A escuta de crianças e adolescentes em situação de violência
Na coluna anterior tratei das contribuições da psicologia para os processos judiciais, agora, a fim de dar continuidade a multidisciplinaridade das ciências, trago a aplicação prática voltada às crianças e adolescentes em situação de violência.
Em 2017, também tivemos uma enorme contribuição da lei nº 13.431, que promoveu alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, e criou o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente – SGDCA, responsável por regulamentar formas de escuta à criança e ao adolescente em situação de violência.
Em que pese a lei seja de 2017, no sul do país, o projeto piloto teve início em 2003, em Porto Alegre – RS. Foi desenvolvido nos EUA, no Alabama e adaptado à realidade brasileira, em que se usa as salas simultâneas, com objetivos claros de:
(i) reduzir o dano/estresse da criança e adolescente;
(ii) evitar a revitimização e sofrimento com o depoimento;
(iii) garantir à criança e ao adolescente o direito de ser ouvido, como vítima ou testemunha;
(iv) obter melhores depoimentos, ricos em detalhes e com maior precisão da informação;
(v) reduzir a chance de sugestionabilidade por parte dos entrevistadores.
A primeira forma é a escuta especializada, uma entrevista que tem por finalidade garantir a proteção e o cuidado da criança ou adolescente vítima de violência. Normalmente é realizada por psicóloga ou assistente social.
A segunda forma é o depoimento especial em que a vítima , criança ou adolescente, é ouvida, perante o delegado ou promotor e juiz. Esta, diferentemente da anterior, tem caráter investigativo, a autoridade policial ou judiciária busca apurar se a criança ou adolescente sofreu situações de violência e encaminhá-la ao órgão adequado para seu acompanhamento (saúde, assistência social, conselho tutelar, entre outros).
A lei estabelece que a escuta especializada e o depoimento especial devem ser realizados em ambiente acolhedor, mas não deve ter apelo lúdico para não distrair a criança do que realmente importa, que é a conversa com o profissional. A sala deve ser separada, onde se possa garantir a privacidade da criança ou adolescente com o profissional especializado que lhe entrevistará e, ao mesmo tempo, impossibilite o contato do infante com possível agressor ou quem lhe represente ameaça. A entrevista é realizada por sistema de videoconferência, cujo acesso em tempo real é fornecido a sala de audiência, onde estarão o juiz, o promotor, os advogados e seus clientes.
Também é estabelecido pela norma jurídica que o profissional especializado que estará conduzindo a entrevista poderá adaptar as perguntas, a fim de respeitar o nível de desenvolvimento de cada criança ou adolescente, além de sua condição social e emocional.
Ambas as modalidades de entrevistas são recomendadas para crianças com 5 anos ou mais, abaixo dos 5 anos é indicada uma avaliação psicológica, que muitas vezes será mais efetiva do que o depoimento especial ou a escuta especializada.
A base para as entrevistas é a sala especial e a qualificação de profissionais, que precisam estar capacitados em entrevistas forenses com o uso de técnicas investigativas e métodos e protocolos de entrevista: estabelecimento da confiança (fazer um momento de acolhimento); avaliação do desenvolvimento infantil (como se dirigir à criança e adolescente); discussão sobre verdade ou mentira; as informações sobre a entrevista (regras que temos que ter); fase do aporte do acolhimento (com base em lembranças); e encerramento.
Claro que cada situação é singular, assim como a forma com que cada criança e adolescente veem a situação. A adequada intervenção e qualidade da prova depende do profissional especializado despojar-se dos preconceitos e parâmetros para buscar entender tudo que aconteceu, do ponto de vista da criança ou adolescente. Somente a partir disso que se poderá trazer a verdade dos fatos e restabelecer as garantias e direitos da criança ou adolescente em situação de violência.
Sobre a colunista
Advogada inscrita na OAB/PR nº 61.717, Cristiane Goebel Salomão é especialista em Direito Processual Civil, Direito de Família e Sucessões. Membro do Grupo Permanente de Discussão sobre Direito de Família da OAB/PR, Membro do IBDFAM e Membro do Grupo Virada de Copérnico da UFPR. Se destacou desde cedo na atuação em Divórcios, Dissoluções de Uniões Estáveis, Regulamentação de Visitas, Execução de Pensão. Hoje, sua grande paixão é a área de Família, na qual consolidou a maior clientela. Em seu trabalho utiliza muito da experiência adquirida enquanto trabalhou como conciliadora no Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública em São José dos Pinhais (Paraná). Natural de Porto Alegre (Rio Grande do Sul), escolheu Curitiba para fixar residência e construir sua carreira.