SELF COMPORTAMENTO

Guia de sobrevivência do homem solteiro

Por opção ou obrigação, cada vez mais os homens têm de se virar como donos de casa. E estão ficando tão bons nisso que já dão dicas de como limpar, decorar e até organizar

Foi-se o tempo em que os homens contavam aquela piada de que mulher deve esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque – e não é só pelo machismo inadmissível neste politicamente correto século 21. Hoje, são eles que formam a maioria entre as pessoas que moram sozinhas no Brasil. Dados revelados pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, entre 2000 e 2010, os domicílios particulares formados por uma só pessoa, em sua maioria, têm homens como donos de casa, somando 12,2% dos casos em todo o país.

A vantagem numérica está tanto entre os solteiros (58,9% são homens e 38,7%, mulheres) quanto entre os desquitados ou divorciados (18,9% e 15,3%, respectivamente). Ou seja, está cada vez mais claro que morar sozinho se tornou  uma grande tendência entre os homens brasileiros. Dentro dessa nova realidade, como se viram esses marmanjos criados por mães zelosas e, muitas vezes, recém-separados de uma esposa que cuidava de tudo na casa? Muito bem, na verdade.  E eles mesmos dão as dicas para outros homens se virarem bem ao ter que viver a mesma situação.

Básico do básico

Quais são os itens que toda casa masculina deve ter? Mais importante do que o tripé cama-mesa-banho, o que não pode faltar em casa, para eles, são tanto os eletrodomésticos quanto os eletroeletrônicos. Os primeiros, claro, pela funcionalidade nas tarefas caseiras. Já os segundos, por garantir o lazer e a diversão, dois elementos que não deixam de fazer parte de suas “necessidades”. Assim, aparelhos audiovisuais ou mesmo a companhia dos videogames valem tanto quanto geladeira, fogão, cafeteira e micro-ondas.

Quanto aos objetos, o geólogo Mauricio Henrique Garcia, 35 anos, é taxativo. Para ele, fazem parte do indispensável na residência: pratos, copos, talheres, panelas e toalhas de banho. “Para todo o resto pode se arrumar alguma alternativa”, brinca. E há quem também invista na atração pelos sentidos, principalmente o olfato. O ator e assessor de imprensa Fernando de Proença, 29 anos, opta pelos incensos. Já o beauty artist mineiro radicado em Curitiba Jhonny Macartney, 35 anos, não dispensa os odorizadores de ambientes. “A casa fica sempre cheirosa”, explica.

Proença e Macartney ainda apresentam outro gosto em comum: ambos acham que plantas e samambaias podem dar um pouco de vida a residências que costumam ficar desabitadas por muitas horas seguidas.

Decoração

Também foi-se o tempo em que o olhar masculino pouco se voltava a assuntos como a decoração do apartamento. O arquiteto e  music designer Ralf Sperka, 41 anos, usa a sua formação acadêmica para valorizar a iluminação. “Serve para tornar o ambiente mais acolhedor, além do conforto que é ter os objetos à vista.”

No caso de Garcia, a satisfação vem unida à ligação com suas memórias afetivas culturais. Para ele, a solução para as paredes brancas não foram quadros, mas sim alguns pôsteres de filmes preferidos e bandas que ele costuma ouvir. “Gosto muito do resultado”, justifica. Outro que também apela para as lembranças é o empresário peruano Nicolás Jesús Ramirez Torres, 40 anos, que aposta em artesanatos de seu país.

O segredo para Macartney é fugir da rotina ou da mesmice. “É bom manter pelo menos uma parede pintada para não se cansar do branco.” Outra dica que ele dá é procurar mudar periodicamente os móveis de lugar, receita que “deixa sempre a casa com cara de nova.”

Limpeza

Contratar os serviços semanais ou quinzenais de diarista é uma das saídas bastante utilizadas por quem mora só. Limpar os vidros e fazer a faxina são atribuições básicas. “Peço para que cuide da minha casa como se fosse a da pessoa”, diz Sperka. “Mas como já sou bem organizado, o mais importante é passar as roupas. Por falta de tempo e habilidade, não consigo executar essa tarefa de forma satisfatória.” Já Torres é mais cirúrgico quanto a delegar as atividades. “A prioridade são as minhas roupas e meu quarto. E uma vez por mês há uma geral nas janelas e armários da cozinha”, conta o empresário.

Mas, se o apartamento é pequeno, muitas vezes nem é necessário chamar alguém de fora, o que rende uma boa economia financeira. “Costumo calcular milimetricamente cada objeto em cada espaço. Eu mesmo faço a limpeza e organização da casa. Passo roupa, lavo louça, varro o chão, limpo os tapetes, tiro o pó dos móveis”, atesta o ator Szymanski. “E eu me organizo para aproveitar o tempo que fico em casa: vou distribuindo e executando tarefas durante a semana, sem acumulá-las.”

