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Já pensou sobre doação de órgãos? Saiba como funciona

Fernando Vinhal, membro da equipe de Transplantes no Brasil, explica como funciona a Central de Transplantes, um órgão governamental que regula as atividades de transplantes

Pedro tem 45 anos, é filho único e pai de três filhos. Seu pai morreu com a sua idade por causa não conhecida. Um dia, Pedro amanheceu com náuseas, vômito e indisposição. Procurou um médico, que, após exames, diagnosticou insuficiência renal terminal, causada por doença policística e que, agora, dependeria de terapia renal substitutiva, a qual consumiria em torno de 20h semanais para o tratamento de hemodiálise. Para piorar, descobriu que era uma doença que seus filhos também herdariam. Somente um novo órgão, um transplante renal, poderia devolver a vida que tinha antes.

Em seu primeiro dia em hemodiálise, Pedro conheceu vários pacientes. Um mundo que não pensava existir. O que mais chamou a sua atenção foi uma garota, Maria, de dois anos, que, devido a uma má formação do trato urinário, teve insuficiência renal crônica e necessidade de tratamento dialítico. A doença não escolhe idade…

Em seu segundo dia de tratamento, Pedro observou uma correria da equipe médica, entusiasmada com a possibilidade de um doador em potencial, um jovem de 23 anos, vítima de acidente automobilístico. Após algumas horas, era visível a descrença nas faces da equipe médica. A família estava inconsolável pela tragédia e achava uma deselegância abordarem-nos naquele momento tão delicado. Além disso, o jovem médico nunca tinha comentado nada sobre doação. O jovem perdeu a vida e pessoas perdiam a oportunidade de serem curadas.

É comum encontrarmos pessoas que não conhecem previamente a própria doença renal, como Pedro, outras que nascem com uma doença já instalada, como Maria, ou mesmo pacientes que evoluem para a insuficiência da função de um órgão a partir de doenças crônicas sistêmicas, como diabetes e hipertensão arterial.

Outro grande problema é que essa doença exige tratamentos especializados e de alto custo. Uma maioria dos pacientes reside em áreas desprovidas de centros de tratamentos dialíticos, pois apenas 7% dos municípios brasileiros possuem esses centros. Pacientes fora desse circuito ou morrem sem diagnósticos e sem tratamentos ou viajam dezenas de quilômetros para conseguir sobreviver.

Nos dias atuais, após o diagnóstico de morte encefálica, a Central de Transplantes, um órgão governamental que regula as atividades de transplantes, é informada pela equipe médica. A Central aborda a família, faz toda explicação do processo de doação e consulta se ela é doadora de órgãos de seu familiar. Não há nenhuma retribuição financeira ou qualquer outro privilégio. No caso de doação, será realizada a retirada dos diversos órgãos doados por todo o Brasil, gratuitamente. Na sequência, o corpo do doador é devolvido à família do doador para dar continuidade aos procedimentos funerários.

Há todo um fluxograma já definido, divulgações, com legislações, fomentos, profissionais dedicados e empenhados, muitas vezes viajando milhares de quilômetros em busca de órgãos. Mas ainda não é suficiente. Muitas vezes, uma negativa é fruto de uma incerteza sobre o desejo do possível doador, sobre o que é doação, o que é transplante e o conhecimento de que todos podem, a qualquer momento, ser necessitados e/ou beneficiários de um órgão doado. Mais de 60% das famílias dos possíveis doadores, após serem abordadas, decidem pela negativa.

As possibilidades dos “Pedros” e das “Marias” retornarem à sua vida depende apenas de um “sim” de uma família em algum lugar. Tudo pode voltar a ser quase normal com uma decisão de amor ao próximo.

Para mudar esses dados, ajudar milhares de pessoas que dependem de um órgão, dar possibilidade a uma criança dependente de um órgão conhecer uma vida melhor, faça a sua parte. Chame seus familiares, converse, exponha suas ideias. Doação de órgãos é um ato de amor, um desejo de ajudar incondicionalmente o próximo, sem identidade, sem fornecimento de informações aos receptores. A única certeza é que estaremos ajudando muitos pacientes a sobreviver ou a retornar à sua qualidade de vida e a seus familiares. É a renovação de uma vida, uma nova oportunidade para viver com dignidade.

*Matéria escrita por Fernando Vinhal, membro da equipe de Transplantes no Brasil.

 

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