Drogaria Iguatemi: o império do bem-estar
O “efeito batom” é como ficou conhecido um estudo que relacionou dados econômicos a hábitos de consumo nos Estados Unidos durante 20 anos. O resultado: em época de crise, os gastos com produtos de beleza e roupas tendem a aumentar, enquanto os com móveis e produtos eletrônicos caem.
Leonardo Diniz e Leonardo Diniz Filho, da família proprietária da cinquentenária Drogaria Iguatemi, têm visto os resultados da pesquisa na prática. Nos últimos anos, em que o país passou por uma recessão econômica, as lojas da rede (atualmente, são oito) tiveram um crescimento no faturamento de cerca de 15% ao ano.
No período, a empresa abriu novas lojas (como a de Curitiba) e marcas (a Discovery e Nuspace – esta última o braço online do grupo, cujas vendas vêm registrando um aumento de 30% ao ano). O único resultado mais modesto foi em 2017, quando o crescimento foi de 8% e atribuído por Diniz Filho à falta de novidades no mercado e à queda na venda de repelentes depois de anos de surtos de dengue.
Para obter resultados positivos, o grupo investe no setor no qual começou, nos anos 1990, quando ainda não era convencional nas grandes redes de drogarias: os cosméticos e dermocosméticos, principalmente importados. Hoje, a venda desses itens corresponde a 70% da receita, ante apenas 30% dos remédios.
Na conversa a seguir, pai (por e-mail) e filho (na Drogaria Iguatemi do Pátio Batel) contam sobre os desafios de trabalhar em família e entre diferentes gerações, traçam o perfil da consumidora curitibana – que costuma comprar marcas e produtos que já conhece e desconfia de novidades –, falam do potencial de youtubers e de novidades como os beauty lounges de marcas dentro da drogaria. “É um desafio grande”, resume Diniz Filho.
De onde surgiu a ideia de associar a farmácia a uma boutique do bem-estar, descolando-se da imagem de um lugar que vende remédios?
Leonardo Diniz (pai): A sofisticação dos nossos clientes e sua exigência nos obrigaram a nos desenvolver e aperfeiçoar para uma boutique do bem-estar.
Leonardo Diniz (filho): É uma drogaria diferente mesmo, voltada à experiência do cliente. Por todas as lojas serem em shoppings, o grande público é feminino. A mulher procura uma referência, em que o produto e o ambiente sejam diferenciados, sofisticados, em um local legal, em que a doença não fique tanto em evidência.
Por que seguir esse viés em uma época em que as farmácias vendiam mais remédios?
LDF: A ideia surgiu com a abertura dos produtos importados no Brasil, na década de 1990. E começou com a minha mãe, que foi uma das fundadoras da empresa. Ela teve a ideia de transformar a drogaria em um ambiente onde se pudesse encontrar produtos de perfumaria. Ela já usava esses produtos e não os encontrava no Brasil. Fomos os pioneiros nessa área de produtos mais sofisticados para a beleza.
Como é feita a curadoria?
LDF: A nossa diretora comercial hoje é a Karina [Diniz], minha irmã, que aprendeu muito com a minha mãe. Ela faz muito trabalho de pesquisa de mercado e consegue testar e aprovar os produtos, com comprometimento com a qualidade. Hoje, a gente vê muitas lojas que têm produtos só de uma marca. Nós não, temos várias. A gente está caçando, querendo resolver problemas antes que eles aconteçam.
O que um produto precisa ter para fazer parte do portfólio da marca?
LDF: Tem que ser inovador. Tirando os básicos, tipo pasta de dente, escova, essas coisas. Tem que ter qualidade. Temos que conhecer a história da empresa, a procedência, se o produto realmente funciona. Tem que passar por um comitê de aprovação de produtos, com testes.
Como o fundador atua nos negócios até hoje?
LDF: É uma pessoa muito visionária. Ainda hoje está à frente dos negócios. Ele consegue fazer a parte administrativa e dá liberdade para a gente criar e desenvolver novos pontos, novas ideias, criar ambientes novos como o que estamos lançando em Curitiba, o Beauty Lounge da Dermage. Ele gosta de ver tudo, tem que ter o aval dele, mas tem sido muito parceiro da segunda geração. Ele está por trás, mas nos deixa desenvolver as coisas.
E quais as dificuldades de se administrar uma empresa familiar?
LDP: Existem grandes dificuldades. De modo geral, são situações pontuais. Por meio de conversas e reuniões, resolvemos os grandes problemas.
LDF: Acho que o conflito de geração. São duas gerações diferentes. Em segundo lugar, a transformação do varejo para o digital, porque na época [do meu pai] não tinha tanto desenvolvimento digital. E, terceiro, pela intimidade, por não ter uma formalidade igual a de uma empresa. Mas como somos muito bem-educados profissionalmente, respeitamo-nos. Tem que saber não colocar a emoção na frente da razão.
Quais são os maiores desafios que a marca enfrentou ao expandir para Curitiba?
LDP: Encontramos um perfil de consumidor com outros costumes, o que nos fez repensar algumas atitudes.
