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A (re)ascensão do Miura

Como um carioca transformou um carro velho em uma antiguidade – e recuperou a história de uma das marcas brasileiras de automóveis mais importantes do país

O primeiro carro antigo de Sandro Zgur seria um raro Willys Interlagos se a negociação tivesse vingado. Logo depois, quase foi um Ford. Estava tudo certo… até o carioca ter um pesadelo com o veículo. Até parecia o destino tentando fazê-lo chegar ao Miura, o modelo que conquistaria sua paixão e resultaria na fundação do Miura Clube do Rio de Janeiro, um dos principais do país dedicado à marca. “Vi ele largado [o carro], abandonado na frente de um colégio. Era vermelho, mas já estava todo desbotado. Tinha o nome de um aluno escrito na lataria. Na época, era uma marca que não tinha caído no gosto dos colecionadores. Era um carro velho, não um carro antigo”, relembra.

Foi em 2003 quando a história estava prestes a mudar. Sandro, que é professor de Administração, começou a estudar a marca e chegou a visitar Porto Alegre para conhecer os fabricantes – os amigos Itelmar Gobbi e Aldo Besson. Dali em diante, percebeu a importância dos modelos e o interesse de outras pessoas em restaurá-los e resgatar suas origens. “Nós conseguimos tornar o Miura um carro de colecionador. Hoje, é um dos itens mais procurados por colecionadores no Brasil. Tem carros já sendo negociados na casa dos R$ 100 mil”, conta.

O carro das celebridades

O termômetro de sucesso da época, entre o final dos anos 1970 e 1980, era observar o estacionamento dos restaurantes mais badalados da cidade de São Paulo. O Miura era um dos carros que simbolizava esse status. Conhecido como “o carro que fala”, por ter um sintetizador de voz que, entre outras funções, avisava o motorista para colocar gasolina ou puxar o freio de mão, o modelo quebrou paradigmas e esteve na vanguarda do mercado automobilístico nacional. “Imagina fazer isso em 1984, em um mercado fechado para a informática. Existia uma restrição de mercado, então essa tecnologia teve que ser 100% criada no Brasil”, analisa.

(Foto: Acervo pessoal)

Na época, o mercado brasileiro ainda era fechado às importações. Para o especialista, um Miura era o máximo que alguém poderia ter no Brasil. “O interior do carro não deixava nada a desejar para uma Ferrari”, compara. Não à toa, conquistou fãs famosos, como o cantor Leonardo e o jogador de futebol Zico – que teve quatro exemplares. O veículo deste último, inclusive, está no acervo do Clube, para ser restaurado.

História de um carro e de um país

Engana-se quem associa antigomobilismo ao interesse exclusivo por carros. Para Sandro, trata-se da preservação da história e da cultura de um povo. Estamos falando do resgate e da preservação de um item pensado e produzido no país – e que é histórico. “Essa história transcende o automóvel. Mostra, acima de tudo, a história das pessoas que criaram esse carro”, aponta. “O Miura era um carro que atendia a alta casta brasileira – e imagina-se que os criadores eram ricos de berço, mas elas se fizeram por si próprios.” Gobbi era um estofador. Já Besson, um vendedor de capas para assento, que começou como varredor. “O legado que eles deixaram é impressionante. O que importa é que tiveram pessoas aqui que se propuseram a investir e a fazer uma coisa que não é fácil – e fizeram, ganharam dinheiro, venderam.” Ao todo, foram 3.500 unidades vendidas nos 15 anos de existência da marca. As atividades foram encerradas a partir da abertura do mercado nacional a veículos importados. “Escolhi o Miura por ser brasileiro e por ninguém estar dando a menor atenção. Essa história não pode se perder. É a história do nosso país, de brasileiros – e de brasileiros empreendedores”, pontua Sandro.

“A minha grande contribuição para o antigomobilismo foi colocar o Miura no seu devido lugar.”

*Matéria originalmente publicada na edição 247 da revista TOPVIEW. 

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