Ciclo vicioso
Luxo é luxo. Futilidade. Superficialidade. Não há mais o que discutir. Mas aqui estamos nós, de novo, tentando ressignificar o luxo. Creio que essa insistência seja fruto de nosso constrangimento. Precisamos dar ao luxo ares menos superficiais para amenizar a nossa culpa. A extravagância gera culpa. Porque, claro, não é fácil sair de um shopping com uma bolsa francesa que custou R$ 10 mil e dar de cara com uma mulher com o filho nos braços pedindo um trocado para comprar pão e leite: “por favor, senhora, estamos com fome.”
E aí chovem os mais diversos novos conceitos: “Luxo, para mim, é ter tempo para a família”, dizem alguns. “Luxo, para mim, é uma casa no campo ouvindo o canto dos pássaros”, dizem outros. A bolsa francesa fica em segundo plano. Ninguém, em sã consciência, quer ostentar riqueza em um país subdesenvolvido. Tá bom, sei.
Pesquisei no dicionário. “Luxo é a maneira de viver caracterizada pela ostentação, por despesas excessivas, pela procura de comodidades caras e supérfluas.” Isso é luxo.
“Segurança não deveria ser luxo. Banho quente, comida rica em nutrientes, tempo para ficar com os filhos, acesso à saúde, arte, cultura… nada disso deveria ser luxo. Deveriam ser direitos. De todos.”
Acontece que a nossa própria vida – essa nossa vidinha – transforma o supérfluo em algo essencial. Para alguns, ter um carro de luxo é luxo; para outros, é essencial para manter-se aceito no próprio círculo social. Isso serve para a camisa, para a casa, para os óculos escuros, para o aparelho celular e até para a bolsa francesa de R$ 10 mil. Como é que a pessoa que sempre teve vai deixar de ter se é o “ter” que lhe faz pertencer? Como é que a moçoila que até ontem usava Dolce & Gabbana vai aparecer no próximo jantar das amigas usando Riachuelo? Um ciclo vicioso. Capitalismo, baby. Isso explica, inclusive, porque tanta gente quebrada financeiramente continua apegada ao que tem. Não se trata mais de “eu quero” e, sim, de “eu preciso”. Vivemos em um lugar no qual os pais decidem a escola do filho baseando-se mais nos tipos de amigos com quem ele vai conviver do que na qualidade do conteúdo que ele vai aprender. A isso chamamos de “bolha”.
Mas as aparências são só a ponta do iceberg. A base, minha filha, é muito cruel. Você já deve ter ouvido alguém falar “vou
me dar ao luxo de colocar meu filho em uma escola particular”. Educação boa não deveria ser luxo. Segue. “Vou me dar ao luxo de morar em um condomínio fechado.” Segurança não deveria ser luxo. Banho quente, comida rica em nutrientes, tempo para ficar com os filhos, acesso à saúde, arte, cultura… nada disso deveria ser luxo. Deveriam ser direitos. De todos.
Vocês já devem ter ouvido histórias sobre aqueles caras que têm de tudo, podem comprar de tudo, mas que cansaram de ser “cidadãos de bens” no Brasil e querem ser apenas cidadãos comuns, viver a leitura, a vida simples, saudável e tranquila. Arrumam as malas, pegam a família e vão morar em um país onde todos têm acesso à educação, segurança, transporte, blá-blá-blá… onde não há pedinte nas ruas e onde não se dá a mínima importância para a bolsa francesa de R$ 10 mil. Onde o essencial é direito de todos e o luxo é verdadeiramente uma opção supérflua.
Quanto mais luxo se ostenta, mais pobre uma sociedade se revela.
*Coluna originalmente publicada na edição #243 da revista TOPVIEW.