Lavar as roupas em casa não parece ser um grande problema para quem mora sem a companhia de outra pessoa. Recorrer a uma lavanderia é algo feito apenas no caso de cobertores, edredons e outras peças que precisam de lavagem a seco.

Compras

Se há algo em comum a quase todos os entrevistados para esta reportagem, é a consistência em certa resistência aos serviços de delivery. “Claro que é sempre uma opção. Mas com o tempo acaba enjoando e provocando gastos maiores”, sustenta Garcia.

Sperka, por sua vez, assume a quase independência deste recurso. Por também ser sócio de um dos mais badalados restaurantes da cidade, ele assume que o café da manhã é a única refeição feita em casa. Granola, iogurte, requeijão e pão integral são itens que não podem faltar na mesa de suas manhãs.

Mas há também quem curta passar um bom tempo na cozinha. O mineiro Macartney vai ao supermercado para comprar muitas frutas e legumes, que, depois de picados, são separados em potes e armazenados no congelador. O mesmo destino é dado a pequenas porções que ele sempre procura congelar previamente. Outros itens costumeiros em suas listas de compras são café e queijo (“mineirices”, define) e creme de leite (“para salvar qualquer receita”). E é claro que lasanhas, massas e outros pratos de preparo ou descongelamento rápido nunca deixarão a condição de must have para quem mora sozinho.

QUEM VOLTOU AO “MERCADO”
“Meus pais criaram os dois filhos com bastante autonomia. Parece que sabiam que ou eu ou minha irmã sairia cedo de casa. Conheci o Brasil em 1989 e tive uma impressão muito positiva do país. Minha decisão de morar sozinho foi pessoal e teve o apoio da família desde o momento que coloquei isso como meta. Aos 21 anos, consegui uma bolsa do Ministério da Educação para cursar Turismo na Universidade Federal do Paraná. Vim em 1994, depois me casei e me separei em 2010. Algumas vezes já acordei imaginando ter algo para comer em casa e, para minha surpresa, vi que não havia sequer um pingo de leite, muito menos café em pó para o café da manhã. Também já aconteceu de estocar pizzas na geladeira (umas três) em função de estar viajando a trabalho e lembrar que outras duas já haviam sido compradas para jantar. Hoje, minha namorada me ajuda com as compras para casa.” NICOLÁS JESÚS MARTINEZ TORRES, 40 anos, empresário peruano radicado em Curitiba desde 1994.

Organização

Este aumento de demanda também provocou o crescimento do número de clientes homens dos personal organizers. Esse novo tipo de profissional vem, nos últimos anos, especializando-se em ajudar os outros a gerenciarem melhor suas vidas pessoais. A meta principal é trazer ordem e disciplina a diversos itens do dia a dia como pagamento de contas, limpeza da casa, compras, decoração e organização de roupas e outros objetos.

Atuando há três anos como personal organizer na capital paranaense e com formação na área nos Estados Unidos, Helen Feijó tanto vê aumentar o percentual de sua clientela masculina tanto que até criou um pacote de serviços oferecido especialmente para aqueles que voltaram a ter recentemente o status de solteiro. E o que marca a maioria deste segmento de clientes é a extrema preocupação com a praticidade.

“O homem enfatiza muita coisa relacionada ao seu tempo”, dispara. “Ele assimila melhor tudo o que é voltado para melhorar a vida e otimizar o cotidiano.” Helen cita, por exemplo, a opção por terceirizar os serviços de limpeza ou a opção por fazer compras à noite, quando o fluxo de pessoas nos mercados é menor. Em compensação, garante ela, a cabeça masculina liga bem pouco para aquilo que acha que não fará qualquer diferença quanto à questão da tal praticidade. “Pouco importa se um objeto é colocado desta ou daquela maneira em cima da mesa da sala.”

SOZINHO POR OPÇÃO
“Moro sozinho há nove anos. Quando minha mãe faleceu, resolvi dar um tempo longe da casa que me trazia tantas lembranças. Na urgência, aluguei uma quitinete com a intenção de me reestruturar emocionalmente. Era pra ser temporário, mas acabei me divertindo muito em descobrir como ocupar melhor aquele espaço reduzido. Havia muita praticidade: procurei aproveitar bem cada canto, tive uma atenção especial nos detalhes da decoração, tudo era milimetricamente calculado. Percebi que não precisava de muito espaço para alguém morar confortavelmente sozinho. Hoje estou tão habituado à organização e à rotina própria que não consigo me imaginar morando com alguém. É muito bom ter a liberdade de escolher como cada coisa vai funcionar, de acordo com seu humor, com seu gosto, com seu bolso, com seu desejo. Penso que, se eu casar um dia, ambos terão seu próprio apartamento, sua própria casa, sua própria individualidade.” MARCEL SZYMANSKI, 32 anos, ator.

*Matéria escrita por Abonico Schmidt e publicada originalmente na edição 154 da revista TOPVIEW.

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