E se o Golpista do Tinder fosse brasileiro?
O documentário do Netflix “O golpista do Tinder” conta a história de Shimon Hayut, um israelense foragido em seu país que utiliza o aplicativo de relacionamento Tinder para conhecer e conquistar mulheres. Para tanto adotando vários nomes, dentre eles Simon Leviev, um milionário que esbanja uma vida ‘perfeita’ nas redes sociais e na vida real, pelo fato de ‘ser filho’ de magnata da indústria de diamantes, armas, etc.
Primeiramente, o golpista conquistava a vítima com cavalheirismo, flores, jantares e sua vida luxuosa, que ele afirmava para cada uma das vítimas querer dividir com ela. Contudo, ele sempre tinha ‘um inimigo’ o ameaçando de morte, o motivo que o impedia de usar seus próprios cartões de crédito. Então, o golpista pedia que a vítima emprestasse os seus cartões e fizesse empréstimos e que tudo seria reembolsado por ele, mas, claro, o dinheiro nunca chegava à conta da vítima.
Durante o documentário percebemos que essas mulheres foram manipuladas para emprestarem dinheiro a ‘Simón’ e ele gastava tudo com outras mulheres, novas potenciais vítimas. Um jornalista norueguês utilizou uma expressão bastante pertinente: “esquema de pirâmide”, ou seja, Simón utilizava o dinheiro de uma vítima para cobrir os gastos com outra mulher, potencial vítima, e assim por diante, sempre aplicando o mesmo golpe por vários países da Europa. Quando Simón era confrontado pelas vítimas, respondia com áudios e mensagens agressivas, ameaçadoras e bastante ofensivas.
Ao final do documentário, as vítimas parecem estar aliviadas pela prisão de Simón, que foi condenado a 15 meses de prisão, mas por outro crime. Até hoje, nenhuma consequência recaiu ao golpista, relativa a lesão patrimonial e emocional que causou em suas vítimas. Todavia, cumpriu apenas 5 meses no sistema prisional de Israel e está livre atualmente.
A contextualização é importante para analisarmos: se o “Golpista do Tinder” fosse brasileiro, logo, a legislação brasileira aplicada, o que aconteceria com Shimon Hayut?
Na seara criminal, o golpista responderia pelos crimes de:
Injúria
Por ofender a honra e a dignidade das vítimas, com pena de 1 a 6 meses de detenção ou multa (artigo 140 do Código Penal). Por exemplo, ao final do documentário, aparece uma troca de mensagens entre ele e a namorada holandesa (estavam juntos há 14 meses) quando Simón descobre que o dinheiro das vendas de suas roupas não vai entrar em sua conta, passa a proferir xingamentos contra a honra da namorada.
Ameaça
Ameaçar as vítimas, por palavra, escrito ou gesto de causar-lhe mal injusto e grave, com pena de 1 a 6 meses de detenção ou multa (artigo 147 do Código Penal). Por exemplo, ao ser confrontado, Simón ameaçava as vítimas, que elas vão “perder bem mais que dinheiro”.
Estelionato
Quando Simón obteve para si vantagem ilícita, em prejuízo dessas mulheres, induzindo e mantendo-as em erro, seria condenado a uma pena de reclusão, de 1 a 5 anos, e multa (artigo 171 do Código Penal).
Na seara civil, as vítimas poderiam ingressar com ação de indenização por danos materiais e morais (artigos 186, 187 e 944 do Código Civil), a fim de ter os prejuízos financeiro e emocional ressarcidos. Necessário que comprove, por meio de troca de mensagens, envio de segunda via de cartão de crédito ao endereço do golpista, dentre outros meios de provas, que as compras não foram realizadas por elas, mas sim, por Simón. Mas, fica a dúvida, será que o Direito seria eficaz neste caso, pois o golpista teria dinheiro para indenizá-las? Bom, existem várias formas de cumprimento de sentença no Brasil, dentre elas, a inscrição em cadastro de inadimplentes (Serasa e SCPC) e protesto em cartório. Assim, se o golpista quiser ter seu nome limpo, terá que pagar a dívida com as vítimas.
Vocês devem estar se perguntando “e no Direito de Família, Dra.?”.Como Simón apenas namorava com essas vítimas, ainda que tenha falado que queria constituir família com elas, eram namoros e o Direito de Família brasileiro não regulamenta direitos e obrigações entre duas pessoas que estão namorando.
Voltando a história, infelizmente o desfecho para o golpista foi de um “homem livre” e as mulheres fragilizadas foram vítimas de comentários maldosos quando as notícias sobre o Golpista do Tinder foram tornadas públicas.
A culpa não é da vítima, nunca será da vítima.
Qual a sua opinião, você acha que elas tinham condições de perceber o golpe?
Sobre a colunista
Advogada inscrita na OAB/PR nº 61.717, Cristiane Goebel Salomão proprietária do escritório Goebel Salomão Advocacia. Pós graduada em Direito Processual Civil. Pós Graduada em Direito da Família e das Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Membro do Grupo Permanente de Estudo de Direito de Família da OAB/PR. Membro do Grupo Permanente de Estudo de Direito das Sucessões da OAB/PR. Pesquisadora do Grupo Virada de Copérnico da UFPR, eixo Direito de Família. Está presente nas seguintes redes sociais: Facebook e LinkedIn e Instagram.