pela região de Barolo, descemos as montanhas da Ligúria por meio da plantação de oliveiras, almoçamos em uma pequena cantina no porto velho de Gênova. Pausa. Não descobrimos esse restaurante histórico em buscas no Tripadvisor, mas, sim, através de um amigo, que passou a dica: “você precisa conhecer a Osteria del Vico Palla.” De novo, escapamos da tecnologia convencional. Seguimos pelas estradas mediterrâneas com vista para o mar na região de Cinque Terre. Paramos a moto para um café e ousamos um mergulho no mar, coisa rápida e improvisada no balneário de Portovenere. Seguimos. Já anoitecia quando chegamos a Sestri Levante. Paramos a moto em frente a um pequeno hotel.
Sem recorrer ao Booking, perguntamos o preço da diária direto no lobby, como antigamente. Tinha vaga, entramos. Depois de um bom banho, perguntamos na recepção qual seria o melhor restaurante para jantar naquela pequena cidade. “Vocês têm que ir ao hotel Helvetia”, disse o recepcionista. Pausa. Aqui, de novo, abrimos mão de aplicativos de buscas. O cara disse: “vinte minutinhos a pé, vocês chegam lá”. Cruzamos o centro velho da cidade com cadeiras de bares e restaurantes espalhadas pela calçada até dar de frente para uma baía cercada por lindas construções antigas, coloridas em terracota, e barquinhos de pescadores balançando sobre a água. Lá na ponta, imponente sobre a rocha sul da baía, avistamos um hotel branco: era o Helvetia. Tiramos os sapatos, caminhamos pela areia fofa e molhamos os pés na água. Escolhemos uma mesa em área aberta “com vista para o horizonte” e com as luzes de Sestri Levante refletindo até se perder no infinito. Entrada, prato principal e sobremesa. Um vinho. Outro vinho.
Já era madrugada quando nos perdemos no caminho de volta para o hotel. Alguém passava e pedimos orientações. Chegamos bem. Seguimos viagem. Sem tecnologia.
ÁLBUM DE VIAGEM PELA ITÁLIA
* Coluna originalmente publicada na edição #250 da revista TOPVIEW.