LDF: Está sendo [um desafio]. A nossa loja em Curitiba é totalmente diferente. Isso implica conhecer novos produtos, mostrar ao cliente os nossos diferenciais. Só que demora. Às vezes, o cliente não entende tão bem ou não sabe como aquilo melhora sua vida ou por que custa aquele valor. (…) Acho que o curitibano é mais desconfiado que o paulista, que está a fim de arriscar mais. Ele é mais conservador, vai mais nas marcas que conhece. A gente tem muita novidade, então, às vezes, atrapalha.
Como vocês fazem para mostrar as novidades, tentar contornar essa dificuldade?
LDF: Esse é o nosso grande desafio, tentar trazer profissionais dos segmentos para demonstrar o produto. Fazer demonstração do produto na loja e treinamento com a equipe das marcas diferentes e inovadoras.
Vocês costumam aprender com esse contato com o cliente? Alguma mudança surgiu disso?
LDF: Foi nesses eventos, participando do dia a dia, que a gente viu que a DI tinha que ter esse perfil que tem hoje, voltado a um viés de bem-estar, um ambiente diferenciado. Isso é vital, dá alma para o nosso negócio. Somos uma empresa autoral, em que se vê a participação do dono.
Pesquisas mostram que a área de beleza costuma crescer mais em períodos de recessão, porque aumenta o desejo de se sentir bem. Vocês testemunharam isso?
LDF: Acredito nessa pesquisa, tenho lido bastante sobre isso. Acho que a autoestima passa pela beleza. É um item de consumo, para a mulher, dos mais baratos. Nisso, ela pode se realizar e ter a sensação de que, na crise, conseguiu uma maquiagem, uma fragrância diferente, um cabelo bem tratado, um acessório.
Qual é o perfil do cliente da drogaria?
LDP: É sempre exigente, busca novidades e gosta de produtos de beleza e muita sofisticação. Em sua grande maioria, são mulheres de todas as idades.
LDF: É uma mulher supervaidosa. A gente brinca que a mulher que vem na Drogaria Iguatemi é uma amante do cosmético, uma beauty lover. Ela gasta um tempão com a gente, tem uma experiência de beleza. Às vezes, vem com o marido, aí ele compra alguma coisa para si, ou vem com a família e esta se envolve também. A mulher sabe que se não encontrar em nenhum lugar o produto, vai ter aqui. É uma cliente que gosta de produtos específicos.
Existe alguma possibilidade no futuro de a venda ser 100% focada na boutique, deixando os remédios de lado?
LDP: Não, sempre achamos que os remédios fazem parte do nosso mix.
LDF: Somos uma drogaria por essência. Nosso slogan é o bem-estar do cliente, e o bem-estar passa pela saúde. A gente precisa vender o remédio para que [o cliente] esteja bem, então faz parte do nosso DNA.
A drogaria pensa em ter uma linha própria de cosméticos, como outras farmácias (Panvel, Raia…)?
LDF: De cosméticos não sei, mas para acessórios, produtos que ainda vemos que têm espaço, temos algumas ideias que nos agradam. Acessórios para o bem-estar, algo inusitado, que não tem no mercado, que ainda não chegou ao país, alguma comida saudável… há muitas possibilidades.
Uma tática de vendas atual é fazer contato com blogueiras e youtubers. Como é esse relacionamento para vocês?
LDF: Temos uma proximidade. Entendemos que esses canais, hoje, são muito importantes. A gente conversa e aprende com eles.
No perfil da drogaria no YouTube, há vídeos ensinando a aplicar alguns produtos. É a intenção de vocês embarcar nesse filão com produções próprias?
LDF: Pensamos nisso, sim. Temos interesse em fazer. A gente está aprendendo. É uma novidade que vemos com bons olhos e que ensina os clientes a usarem produtos diferentes.
Quais os próximos passos da marca?
LDF: É confidencial. Mas estamos montando um e-commerce mais forte, investindo mais nele. O futuro passa pela internet, mas nunca vai deixar de existir a loja física.
A Discover é uma franquia um pouco mais popular, para públicos A e B (a DI é AAA). Quais são as principais diferenças?
LDF: Ela é mais democrática, porque tem produtos mais voltados para um estilo saudável, então tem mais barrinhas, snacks. É o mesmo perfil da Drogaria Iguatemi, mas não tem lustre, o ambiente é mais moderno, já pensando no cliente do futuro, que se interessa por whole food, produtos sem sal, sem glúten. Por ser no Rio – o carioca costuma ser mais preocupado com o corpo –, temos sorvete de proteína, biscoito de baixa caloria… é uma loja-tendência que a gente usa como teste e depois passa para outras lojas do grupo.
A Drogaria Iguatemi teria dado certo em outros países? Há algo de específico no perfil do brasileiro que a fez funcionar aqui?
LDF: Tive esses pensamentos recentemente. Acho que sim. Mas não tem nada específico aqui.
É necessário se reinventar sempre ou esse segmento é mais “seguro”?
LDF: Um pouco dos dois. A gente procura ser uma empresa que é tendência, então tem um trabalho de mudança constante.
*Matéria escrita por Amanda Audi e publicada originalmente na edição impressa número 21 do TOPVIEW Journal, dezembro de 2017.