O tesouro escondido no museu
“Quando a gente sente a imaginação.” É assim que Agustina, de 07 anos, define “arte” no artigo Arte e Crianças: Um Encontro Impostergável, da pesquisadora brasileira Adriana Mabel Fresquet. É no embalo de sentir a imaginação que a arte se torna um tesouro. Quando criança, a produtora de projetos artísticos Camilla Bloisa enxergava com brilho nos olhos o presente que era consumir cultura. Quando cresceu, decidiu assumir essa paixão como profissão – e passá-la para outras crianças.
“Entrei na faculdade de arquitetura e tive várias aulas de história da arte. Após minha formatura, fiz um curso de gestão da arte nos Estados Unidos. Voltei pro Brasil obcecada por museus e trabalhei na Fundação Roberto Marinho, na captação de recursos. Saí da fundação depois de um ano e meio e eu fui fazer meu próprio projeto. Nesse meio tempo, eu tive minha primeira filha. Aí fez sentido pra mim produzir coisas para crianças, para criar memórias. A ideia de produzir um livro surgiu aí”, conta Camilla.
O livro, chamado Minha Primeira Coleção, é um box de arte contemporânea para crianças. A edição inclui uma coletânea de 5 obras exclusivas de artistas brasileiros e um livro de atividades estéticas para toda a família. “No box, tem introdução sobre arte e sobre como nascem gravuras. A ideia é que a criança crie uma relação com o artista que está colecionando. Fizemos uma mini bio de cada um deles para que os pequenos possam acompanhar eles ao longo vida. É um livro que cria conexões”, compartilha a produtora.
Estabelecer conexões – entre pais e filhos, professores e estudantes… – é uma das belezas que a arte traz para o mundo. Lu Ferreira, influenciadora digital e diretora criativa do Looy Club, faz uso disso com a filha, Beatriz. “Como mãe, me vejo apresentando o mundo à minha filha. E isso inclui mostrar culturas diferentes, maneiras de se expressar e de viver. A arte é uma forma de expressão e acho importante que ela sempre consiga acessar isso, o que já acontece naturalmente com as crianças mas que com o passar dos anos somos desestimulados a fazer. Criatividade e expressão são ferramentas importantíssimas para qualquer pessoa, e eu acredito que ao expor minha filha à arte estou contribuindo para que ela nunca perca essa conexão com seu lado mais criativo”, afirma.
O acesso
Lu e Beatriz têm a sorte de poder encontrar a conexão pertinho de casa. Elas moram em Belo Horizonte e podem contar com o maior museu a céu aberto do mundo a uma hora de onde residem. “O Inhotim é um espaço maravilhoso para levar as crianças, porque além de todas as exposições, o paisagismo é incrível e há muito espaço para correr e explorar. Já perdi as contas de quantas vezes fomos com ela”, conta Lu.
A proximidade que crianças têm com a arte é, muitas vezes, um privilégio – mas não deveria ser. Segundo Rafael Camargo, designer e professor da Escola de Belas Artes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o dilema da escassez e abundância que circunda outros aspectos da sociedade também chega na arte. “Você tem sujeito que tem acesso a tudo e outros não têm acesso a nada. Se a luta é reduzir a desigualdade, o consumo de arte está no mesmo barco”, afirma.
Segundo o último relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, sobre o assunto, datado de 2019, mais de um terço das crianças e adolescentes até 14 anos no país não têm acesso a espaços culturais como museus, cinema, teatro ou salas de espetáculo.
Além da restrição por conta de desigualdades sociais registradas nos dados, há também a escassa estrutura infantil proporcionada pelos espaços culturais no Brasil. “Sinto que os lugares não estão tão preparados para crianças – não é comum termos nada específico para elas, o que é uma pena, porque elas se interessam e poderiam aprender muito”, pontua Lu Ferreira, que compartilha suas viagens internacionais, realizadas com Beatriz, nas redes sociais.
Arte-educação
Enquanto muitos espaços culturais brasileiros não seguem os padrões internacionais de estruturas para crianças, na sala de aula a educação artística é eurocentrista. “Apresentamos às crianças uma arte do colonizador. A gente está no momento de ressignificar a arte daqui. Qual é a nossa essência? As crianças são esponjas e estão abertas a aprender de onde vem nossa arte”, afirma Rafael.
