Se essa praça fosse minha…
Um pontinho colorido no cinzento centro de Curitiba atrai olhares curiosos de quem passa pelas ruas São Francisco e Presidente Faria. Com inauguração programada para dia 22, Dia Mundial sem Carro, a Praça de Bolso do Ciclista não chama atenção apenas pelos desenhos divertidos. Um detalhe ainda mais vivo se destaca: as dezenas de pessoas “comuns” que trabalham todos os fins de semana para construí-la.
Com trabalho voluntário da comunidade, infraestrutura cedida pela prefeitura e o apoio do comércio local, a iniciativa consolida um novo formato de relação entre sociedade e poder público: a de parceria.
O espaço foi cedido pela Prefeitura Municipal de Curitiba; os materiais, equipamentos e ferramentas vieram da Secretaria Municipal de Obras Públicas; as mudas e plantas, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, e coube à Secretaria Municipal de Trânsito fechar a Rua São Francisco aos sábados e domingos para que o grupo de homens e mulheres – todos voluntários – pudesse transformar o antigo terreno abandonado em uma grande sala de estar pública. Um local para promover oficinas, shows, feiras e apresentações na Rua São Francisco.
A iniciativa da Ciclo Iguaçu (Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu) surgiu há cerca de dois anos. Como a sede da associação fica em frente ao terreno, dentro da Bicicletaria Cultural, o grupo planejava um ambiente voltado ao ciclista, para potencializar o grande ponto de encontro de cicloativistas que já funcionava no local.
Segundo Antônio Miranda, coordenador de ciclomobilidade do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), a ideia foi vista com bons olhos pelo órgão municipal, que logo deu início às primeiras conversas sobre a construção da praça.
Desse primeiro encontro até o efetivo início das obras, porém, houve um hiato de mais de um ano, que só foi quebrado após o 3º Fórum Mundial da Bicicleta, realizado em fevereiro deste ano em Curitiba. O evento trouxe a ativista e artista plástica Mona Caron, que além de conduzir uma das palestras mais aguardadas do evento, presenteou os curitibanos com uma grande tulipa amarela, pintada no local onde hoje está a praça.
“O discurso poético da flor polinizando a cidade com uma bicicleta foi um grande incentivo para a retomada do projeto”, conta Gabriel Gallarza, arquiteto associado à Ciclo Iguaçu e um dos responsáveis pelo projeto da praça.
Quando o Fórum terminou, o Ippuc procurou a associação e apresentou o projeto preliminar que havia desenvolvido. “De cara já gostamos muito, pois contemplava o paraciclo (suporte onde a bicicleta é presa), a preservação de um muro histórico e paisagismo”, explica Gallarza. No entanto, durante as reuniões, foram orientados de que, por se tratar de ano eleitoral e de Copa do Mundo, seria muito difícil o projeto sair do papel em 2014. Foi quando sugeriram construí-la por meio de mutirões.
A ideia original previa dez fins de semana de trabalho, sendo o primeiro em maio. Quatro meses depois, o grupo já caminhava para o 14º mutirão. Concluídos os trabalhos, o desafio será manter vivo esse ponto de encontro e interação cultural. Gallarza acredita que, assim como as batalhas no cicloativismo são constantes, a praça também estará em constante transformação.
Ocupação cidadã
A praça é nossa? Para Gilda Amaral Cassilha, arquiteta e professora de Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a população, de forma organizada, tem sim o direito de intervir em decisões cujo interesse coletivo se sobreponha ao individual.
Mas ela ressalta que os espaços públicos são propriedade da cidade e devem ser gerenciados e cuidados pelo poder público, por isso, é importante que a Prefeitura Municipal seja sempre consultada, como fez a Ciclo Iguaçu.
No caso da praça, a relação entre prefeitura e comunidade será de ganha-ganha. Além de um novo ponto de encontro e convivência na cidade, a região pode ganhar mais segurança com essa nova ocupação cidadã. “As pessoas não frequentam as ruas à noite pela falta de segurança, mas não percebem que deixando de frequentá-las estão dando margem para a criminalidade agir”, diz Gallarza, da Ciclo Iguaçu.
Paralelo a isso, o comércio local terá mais estímulos para estender o horário de funcionamento de bares e restaurantes, o que deve impactar na valorização da região.
Segundo Miranda, do Ippuc, enquanto houver esse interesse da comunidade, as pessoas tendem a respeitar e preservar mais o que foi construído pela comunidade, refletindo um sentimento novo: o de pertencimento e apropriação do espaço público. “O que é meu eu não destruo, não é?”, questiona Gallarza.
Bons vizinhos
De acordo com Miranda, esse novo sentimento ajuda a construir uma cidade menos excludente e com maior sentido de vizinhança. E para Gallarza, ações neste formato só dão certo quando há um engajamento íntimo dessa vizinhança, “até porque o mutirão é só uma etapa”, lembra. Depois de concluída, a praça vai depender da atenção e do cuidado da comunidade.
O Ippuc não possui um levantamento sobre a quantidade de espaços públicos desocupados que poderiam receber uma nova praça, mas Gallarza acredita que vale a pena criar um inventário sobre isso. “Aí entra o nosso dever, enquanto cidadão, de cobrar”, afirma. Ainda assim, já existem conversas dentro da Ciclo Iguaçu para replicar o modelo da Praça de Bolso do Ciclista a outros bairros.
SERVIÇO
Praça de Bolso do Ciclista
Esquina das ruas São Francisco e Presidente Faria, Centro
às 18h, os ciclistas se reúnem na praça. Caso o local não comporte o número de presentes, o grupo vai para a Praça Santos Andrade. De lá sai para percorrer a Cândido de Abreu.