SELF

Come as you are

Conheça a história e as síndromes neurológicas de uma das maiores estrelas do rock

Aos olhos de Caetano Veloso, o vocalista do Nirvana, Kurt Cobain, parecia “um cantor e compositor maravilhoso, em um momento revitalizador do rock in roll”. O baiano também disse que o álbum Nevermind (DGC, 1991) era muito bonito, e quando gravou Come as you are (“Venha como você é”, em tradução livre), em uma versão elegante e intimista, disse que foi “inevitável”.

Cobain nasceu em 1967, nos Estados Unidos. Era uma criança alegre, criativa e inteligente, mas muito inquieta. Seus pais o descreviam como “pequeno terror”. Desde cedo, tinha muita habilidade para todas as artes. Mas, na escola, tinha considerável dificuldade para prestar atenção, e os professores relatavam que durante as aulas apenas desenhava e pintava. No segundo ano do ensino fundamental, foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Durante a adolescência, Cobain se tornou ansioso, tímido e obsessivo. Colecionava coisas sobre seus ídolos e se tornou obcecado por funções corporais, como defecar e urinar. Foi diagnosticado com transtorno obsessivo compulsivo (TOC). A vida em casa não era fácil para ele. A mãe era alcoólatra, e os pais se divorciaram quando ele tinha 9 anos, após um período de muita violência. Naquela época, ele apresentou tiques faciais. Durante suas entrevistas, estava sempre agitado, inseguro e fumando muito, e alguns tiques motores e vocais discretos apareciam.

(Foto: divulgação)

A combinação de reações corporais surgidas na infância-adolescência levou Cobain a ser incluído em um artigo que publiquei em 2016, sobre músicos com síndrome de Tourette, no qual ele faz companhia a Mozart, por exemplo. Síndrome de Tourette é uma doença neurológica que faz parte dos distúrbios do movimento, também com muitas alterações comportamentais (TDAH e TOC).

Os pacientes com Tourette sempre são pouco aceitos. Muitas vezes pelas alterações de comportamento ou pela dificuldade de aprendizado, outras por terem tiques muito visíveis e “constrangedores”. Nas escolas, sofrem bullying de colegas e, muitas vezes, dos professores e demais funcionários. Os movimentos amplos e repentinos com os braços os fazem derrubar objetos, às vezes atingindo outras pessoas. Muitos têm tiques vocais de alto volume no meio do silêncio de uma aula. Cerca de 20% deles apresentam coprofagia ou coprolalia, que são tiques complexos, nos quais os pacientes involuntariamente emitem palavrões ou fazem gestos obscenos. Inadmissível, diria um professor. É verdade, para algumas escolas isso ainda é inaceitável. Esses pacientes não são bem-vindos em muitos lugares.

Durante sua carreira artística, Cobain escreveu canções como Tourette, Heart Shaped Box e Lithium sobre problemas neurológicos, psiquiátricos e sociais. A inspiração para a canção Tourette veio do som dos tiques vocais, resultando em música com grunhidos e gritos. Em várias ocasiões, Cobain confirmou que algumas de suas músicas tinham elementos autobiográficos.

Nos nossos consultórios, também podemos observar como pacientes com Tourette ou com outros distúrbios do movimento tentam demonstrar o seu sofrimento. Ou ainda disfarçar, mimetizar e mesmo esconder seus movimentos erráticos para não serem ridicularizados. Há vários treinamentos para amenizar os tiques motores. Nas distonias, distúrbios do movimento nas quais há torções de partes do corpo, os pacientes desenvolvem “gestos antagonistas”, em que outra parte do corpo ajuda aliviar o movimento anormal. Hoje há vários tipos de tratamentos para essas doenças: com medicamentos, aplicação de toxina botulínica ou cirurgias.

Cobain passou a infância e adolescência na pequena cidade de Aberdeen, no interior do estado de Washington, no noroeste dos Estados Unidos. Hoje, na entrada da cidade há uma placa com a frase “Come as you are”. Assim, “Se achegue, entre do jeito que você é e está”. Essa frase bem que poderia estar na entrada de todas as cidades, empresas, repartições públicas e escolas, em todos os idiomas. E, claro, na entrada das nossas mentes.

Gesto antagonista em pacientes com distonia – Descritos por Destarac em 1901.

Deixe um comentário