SELF COMPORTAMENTO

Smartphones: tem idade ideal?

Augusto Cury, psiquiatra e escritor mais lido do Brasil, conversou com Gisele Pinheiro sobre o uso da tecnologia na infância

Na atualidade, os smartphones são uma extensão do nosso corpo e da nossa mente. Esquecer o celular em casa é a mesma coisa que esquecer uma parte sua, tanto que a sensação de esquecer essa ferramenta causa um enorme desconforto. Podemos dizer que somos dependentes dos smartphones. Porém, será que uma criança pode também ser dependente dos celulares?

Pais conversam e se questionam sobre qual a idade certa para começar a dar algumas liberdades para os seus filhos. Temos a idade certa para começar trabalhar, dirigir, treinar alguns esportes. Mas, uma grande questão que ainda precisa de resposta é a idade certa para uma criança ter o seu próprio smartphone.  Para responder essa e outras perguntas, conversei com o psiquiatra e professor Augusto Cury

Antes de entrarmos na questão central da nossa conversa, eu gostaria de perguntar, quais são os benefícios dos celulares para as crianças?

Os celulares são importantes para que pais e filhos possam se comunicar quando se encontram distantes, e até mesmo para que pais possam localizar os filhos. Os celulares podem, inclusive, e a partir da idade adequada, estimular importantes aspectos cognitivos e até emocionais, como a concentração, o acesso a pesquisas de qualidade, a desenvolver o pensamento crítico e estratégico. Porém, é importante destacar que os smartphones também viciam! É preciso que os pais possam perceber os perigos da intoxicação digital em si para auxiliar seus filhos a não caírem nessa armadilha. As crianças aprendem de forma acentuada pelo exemplo, por isso, pais que permanecem imersos por muito tempo nos celulares terão maiores dificuldades em tomarem consciência e a trabalharem esse aspecto com seus filhos. Em especial para as crianças menores, confrontar a necessidade do uso do celular é imprescindível.

O uso de um smartphone requer responsabilidade do seu portador, como as crianças e adolescentes podem estar preparadas para essa utilização?

Educadores inteligentes colocam limites inteligentes. Crianças que aprendem, desde cedo, a não terem regras certamente se tornarão ditadores, assim como quem não aprende a lidar com limites será egocêntrico, pois achará que o mundo gravita ao seu redor. Quando pais estabelecem limites aos filhos, especialmente quanto ao uso do celular, estão auxiliando-os a criarem regras também para si, o que fomenta a reflexão e comportamentos pautados em disciplina e determinação. Neste processo, as crianças e jovens precisam ser autores do processo, e, para tanto, precisam compreender que, assim como não podem almoçar ou jantar no horário que desejarem, igualmente não poderão fazê-lo ao usar o celular. É imprescindível que os pais compreendam que se não colocarem limites claros e inteligentes a seus filhos, serão seus reféns.

Como o celular mexe com a saúde física e mental?

A intoxicação digital é um grande problema. Ela potencializa a Síndrome do Pensamento Acelerado, o que irá se desdobrar em maior oscilação emocional, como irritabilidade, impulsividade, imediatismo e, de maneira acentuada, gera aversão ao tédio e a solidão. Ou seja, a criança sente imensa necessidade de estar fazendo ou mexendo no celular, para fazer algo ou não se sentir solitária. A solidão exagerada é ruim, mas a solidão branda nos auxilia a libertar o imaginário, e a imaginação nos auxilia a libertar a criatividade. É importante destacar que o uso do celular também impede que a criança esteja em contato com outros desafios, que, igualmente, potencializam a criatividade. As crianças que possuem a oportunidade de estar com outras pessoas e crianças, de estar em contato com a natureza, de correr, nadar, pular, de colocar os pés no chão, subir em árvores, construir objetos ou plantar algo terão melhores condições de trabalhar importantes habilidades socioemocionais, como gerenciar os pensamentos e as emoções, resiliência, determinação, não ter medo de recomeçar. 

Hoje o cyberbullying tem gerado efeitos desastrosos no desenvolvimento socioemocional. Qual mensagem podemos deixar para os pais e estudantes a respeito dessa questão?

Pensamos, muitas vezes, no problema do bullying pelo prisma de quem o pratica, mas é importantíssimo pensarmos também pelo lado de quem o recebe. O bullying só se constitui porque há alguém que se sente ofendido, sem esse processo essa prática não se sustentaria. É o outro que nos ofende ou nós que nos sentimos ofendidos pelo outro? Uma pessoa pode até nos lançar uma ofensa, mas se essa ofensa não possui eco dentro de quem somos, ela apenas se constituirá de meras palavras ditas. Crianças que aprendem, desde a mais tenra infância, a se perceberem como capazes, como autônomas, que se autovalorizam, que fortalecem a sua autoimagem e autoestima, não permitem que as ofensas do outro invadam sua paz. Podem até ouvir a ofensa, mas essa não determinará como elas se sentirão. Pais brilhantes sabem cultivar o solo da memória de seus filhos com experiências para que se sintam amados, pertencentes ao espaço e amor familiar, emocionalmente fortalecidos para encarar os diferentes tipos de bullying – sem que se sintam abalados pelos mesmos.

É correto os pais dividirem seus celulares com seus filhos?

O processo, neste caso, é o mesmo de dar ou não o celular a seus filhos e em qual idade fazê-lo. Independentemente de terem celular próprio ou não, o acompanhamento e limites claros e inteligentes devem prevalecer.  

Acho que agora podemos fazer a pergunta que todos esperam. Qual a idade ideal para as crianças começarem a usar os celulares?

O excesso de informação é extremamente prejudicial ao desenvolvimento da criança até os dois anos de idade. Antes dessa idade, as crianças precisam de muito toque, carinho, muitos estímulos lúdicos, jogos e brincadeiras que estimulem a imaginação e a criatividade. Crianças de 5 a 7 anos não deveriam sequer usar os celulares, deveriam usar seu tempo para brincar, contemplar a natureza, ter contato com outras crianças, se sentirem acolhidas, e ter momentos de ócio criativo. 

Sempre que possível, e para tirar seus filhos da tela, os pais devem investir na qualidade do tempo que disponibiliza junto a eles: fazer do momento do almoço ou jantar algo especial, um momento para cruzar mundos emocionais, compartilhando seus sonhos, reflexões, memórias e buscando conhecer o mundo deles, quais os seus medos, necessidades, sonhos, etc. O melhor estímulo, ou brinquedo, para uma criança é um pai, mãe ou professor que se envolve para brincar com ela. Um adulto que estabelece pontes não permite que seu filho prefira se isolar em ilhas.

*Matéria originalmente publicada na edição #260 da revista TOPVIEW.

Deixe um comentário