Os hábitos machistas em cada um de nós
Imagine que você é uma escritora conceituada, com seis ou sete livros publicados, participando de uma festa com pessoas importantes, na casa de um homem muito importante. Em determinado momento, o Sr. Muito Importante a chama para conversar e pergunta sobre o que é um de seus livros. No momento em que você começa a contar, ele te interrompe bruscamente para perguntar se você leu um outro livro. Sem te dar a menor chance de responder, o Sr. Muito Importante passa a falar e falar com presunção sobre esse livro, sem se dar conta, por longos minutos, de que você é a autora.
A gafe é contada pela jornalista e historiadora Rebecca Solnit nas primeiras páginas do livro Os Homens Explicam Tudo Para Mim (Editora Cultrix). O episódio ilustra o termo mansplaining, usado em situações em que os homens explicam às mulheres coisas que elas já sabem, assumindo que são superiores simplesmente por serem do sexo masculino. Solnit aponta essa e outras síndromes como algo que as mulheres enfrentam todos os dias, fruto de um processo socializado e que pode ter consequências mais ou menos extremas, dependendo do contexto cultural de cada país. Mas como identificar esses comportamentos tão incorporados na sociedade?
Hábitos diários
31% dos homens brasileiros dizem querer mudar posturas machistas, mas não sabem como, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva de 2016. Para a psicóloga e psicanalista Carla Regina Françoia, professora nos cursos de Psicologia e Medicina da PUC-PR, o machismo está presente na piada, na desconsideração, no ato de considerar a mulher como um objeto.
“Eles não o fazem porque são perversos e cruéis, mas porque são criados assim; são induzidos a isso por anos sem questionar essa posição”, afirma Carla. “O machismo está em todas as relações e muitos homens de fato não sabem o que é ser machista”, reforça a psicanalista. Segundo ela, a própria psicanálise, ao nascer, veio como herdeira de um forte discurso patriarcal, mas hoje em dia essas questões devem ser relativizadas, assim como muitos dos nossos hábitos diários – heranças de convenções sociais – precisam ser questionados e mudados.
No caso dos homens, são atitudes como o assédio (moral e sexual), o mansplaining, manterrupting (ato de interromper uma mulher sempre que ela está falando), gaslighting (abuso psicológico no qual informações são distorcidas para favorecer o abusador ou com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória e sanidade), bropriating (quando um homem apropria-se de uma ideia de uma mulher e leva os créditos por ela).
Todos esses atos geram consequências. No mercado de trabalho, por exemplo, a disparidade salarial gritante entre gêneros causa impacto direto na economia, como apontam os dados da pesquisa “Desigualdade de Gênero”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão. Segundo a pesquisa, se o salário feminino se equiparasse ao masculino, R$ 461 bilhões seriam acrescidos à economia do Brasil.
A economista Raquel Guimarães, professora da UFPR e pesquisadora na área de Economia de Gênero, aponta que esse hiato salarial entre homens e mulheres acaba fazendo com que elas, muitas vezes, deixem de participar da força de trabalho. “A desigualdade salarial de gênero no mercado de trabalho tem provocado uma grande comoção entre os economistas de uns 10 anos para cá, puxada principalmente por organizações internacionais como a ONU e o Banco Mundial, e, de fato, em todo o mundo (mesmo em países mais avançados nas questões de igualdade de gênero), existe essa diferença salarial entre homens e mulheres”, afirma ela.
Em pequena ou grande escala, todos nós acabamos perdendo com a perpetuação de atitudes que inferiorizam o papel social e econômico da mulher. Está na hora de mudar.
Caso Harvey Weinstein e a campanha #MeToo
Veículos da mídia norte-americana, como a revista New Yorker e o jornal The New York Times, fizeram investigações acerca de uma série de denúncias de assédio sexual contra o produtor hollywoodiano Harvey Weinstein. As acusações tomaram forma sob a hashtag #MeToo (“Eu Também”), que multiplicou-se não só entre as profissionais da indústria cinematográfica em Hollywood, mas também nos meios da música, da política e da gastronomia. As mulheres que lideraram o #MeToo foram nomeadas “pessoas do ano” pela revista Time.
ESTILO TOPVIEW
Leia Cat Person, conto publicado na revista New Yorker que viralizou ao abordar o relacionamento entre um homem e uma mulher e “as linhas tênues que são desenhadas nas relações humanas”.
*Matéria publicada originalmente por Fernanda Maldonado na edição 208 da revista TOPVIEW.