SELF

Minhas rugas, minhas regras

Ageless, Perennials, novos velhos… o glossário da idade mudou e traz à tona as transformações nos comportamentos dos que passaram dos 60 anos

Para Ana Beth Ramos Garcia, a idade não representa nada além de um número. Aos 63 anos, viaja muito, faz academia todos os dias, dança de salão, SH’BAM e yoga, sai frequentemente com vários grupos de amigos e, no último ano, começou a aprender e trabalhar com o mercado imobiliário. “Achei que fiquei mais bonita [com a idade]. Com 60 anos recebo mais elogios do que quando era mais nova”, conta a historiadora.

E sem recorrer às cirurgias plásticas para apagar os sinais da idade, faz questão de frisar. A baiana que vive em Curitiba há 35 anos pensa até em entrar para a vida de influenciadora digital, para mostrar seus looks e as atividades que as mulheres acima dos 60 podem fazer.

Ana é a síntese de uma mudança de comportamento que vem revolucionando a forma como as pessoas vivem o envelhecimento: com liberdade, sem estereótipos e nem limitações impostas por terceiros. Podemos até enquadrá-la na categoria dos Perennials, os indivíduos — de qualquer idade — que não se enquadram em uma geração, mas tem características de várias, estão conectados tecnologicamente e com amigos de todas as faixas etárias. É a chegada da era ageless, em que ninguém é definido pela idade.

“Ser idoso hoje tem diferentes significados, possibilidades e limites. O que mudou é que ele tem mais possibilidades e escolhas, não está fadado a aposentar e ficar em casa; aliás, isso é o que ele menos deseja”, analisa a psicóloga clínica Evelise de Oliveira Brito.

“Cada vez mais tenho presenciado pessoas acima de 60 anos dispostas a mudar, iniciar um novo negócio, fazer outra faculdade, viajar mais, buscando novas experiências.” Essa transição de paradigma chega em um momento crucial.

Aos 63 anos, Ana Beth Ramos Garcia viaja muito e faz academia, dança de salão e yoga. (Foto: divulgação).

Hoje, o país conta com 28 milhões de idosos, segundo dados do Ministério da Saúde. A expectativa é que o número chegue a 43 milhões até 2031. A população com 65 anos ou mais cresceu 26% em seis anos, na contramão do recuo de 6% dos brasileiros de até 13 anos. Quem aponta é a pesquisa “Características Gerais dos Domicílios e dos Moradores 2018”, divulgada pelo IBGE.

No restante do mundo, exceto no continente africano, o cenário é o mesmo. Puxado também pelo aumento da expectativa de vida, o envelhecimento populacional traz a frente a urgente discussão da longevidade. Pela primeira na história, temos mais avós do que netos, de acordo com informações da ONU de 2018. Isso explicita outra tendência em países desenvolvidos: a população vive mais e tem menos filhos.

“O envelhecimento mundial da população é uma grande conquista da humanidade. Aconteceu porque muitas crianças que morreriam na primeira infância há décadas atrás, não morrem mais, pelo aumento dos cuidados e acessos aos serviços básicos de saúde e à evolução da medicina”, explica Rodolfo Pedrão, médico geriatra.

Os novos paradigmas da idade

“Os idosos de hoje são completamente diferentes dos idosos de 30 anos atrás. Naquela época, imaginávamos uma avó cozinhando para os netos, diferente da anciã contemporânea, que é ativa, antenada e conectada”, observa Leticia Lorenzet, psicóloga no consultório Empodera Ela.

Quando Cris Bemvenutti, 63, bióloga, professora e autora do livro Enfim vestida de mim, começou a envelhecer, sentiu falta da energia que os jovens têm. Mesmo diante de uma possível limitação, viu que havia um lado muito positivo, o de priorizar e fazer menos coisas desnecessárias. E é assim que vê o envelhecimento: com seus potenciais e limitações, como todas as outras idades.“Aos 63 anos eu não tenho a força física que as mais jovens têm, mas tenho muita sabedoria para lidar com as situações cotidianas”, compara. Vive a plenitude da rotina acima dos 60 com uma lógica simples: curtir o momento. “Eu não tento sentar na cadeira de uma mulher de 40, porque ela não pertence mais a mim. E se eu sentar na dela, a minha vai ficar vazia, e isso seria uma pena”, defende.

Esse raciocínio passa também pela aparência. Os idosos estão deixando para trás o ideal da jovialidade a todo custo e os diversos procedimentos para esconder a idade. É o que Cris pensa e coloca em prática: “Eu não luto contra as minhas rugas, acho que elas representam o mapa da minha vida. Se eu negar minhas rugas, vou negar minha vida. Não tenho problemas de autoestima, me aceito e tenho muita paz de espírito.”

