SELF

Covid-19 potencializa desigualdade de oportunidades existente no País

É imprescindível entender que a ciência deve pautar as políticas públicas ligadas à saúde e também à educação

Para além das consequências incalculáveis sobre a saúde e a economia, a força desorganizadora da Covid-19 traz consigo um impacto mais silencioso, mas não menos devastador. É sobre o sistema educacional brasileiro que, na pré-pandemia, já era bastante castigado e marcado por uma brutal desigualdade de oportunidades. 

No Brasil, onde o ambiente familiar possui forte influência nos resultados educacionais, haverá diferentes desfechos para os 48 milhões de alunos da educação básica. As perdas certamente serão coletivas, mas não há dúvidas de que os mais prejudicados serão aqueles que, mesmo antes do coronavírus, já eram vulneráveis: os alunos mais pobres.

Há números difíceis de engolir: 55 milhões de brasileiros vivem, hoje, abaixo da linha da pobreza, o que representa um quarto de toda a população. Mas, se considerarmos apenas a faixa etária dos seis aos 19 anos que frequenta a escola, quase 40% são compostos pelos mais pobres do Brasil, segundo dados do Instituto Ayrton Senna e da Oppen Social, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) do IBGE de 2017. Assim, são cerca de 15 milhões de crianças e jovens que as políticas públicas educacionais de enfrentamento à pandemia terão mais dificuldade de alcançar.

O fechamento abrupto das escolas e a transição forçada para a educação à distância somadas à ausência de um direcionamento abrangente e claro do governo federal são elementos que trazem poucas respostas a esse dilema da desigualdade. Afinal, entre os alunos de 6 a 19 anos que frequentam a escola, quase 20% não têm acesso à internet. E, se considerarmos apenas os mais pobres, a rede não chega à quase metade dos domicílios, ainda de acordo com esse levantamento com base na PNAD.

Portanto, a escola, que deveria oferecer especialmente aos mais vulneráveis condições de ascensão social, acaba por reforçar diferenças exacerbadas pela pandemia. Como consequência, contribui indiretamente para o abandono de estudantes que já contavam com menos oportunidades de aprendizado em casa – como acesso a livros e a cultura – e famílias com menos chances de se apoiar no desenvolvimento. 

Evitar que essa tragédia chegue às consequências finais é urgente. Assim como na saúde, é a evidência científica que deve pautar as políticas públicas no que tange à educação. Há estudos que mostram que a ausência de aulas, como as férias, têm alto impacto negativo sobre o aprendizado de um estudante. Portanto, ainda que haja soluções paliativas como o ensino a distância em função do fechamento das escolas, não podemos perder de vista o principal, que é o retorno às aulas – assim que for oportuno – e à aprendizagem no espaço escolar.

Outras situações de calamidade já vivenciadas pela humanidade, como o genocídio de Ruanda, em 1994, e a passagem do furacão Katrina por New Orleans, em 2006, trazem boas evidências. Ambas as tragédias ceifaram vidas, ampliaram a pobreza e impingiram situações de redução de bem-estar físico e mental, mas tiveram desfechos diferentes. 

No primeiro caso, as políticas públicas de retomada focaram no atendimento de necessidades básicas como a inclusão e a alimentação de estudantes e famílias, mas foram necessários até 16 anos para retomar níveis de escolarização pré-crise. Já no segundo caso, em New Orleans, políticas públicas com foco na gestão e na capacitação de professores e diretores alçaram escolas que anteriormente eram de pior nível a um patamar superior de aprendizagem em dois anos. É também possível encontrar exemplos em território nacional, como Sobral (CE), que reforça a importância dessas alavancas para a maior eficiência de resultados e menor desigualdade educacional.

As evidências mostram, portanto, que é possível sair dessa pandemia melhores do que quando entramos. Melhores para nos colocarmos empaticamente no lugar dos novos vulneráveis que, infelizmente, serão gerados. E, acima de tudo, mobilizados para aproveitar esse momento, usando todo o esforço necessário da reconstrução para alcançarmos patamares superiores e menos desiguais do que os que tínhamos quando tudo começou. É imperativo cuidar para que as desigualdades educacionais já inaceitáveis no Brasil não encontrem terreno para crescer.

*Coluna escrita por Viviane Senna, a convite da embaixadora de Boa Ações Luciana Almeida e originalmente publicada na edição 247 da revista TOPVIEW. 

 

Deixe um comentário