Marcele Poiani: “mesmo que não esteja vendendo um serviço, a gente está vendendo quem a gente é”
Marcele Poiani considera-se uma usuária ativa das redes sociais, como a maioria de nós – com um detalhe: talvez 90% de suas postagens no Facebook sejam acompanhadas por um coração. Assim é a coordenadora de negócios e relacionamentos da TOPVIEW em sua faceta pessoal: amorosa, otimista e igualmente interessada no relacionamento com pessoas. “Cada vez que eu me deparo com pessoas de um universo diferente do meu, eu entendo um pouco mais do meu universo”, explica Marcele nesta entrevista.
Nascida em Altônia, cidade no Paraná com pouco mais de 20 mil habitantes, numa família de muitas mulheres (são somente irmãs, primas e filhas, no feminino), Marcele iniciou, mas não concluiu o curso de Arquitetura e Urbanismo em Curitiba: ela casou e teve a primeira filha aos 19 anos e se orgulha de ter vencido as dificuldades por amor. Problema nenhum, aliás, é grande demais para essa mãe liberal: foi uma das lições que ficaram depois de experiências que a colocaram próxima da morte: a própria, durante uma gravidez de risco, e de sua filha Carolina, que recém-nascida teve uma grave infecção.
Na conversa a seguir, Marcele Poiani reflete sobre essas questões, fala sobre como as redes sociais influenciam o relacionamento com suas filhas, aborda os relacionamentos interpessoais e seu paralelo com as relações comerciais.
Você já esteve à frente do próprio negócio (uma loja de roupas, móveis, decoração, entre outros), foi vendedora em uma joalheria, RP de uma loja de presentes para casa, diretora comercial de uma empresa de software e, agora, é coordenadora da TOPVIEW. O que une essas experiências?
Acho que o relacionamento com as pessoas. Porque uma coisa de que eu sempre gostei foi de pessoas. De conversar com pessoas diferentes. A gente sempre aprende e entende um pouco melhor de quem a gente é quando conversa com pessoas diferentes. Então, cada vez que eu me deparo com pessoas de um universo diferente do meu, eu entendo um pouco mais do meu universo.
São áreas de atuação bastante diferentes. Você procura esses desafios?
Eu não procuro, eles vêm. Eu nunca imaginei que estaria trabalhando na TOPVIEW, ainda mais como coordenadora de uma equipe experiente, numa empresa em um processo de transformação tão grande. Eu trabalhei numa multinacional, com a joalheria. Depois, tive a minha loja, que era um processo muito caseiro, muito autoral.
E com qual modelo você se identifica mais hoje: com esse processo autoral e caseiro ou de uma multinacional?
Acho que com um negócio caseiro, com uma coisa regional curitibana, desse mercado que eu conheço bem: como o curitibano se comporta, aonde a mulher curitibana gosta de ir. É mais caloroso do que o universo de uma multinacional, em que você obedece a parâmetros.
E quem é o curitibano?
À primeira vista, são pessoas mais frias e distantes, mas depois que você se aproxima (acho que o curitibano é desconfiado), vê que não é assim, que é um povo muito caloroso. Eu considero o curitibano muito coração aberto. Hoje, eu já me sinto curitibana.
Sobre essas relações humanas, sua filha Carolina disse, em uma entrevista ao Journal, que a maior preocupação dela em relação ao futuro é “não existir mais relações afetivas fora das redes sociais”. Isso pode acontecer?
Acho que as relações – tanto profissionais quanto pessoais – estão totalmente ligadas à tecnologia. E é um caminho que não tem como dizer não, não tem mais volta. Acho que vai chegar a um aumento absurdo, tipo Black Mirror, depois voltar a uma coisa mais vintage, a uma relação super próxima.
Como você é enquanto usuária de tecnologia e de redes sociais?
Eu uso muito, a ponto de fazer o almoço de domingo e chamar a minha filha para almoçar pelo WhatsApp, de mandar mensagem para o meu marido, na cama, “abaixa o volume da tevê” (risos). É um tom de brincadeira, mas eu e minhas filhas usamos bastante. Mas não acho que isso nos distancie, não vejo como algo ruim. Tenho a preocupação de que elas não naveguem por lugares obscuros ou que usem a internet de maneira leviana, então, estou muito presente nas redes delas e elas nas minhas.
Você é muito amiga das suas filhas?
Sou, mas diria que sou muito mãe. Não deixo que a relação fique “somos amiguinhas”. Eu não sou uma mãe castrativa, sou muito liberal. Eu cresci numa família muito divertida, então eu passei isso para elas. Minhas filhas têm muita voz na minha casa, a gente conversa sobre tudo, qualquer assunto, e isso cria um relacionamento de proximidade e de respeito. Eu acho que o respeito que eu consegui das minhas filhas não foi por ser uma mãe exigente, mas uma mãe presente e por respeitar quem elas eram. Eu sempre tentei moldar um pouquinho da personalidade, mas sempre quis que elas fossem quem fossem. Eu nunca cobrei tarefa, que elas estudassem muito… (…) Mas é uma liberdade que é mais complicada, porque quando você diz a alguém que ele pode escolher o que fazer, é muito mais difícil, porque ele vai ter que fazer com responsabilidade, não vai poder dizer que foi a mãe que mandou. Elas fazem com a consciência delas e são excelentes alunas: a Isabela passou em todos os vestibulares e a Carolina se destaca em tudo o que faz, porque faz com prazer.
