Ageless: quando a chegada da maturidade é encarada como um atributo inspirador
A idade cronológica já não determina comportamento e papel social. O café com biscoito e as atividades com os colegas de clube no meio de semana estão sendo adiados por uma geração que se mantém produtiva, atualizada e jovial – ageless (sem idade). As expectativas sociais da idade estão se dissolvendo, junto a restrições de comportamento “apropriado para a idade”.
A jornalista e coolhunter Andrea Greca Krueger define ageless como uma macrotendência, que trata de uma nova maturidade e do nascimento de um público-alvo sênior, com características e necessidades até então inéditas. “[São] pessoas com mais de 40, 50, 80, 90 [anos], que não se sentem velhas e não se consideram idosas no sentido notório da palavra”, explica a pesquisadora. “Idade não as define. São indivíduos cheios de vida, produtivos, influentes e saudáveis que estão reinventando o que significa ser ‘velho’ nos dias de hoje.”
Tal geração está intimamente ligada aos avanços da ciência, da medicina, das conquistas sociais e da melhoria da qualidade de vida. “O número médio de anos que uma pessoa vivia no Brasil em 1940 era 45,5; em 2016 saltou para 75,5 anos (no mundo é 71,4 anos). Ou seja, passaremos muito mais tempo adultos/velhos do que jovens”, informa a coolhunter.
Aos 47 anos, a arquiteta Luciana Tavarnaro é uma autêntica ageless: “Me formei em Arquitetura aos 35 anos, me casei aos 40 e adotei minha filha aos 46. Na minha idade, minha mãe já era avó. Me cobrei e me senti cobrada, mas chegou um momento em que relaxei. Hoje me sinto meio sem idade.” Recentemente matriculada em uma pós-graduação, Luciana acredita que o importante é se manter bem e ativa, não necessariamente jovem. “Não quero me transformar”, diz ela, que com o passar do tempo abandonou o salto alto e passou a dar preferência às roupas confortáveis com bom design.
Conectados e engajados
As gerações pós-40 não só se adaptaram às tecnologias digitais, como as abraçaram. A estilista Edna Machado, 43 anos, mãe de uma jovem de 22, é o que se pode chamar de hiperconectada. Por meio das redes sociais fechou uma parceria intercontinental para sua marca. Porém, faz questão de manter o “contato sólido” – andar pelo Centro para garimpar tecidos, cuidar das plantas e da decoração do atelier fazem parte da rotina. “Gosto de observar os detalhes da cidade, de ver as pessoas batendo papo. Ao mesmo tempo, estar conectada virtualmente com os artistas que admiro (da música, artes visuais, moda, arquitetura, culinária) me leva para outros mundos.” Ela planeja envelhecer com serenidade, mas com os cabelos coloridos. “É boa a sensação do tempo passando. Fazer 40, para mim, foi mágico. Foi quando passei a vida a limpo e deixei muitas coisas para trás por uma questão de foco e aproveitamento de tempo.”
CEO de uma grande construtora, Arsenio de Almeida Neto, 49 anos, compartilha da sensação de deixar o desnecessário para trás. “Meu objetivo é reduzir o consumo e aproveitar o que eu já tenho”, afirma ele, que defende o prazer de um bom jantar com um excelente vinho. Este “excesso” é compensado com a prática da vela a da corrida de montanha, dois esportes que exigem um bom preparo físico. “Não consigo acompanhar a garotada, mas o pessoal iniciante de 35, sim”, salienta. Pai de um rapaz de 21 e uma adolescente de 15, ele brinca que supera ambos na prática esportiva. “Arrisco dizer que estou melhor do que quando fiz 40.”
“Se temos mais tempo e qualidade de vida recebemos também mais responsabilidade. O que você está fazendo com seu tempo? Está verdadeiramente utilizando esse presente para construir o que quer ou está desperdiçando o único recurso que não se renova?” Martine Jadoul, coach
Mais tempo para quê?
Num passado recente, pessoas na quarta ou quinta década já tinham – ou almejavam ter – estabilidade, com filhos independentes e netos pequenos. Mas hoje não é raro notar gente que nessa época da vida abdicou da paternidade ou que ainda leva os filhos no parquinho de areia e à noite sai com amigos mais jovens.
Para a coach Martine Jadoul, a longevidade também pode provocar certa apatia, a condição de ver o tempo passar e se abster de fazer escolhas e tomar decisões. “Podemos fazer coisas com 60 anos que há 50 anos era privilégio de poucos, pois a maioria já estava pagando o preço físico da idade. Com essa quantidade absurda de informações e possibilidades veio também a dificuldade de escolha. Quando há muita escolha e tempo, nosso cérebro fica confuso. Estamos num verdadeiro contrassenso: temos mais tempo, mas muitas vezes o desperdiçamos”, avalia.