Além de apresentar às crianças as proximidades culturais, a arte-educação também tem um papel fundamental no desenvolvimento delas. “Por meio da expressão genuína de seus sentimentos, elas podem elaborar suas emoções e dessa forma ir se apropriando de si e interagindo bem com as pessoas que estão ao seu redor, com os objetos e com o ambiente. Desde muito pequenas, as crianças precisam se movimentar livremente e trocar com o meio e as pessoas. A arte pode ser um momento de prazer, de experimentos instigantes e criativos”, conta Suzana Macedo Soares, especialista em Educação Infantil pelo Instituto Vera Cruz e fundadora do Ateliê Arte Educação e Movimento, localizado em São Paulo.
Dentro dos pilares da arte-educação, tão importante quanto o ensino das crianças é a disposição criativa dos professores. Para a produção do artigo Arte-Educação no Brasil: realidade hoje e expectativas futuras, a pesquisadora e educadora brasileira Ana Mae Barbosa entrevistou 2.500 professores de artes das escolas de São Paulo. “Todos eles mencionaram o desenvolvimento da criatividade como o primeiro objetivo de seu ensino. Para aqueles que enfatizaram as artes visuais, o conceito de criatividade era espontaneidade, autoliberação e originalidade, e eles praticavam o desenho no seu ensino; para aqueles que lecionavam principalmente canto-coral, criatividade era definida como autoliberação e organização”, escreve Ana no relatório.
Na opinião do professor e designer Rafael Camargo, emocionar as crianças também seria um objetivo da arte-educação: “ensinar é um reflexo da pessoa com o mundo. Para que a gente tenha um professor apto a emocionar crianças com arte, ele também tem que ficar emocionado. Se o professor não tem acesso à arte, não podemos cobrar isso dele. O incentivo à cultura por parte do governo é importante por isso. Temos professores incríveis em comunidades marginais que não tiveram incentivo. São sobreviventes.”
Sensibilidade: estética e pessoal
Além dos professores, as crianças que são tocadas por arte também têm outra visão de mundo. “A arte ajuda as crianças a serem mais tolerantes, mais perspicazes. A pessoa pode ser super do mundo de exatas, mas ter acesso à arte é inspiração pra vida”, explora a produtora artística Camilla Bloise.
Em complemento, Rafael Camargo aponta que a sensibilização por meio da estética faz com que as crianças se tornem sujeitos mais sensíveis: independente do tipo de arte que consome, quem entende a diversidade de formas é mais aberto. É uma pessoa que cresce e se torna mais orgânica, compreendendo melhor as incertezas da vida.”
No final das contas, a arte para as crianças e a maneira como elas consomem e entendem essa parte fundamental do mundo encontra definições, novamente, no artigo Arte e Crianças: Um Encontro Impostergável. Fernando, de 10 anos, finaliza: arte é o que te sai do coração para expressar.
Pelo mundo
Pati Papp, produtora de conteúdo no Eu Viajo Com Meus Filhos, um blog e guias de viagem com as melhores dicas de destinos, hotéis e roteiros com bebês e crianças, afirma que os pequenos costumam gostar de espaços como museus e galerias porque, de forma geral, são amplos, coloridos e, por vezes, interativos.
Entre as dicas dela para incentivar o consumo de arte das crianças estão a visita frequente à exposições, fazer dos passeios algo lúdico e variar o estilo de museus e de formas de arte.
A convite da TOPVIEW, Pati fez um lista com cinco melhores locais para crianças consumirem arte no mundo:
Museu Americano de História Natural
Localizado em Nova York, nos Estados Unidos, o Museu Americano de História Natural foi fundado em 1869 e é especialmente reconhecido pela sua vasta coleção de fósseis, incluindo de espécies de dinossauros.
Museu da Ciência
Perfeito para curiosos de todas as idades, o Museu da Ciência em Londres possui um acervo de mais de 300 mil itens. O local é interativo e recebe mais de 3,3 milhões de visitantes anualmente.
Museu Oscar Niemeyer
Curitibano, o MON tem como foco as artes visuais, a arquitetura e o design. Atualmente, o museu conta com a exposição “Os Gêmeos”, dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, que encanta crianças de todas as idades.
Instituto Inhotim
Brumadinho, em Minas Gerais, abriga a sede de um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do Brasil. O Instituto Inhotim é considerado o maior museu a céu aberto do mundo.
CosmoCaixa
CosmoCaixa é o museu de ciências de Barcelona. O edifício tem nove andares: seis deles são subterrâneas com luz natural. A exposição fixa do museu é um chamariz para crianças: com experiências interativas e um muro geológico, o local se destaca.
*Matéria originalmente publicada na edição #259 da revista TOPVIEW.