Tempo de despertar
Vista como um dos marcos na história, a Revolução Industrial mudou totalmente a forma como as pessoas viviam suas vidas. Na segunda metade do século XVIII, houve um grande desenvolvimento tecnológico na Inglaterra. Isso resultou no surgimento da indústria e fixou o processo de formação do capitalismo.
“Começamos a nos preocupar com a qualidade de vida porque ela vinha sendo ruim desde a Revolução Industrial”, analisa o antropólogo e professor do curso de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Leonardo Campoy.
No entanto, conforme ele aponta, esse novo sistema refletiu na qualidade de vida da sociedade, resultando em dois principais problemas – para ela e para o mundo. “Por conta do surgimento da indústria, tivemos um grande problema de poluição e descaso com o meio ambiente. Outro é a exploração do trabalho: as pessoas trabalham cada vez mais e de maneira mais intensa”, indica.
O professor explica que esses problemas surgiram porque o objetivo da nova indústria é a produção em massa, para
muitas pessoas e de forma rápida. “Nós demoramos para entender o quanto isso poderia ser nocivo”, diz Campoy.
Há, no entanto, outro resultado dessa mudança: o consumismo. Relacionado à compra excessiva, o consumismo é
um dos grandes problemas da sociedade atual. O assunto é, inclusive, fortemente discutido por sociólogos, como o polonês Zygmunt Bauman.
Definindo o momento atual como “Modernidade Líquida”, o escritor aborda como a sociedade atual mistura o “ser” com “ter” em seu livro Vida para Consumo. “Resumidamente, ele diz que buscamos a felicidade por meio do con-
sumo. No entanto, isso nunca é realizado, porque o objetivo não é adquirir. É o ato de consumir”, lembra Leonardo.
O segredo para o equilíbrio
Apesar dos efeitos aparentemente irreversíveis desses problemas causados pela produção em massa, há quem consiga equilibrar a realidade do mundo moderno com uma boa qualidade de vida.
Desde muito nova, a empresária Anna Chesi aprendeu com a sua mãe o que era, de fato, necessário. “Minha mãe nasceu durante o período de guerra. Mesmo morando no Brasil, ela foi impactada [por esse momento] de alguma forma. Havia muito racionamento na época e, conforme fui crescendo, esse costume prevaleceu na minha casa”, relembra Anna.
Em um primeiro momento, ela não levou, totalmente, os costumes da mãe para sua nova família. Porém, com o
tempo, entendeu a importância do consumo consciente. “Quando viramos mães, entendemos melhor nossos pais.
Por isso, passei a entender que é muito mais fácil não ter coisas [desnecessárias]”, afirma a empresária.
A mudança, porém, não veio de algo planejado. Anna passou quatro anos sem comprar uma peça de roupa porque,
inconscientemente, já fazia escolhas por itens duráveis e que tivessem conexão com ela – para que não se tornassem
descartáveis. “Eu acredito que, quando temos boas escolhas na hora da compra, essa roupa é eterna – a não ser que ela fure ou estrague. Eu sempre gostei de investir em uma peça que eu pudesse ter por muitos anos, que não fosse datada”, conta.
Foi então que a empresária percebeu que essa era uma mudança de hábito importante e que deixar de consumir,
quando se faz boas escolhas, não é algo prejudicial para sua vida ou a dos outros. “Acho que as pessoas confundem o querer com necessidade. Quanto mais coisas você tem, mais preocupações você tem – e isso te consome. Então, eu preciso me desfazer de um guarda-roupa inteiro? Não. Se tem coisas de que você goste que estão boas, tire somente aquilo que não faz sentido para sua vida”, sugere.
Não consumo é, também, resultado de qualidade de vida
Deixar de adquirir coisas é se desprender do excesso e focar o que é importante. Nas necessidades reais e nas conexões – consigo e com os outros. “Eu acho que as pessoas têm medo de se conectar com elas mesmas. Às vezes, elas estão preenchendo um vazio com esses hábitos”, completa Anna.
Ela aponta que um dos problemas é encontrar até onde vai o “ter”. “Muitas pessoas estão buscando cada vez mais e não encontram um limite. Eu cheguei em um momento em que percebi que já conquistei tudo o que eu queria. Cheguei no meu limite e agora é como se estivesse voltando. E, claro, é importante falar que ele está dentro de
cada pessoa. Antes de tudo, ela precisa entender o que a satisfaz”, finaliza a empresária.
Para o sociólogo, esse é um movimento tímido, mas que vem aparecendo com certa frequência. “Esse movimento
me parece um pouco tímido. Há muitas pessoas, ainda, que têm a necessidade de consumir. No entanto, muitas que
têm poder de compra já estão fazendo esse movimento e deixando de consumir tanto”, conclui Leonardo.
*Matéria originalmente publicada na edição #270 da revista TOPVIEW.