SELF COMPORTAMENTO

O futuro da Boca Maldita e seus habitués

Com a transformação do Centro, as novas gerações e tecnologias, o futuro do clássico curitibano é incerto

“Entre os frequentadores da Boca Maldita que ainda estão vivos, eu devo ser um dos mais antigos. Ou o mais antigo mesmo”, acredita o consultor de negócios Jose Arapoty, de 73 anos. Outros veteranos reivindicam para si esse status, mas o fato é que Poty — como é chamado pelos amigos — tem todo o direito de se considerar um guardiões dessa tradição de mais de seis décadas. Mesmo assim, ele teme pelo futuro do ponto de encontro e bate-papo mais conhecido de Curitiba. “Não sou tão otimista. Se os bancos e cafés fecharem, a Boca pode acabar aos poucos”, diz.

“Há 30, 40 anos, íamos até lá para saber e comentar o que estava acontecendo.” José Arapoty, 73, frequentador da Boca Maldita

Ele tem razão. A Boca Maldita reunia muito mais gente quando a maior parte das empresas, lojas, salões de beleza e cinemas ainda funcionava no seu entorno. Hoje, além de atrair um número menor de pessoas, o espaço só “bomba” mesmo no fim de semana. E apenas até a hora do almoço — afinal, a região também não é mais segura como antigamente. Mas a degradação do centro da cidade trouxe outro problema para a Boca: a falta de renovação. Os primeiros habitués estão morrendo, e os mais novos não são exatamente jovens (é raro encontrar alguém com menos de 50 anos).

“Há 30, 40 anos, nós íamos até lá para saber e comentar o que estava acontecendo. Hoje, com a rapidez da tecnologia, tudo isso acontece na internet”, afirma Poty. “Felizmente, minha cabeça ainda está boa e consigo acessar sites, Facebook, WhatsApp. Senão eu estaria fazendo palavras cruzadas agora”, completa, bem-humorado. Para ele, uma das poucas chances de continuidade está no trabalho do empresário Ygor Siqueira, de 46 anos, presidente da confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita — o braço, digamos, institucional do movimento.

Ilustrações de Fabiano Vianna.

Ele é filho do economista Anfrísio Siqueira (1920-2003), um dos criadores do grupo e seu primeiro presidente (o nome da agremiação, reza uma das lendas, foi dado pelo jornalista Adherbal Fortes Sá, que considerava “malditos” os frequentadores daquela “boca”). Em dezembro de 1956, Anfrísio e outros amigos inauguraram uma tradição ainda viva: o jantar anual da confraria, ocasião em que os novos cavalheiros tomam posse. São políticos (de todos os partidos), artistas, jornalistas, empresários, advogados, médicos — até o juiz Sérgio Moro já recebeu a comenda.

Ygor cresceu nesse ambiente, onde já viu de tudo. Da excentricidade de seus personagens folclóricos (como o músico de rua Plá, o pregador Zé da Bíblia e o autointitulado cover de Roberto Carlos, Luiz Chacon) a momentos cruciais da história recente do Brasil (o primeiro comício da campanha Diretas Já, a passeata dos “caras pintadas” contra Fernando Collor). “A Boca Maldita está mudando porque a cidade e o mundo estão mudando”, diz o empresário. “Nem tudo deve ser dito na rede, as pessoas podem ser monitoradas. Enquanto existir o boca a boca, a informação confidencial, isso aqui nunca vai acabar.” A internet, reconhece Ygor, é uma “concorrente”, mas o espaço físico ainda tem seu trunfo.

 *Matéria publicada originalmente por Omar Godoy na edição 203 da revista TOPVIEW.

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