O empresário e triatleta Marlus Doria literalmente “corre” desse estigma. Aos 47 anos, mantém uma vida equilibrada entre trabalho, momentos em família e lazer. “Não me preocupo com o futuro falando sobre a idade, muito pelo contrário, tem muitas coisas que a falta de tempo ainda não me permitiu fazer”, diz. O esporte sempre esteve presente na sua rotina e há dez anos ele descobriu o triatlo, atividade para a qual reserva espaço na agenda. “Com o esporte consigo gerenciar minha ansiedade e o estresse e ao mesmo tempo ter energia e satisfação. O triatlo me faz manter uma agenda regular de competições, a qual me desafia a melhorar sempre”, conta Marlus, que, não raro, treina com o filho mais velho, de 16 anos.
“Todos os países estão ficando mais velhos, exceto as nações da África. Esse movimento social impactará profundamente todos os setores da economia e da sociedade.” Andrea Greca, coolhunter
Paradoxo contemporâneo
Apesar do notável engajamento, poder de decisão e de consumo dos ageless, a indústria e a publicidade em geral ainda concentram seu maior poder de fogo nos mais jovens. O levantamento da SuperHuman apontou, por exemplo, que 84% das pesquisadas usam produtos destinados a mulheres mais jovens. Segundo Andrea Greca, a juventude é um “fetiche pós-moderno” criado e endossado pelas marcas e campanhas publicitárias. No cerne da sociedade sem idade está o fato de que não somos mais jovens, porém muitas vezes queremos continuar a sê-lo. “É um baita paradoxo”, avalia a coolhunter. “E se não podemos comprar a juventude, é possível adquirir experiências e produtos que nos façam sentir como se tivéssemos anos a menos.”
Ao invés de avó, mãe
Quanto a atriz Carolina Ferraz apareceu em Pantanal, na extinta TV Manchete, quebrou o estereótipo da brasileira cheia de curvas, vigente nas novelas. Mesmo com um jeito andrógeno, virou sex symbol e revelou-se uma boa atriz cômica – o meme “sou rica” faz sucesso até hoje. Aos 49 anos, Carolina se diz uma pessoa mais leve e sem excessos. Ela, que já tinha uma filha, Valentina, 22, encarou a maternidade novamente há pouco mais de dois anos.
Uma linda mulher de 50
A revista People elegeu em 2017 a atriz Julia Roberts “A mulher mais bonita do mundo”. Aos 49 anos, Julia já figurou cinco vezes na mesma posição, sendo que a primeira foi há 26 anos, pouco depois de ser alçada ao estrelato com o filme Uma linda mulher. Nos últimos anos, a revista tem se rendido às belezas maduras. Jennifer Aniston, 48, e Sandra Bullock, 52, também estiveram no topo do ranking recentemente.
Cinderela sessentona
Recentemente o mundo foi apresentado ao mais contemporâneo dos contos de fadas. Emmanuel Macron, 39 anos e o mais jovem presidente da França, casado com Brigitte, 64 anos, apaixonou-se pela esposa ainda adolescente, quando era seu aluno, e não sossegou até conquistá-la. Ao desafiar os padrões de idade e convenções, a elegante e ativa Brigitte tornou-se instantaneamente o símbolo da nova França, como retratado recentemente pela Elle francesa.
Mais qualidade de vida
Quando o assunto é aparência física, pessoas hoje com 40, 50 anos parecem muito mais joviais do que seus pais na mesma idade. Uma boa alimentação, exercícios físicos, os recursos da indústria cosmética e estética, um jeito mais jovial de se vestir e, principalmente, manter-se ativo e produtivo, estão na relação de explicações para este fenômeno.
Galãs
Ícone de toda uma geração, Cary Grant se retirou das telas dos cinemas quando completou 62 anos, por entender que era velho demais para os papeis que estava acostumado a interpretar. Mas isso foi há quase 50 anos. Hoje, atores da mesma idade (às vezes graças ao botox, cirurgias plásticas, maquiagem e retoques digitais) continuam a beijar a moça no final da história. Para citar alguns exemplos: Bruce Willis (62), Silvester Stallone (71), Pierce Brosnan (64) e Robert De Niro (73).
*Matéria publicada originalmente por Dani Brito na edição 203 da revista TOPVIEW.