“Naquela época imaginávamos uma avó cozinhando para os netos, diferente da anciã contemporânea, que é ativa antenada e conectada (…)”

Aquela imagem do velho sábio, que tem todas as respostas para todas as perguntas, também está ultrapassada. Leticia complementa que agora ele tem o papel de aprendiz, não apenas de mestre que ensina. “Nunca na história olhou-se o velho como aquele que tem algo a aprender ainda. Com isso, há uma troca de conhecimento entre as gerações que é muito bacana, dá perspectiva e vida, porque aprender é o que nos torna vivos”, reflete.

Ao vivenciar a plenitude de suas características sem se prender ao que é imposto, abrem-se ainda mais possibilidades, como a de ter relacionamentos mais próximos com todas as idades. “Hoje o idoso é muito parecido com as outras faixas etárias, parece com o jovem-adulto, com o adolescente, ele está conectado aos outros. E [até dentro de casa] consegue conversar de forma mais direta e igualitária com os familiares”, afirma Letícia.

Quando começou a envelhecer, Cris Bemvenutti sentiu falta da energia que os jovens têm. (Foto: divulgação).

A psicóloga Evelise relembra outro ponto importante na longevidade: a importância de planejar a forma como gostaria de viver esse “tempo extra”. “É fundamental uma vida ativa, uma busca incessante por hábitos saudáveis, entre eles; atividade física frequente, alimentação balanceada, espiritualidade e relações sociais prazerosas”, sugere.

A longevidade ativa

“A palavra de ordem do envelhecimento, hoje, é a longevidade ativa. O indivíduo pode continuar trabalhando, se quiser, aprendendo idiomas, viajando, namorando, engajando-se em outras atividades. A vida continua”, afirma Rodolfo Pedrão.

Em seu consultório, atende cada vez mais idosos que o procuram para manter a capacidade física e intelectual, não para resolver um problema ou doença, mas para se cuidar. Além dos cuidados físicos, é importante dar atenção ao emocional, em especial às relações sociais. Isso porque um dos principais fatores de estresse do idoso é a solidão.

Evelise nota que, com o falecimentos dos pais e a independência dos fi lhos, é comum ele se deparar com a falta de sentido. “Tem que manter uma rede de contatos sociais ampla e cultivar relacionamentos, porque eles mantém a jovialidade, a alegria de viver”, sintetiza Rodolfo.

“Eu não luto contra as minhas rugas, acho que elas representam o mapa da minha vida. Se eu negar minhas rugas, vou negar minha vida.”

Sérgio Sussumo Siguimura, 75, é um dos que prezam por esse lifestyle. Usa parte do tempo de sua vida pós-aposentadoria para viajar e aproveitar com os amigos. Em 2019, visitou, com seu grupo, Patagonia, Fortaleza, Natal e Vitória. Mesmo sem passagens compradas, encontram-se todo mês para jantar juntos. Também fazem hidroginástica nas terças e quintas e outras atividades físicas nas terças e sextas.“Estou ótimo, não vejo nada de negativo [nessa fase]. Agora a gente tem todo o tempo do mundo”, comemora.

A convivência intergeracional é aspecto essencial para o bem-estar na sociedade para todas as idades. Os cohousings entram em jogo justamente para mudar essa condição. São conjuntos residenciais entre pessoas de várias faixas etárias, em que cada um tem a sua casa, mas as decisões e os espaços são compartilhados.

“As” velhices

É preciso, também, fazer a diferenciação de faixa etária. A socióloga e professora da Universidade Federal do Paraná, que estuda políticas públicas de envelhecimento, Marisete Teresinha Hoff mann-Horochovski, indica que a velhice hoje é um período muito longo e, portanto, não pode ser tratada como uma fase só.

“Falamos em ‘as’ velhices, porque existem muitas possibilidades. Os pesquisadores já falam de quarta e quinta idade.” As classificações dividem os idosos em velhos jovens, entre 60 e 70 anos; velhos, entre 75 e 85; muito velhos, acima de 85; centenários, acima dos 100; e supercentenários, acima dos 110.

A médica geriatra especialista em longevidade, Paula Vossa, vê as diferenças em seu consultório. “Antes dos 80 anos, vejo o pessoal com outra mentalidade, dispostos a mudar. Mas acima dessa idade continuam iguais, com dificuldade em aceitar mudanças de paradigma, mas estamos passando por ela.”

(Ilustração: Susan Sthefany Volanski).

*Matéria originalmente publicada na edição #232 da revista TOPVIEW.

Deixe um comentário