Você passou por momentos extremamente difíceis – esteve perto de morrer. Como foi passar por esse tipo de situação?
Na verdade, nos momentos difíceis, eu pensei mais em coisas boas. Eu queria guardar o sentimento de que eu tive uma vida boa, das pessoas que eu amo: um abraço do meu marido, um sorriso da minha filha, meu pai e minha mãe, minhas irmãs. Só que depois que você passa por isso e vê que deu tudo certo, parece que você ganha uma força e que as outras coisas ficam muito pequenas. Eu sinto uma pequenez nos problemas. Porque o meu nível de comparação é muito alto – eu lembro daquela situação. Então, eu tenho que agradecer essas coisas ruins que aconteceram na minha vida, porque elas me deram força, me deram o otimismo que eu tenho diante das coisas. Eu entendo que o pior já passou e que, se vier uma coisa ruim, eu sobrevivi a uma coisa difícil e vou ter força para enfrentar aquilo de novo.
Ainda sobre a sua personalidade, como você foi construindo essa capacidade de se relacionar tão bem com as pessoas? É um dom natural ou você foi aprendendo?
Acho que é um pouco dos dois. Essa coisa de vender e conversar com as pessoas é desde criança. Quando eu tinha oito anos, meu pai deixou um valor para eu comprar sorvetes durante a semana. O primeiro sorveteiro que passou, eu comprei todos os sorvetes, botei no freezer e ia revendendo para os vizinhos (risos). Ninguém me falou que era para fazer isso. E, para vender, você precisa se comunicar, eu precisava convencer meus amiguinhos e vizinhos a comprar de mim e não do sorveteiro. Eu sempre tive um espírito assim: a gente teve circo e cobrava pelo ingresso… A intuição de comércio estava em mim, mas eu acho que fui aperfeiçoando ao longo do tempo.
A relação comercial é parecida com a pessoal?
Eu acho que a gente sempre está vendendo alguma coisa. Mesmo que não esteja vendendo um serviço, a gente está vendendo quem a gente é, a nossa amizade, o nosso carinho. E a gente está vendendo em troca de amizade, de carinho… As pessoas têm uma visão de que o comercial é muito agressivo, mas existe tanta coisa envolvida, de relacionamento, de serviço, de entrega. E, muitas vezes, a gente está prestando mais um favor do que um serviço, porque fazer com que uma marca ganhe visibilidade é o que existe de melhor para o negócio dela. Então, o comércio é muito bom, porque um trabalho, um carinho, uma amizade, é tudo misturado. Tanto é que os clientes acabam se tornando amigos.
Nessa trajetória, você acaba conhecendo várias pessoas notáveis. O que é preciso, hoje, para alguém se destacar?
O que eu mais tenho visto hoje em dia [como necessário] para se destacar, na parte pessoal, é ter um bom coração. Eu acho que as pessoas têm, cada vez mais, se distanciado dessa bondade, desse olhar para o bem. A gente está num momento de ruptura: o que é ruim para a esquerda é dito como de direita, o que é de ruim da direita é dito como de esquerda. As pessoas estão levando esses embates para outros segmentos da vida e esse comportamento de que “o meu é certo e o seu é errado” diminui muito a bondade. Quando a gente tem bondade, consegue enxergar com o olhar do outro e se pôr no lugar do outro.
Depois de tudo o que você falou, não entendo onde se encaixa o curso de Arquitetura e Urbanismo, que você fez, mas não concluiu (risos).
Eu fiz porque eu amo decoração e meu marido é engenheiro civil. Mesmo antes de a gente se casar, eu já queria arquitetura, e depois eu passei no vestibular, fiz e gostei muito. Acho que eu deveria ter insistido, porque eu adoro decoração e adoro criação. Pegar uma coisa do nada e transformar no lar de uma pessoa, eu acho que é um dos trabalhos mais gratificantes, porque o maior sonho que uma pessoa tem é uma casa. É da casa que vem a família, o lugar para receber os amigos, para se proteger, é onde você compartilha sua vida, divide sua intimidade. Eu tinha uma filha pequena, a Isabela, de três anos, e eu não consegui conciliar as duas coisas. Dei um tempo, entrei no comércio, achei que voltaria em algum momento e não consegui. Mas, se me perguntasse hoje que faculdade e profissão eu seguiria, com certeza, seria arquitetura.
Você se casou, então, bem cedo…
Eu sou casada há 21 anos. Acho que isso é tão raro hoje em dia… Casei aos 19 anos, grávida, em um relacionamento que começou de forma que parece tão amadora, tão difícil de dar certo. E a gente venceu tudo isso por amor. A gente se conhece desde criança e acho que isso é uma característica muito grande da minha personalidade. Eu tenho 40 anos e estou há 21 anos casada. Tudo na minha vida foi meio que surpresa, mas esse amor parece que foi traçado na maternidade.