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Boas entradas de um ano (quase) novo

O que muda do dia 31 de dezembro p ara o dia 1° de janeiro ainda não há como prever, mas já se pode anunciar: estamos a poucos metros de vencer a Grande Corrida 2020

Milhares de pessoas esperam, com brilho nos olhos, a queima de fogos ao redor do Arco do Triunfo, enquanto Paris dá as boas-vindas ao Ano Novo. Em Nairobi, no Quênia, crianças brincam com fogos de artifício em volta de uma fogueira para celebrar a data. Na noite da véspera, o filho se diverte nos ombros do pai, em meio
a dezenas de pessoas, em frente ao Portal da Índia, em Mumbai. Fotos de capa do dia 1° de janeiro em (quase) todos os jornais do mundo. Todos sem máscara e próximos uns dos outros, em celebração do novo ciclo que se iniciava.

Essas cenas aconteceram neste ano, por mais que pareça distante. A questão que fica agora, com a proximidade do último dia de 2020, é acerca de quais serão as cenas da (ainda mais) aguardada data. Não é a primeira virada do ano que o vírus, que já foi muito mencionado, compromete. Uma manchete do New York Times de 24 de junho de 2020 sentenciava uma triste realidade: “medo do vírus estraga o ‘Happiest Day’ [‘Dia Mais Feliz’] para milhões de chineses”. Isso porque, em Wuhan, as celebrações do Ano Novo Lunar foram menos festejadas, enquanto os moradores ainda se preocupavam com os familiares e lidavam com a vida confinada.

Em nossa sociedade, a transição de um ano para o outro representa a mudança de um ciclo e tem papel importante na demarcação do tempo. “Dentro de um país com uma tradição cristã e tudo o mais, existem vários simbolismos de renovação, de virada. O Ano Novo representa um pouco isso no imaginário das pessoas, de que um novo ciclo vai se abrir” analisa Luiz Fernando Nicolodi, médico e cofundador do Centro Paranaense de Mindfulness.

“Esses grandes encontros não vão acontecer, mas é um ano em que aprendemos muito sobre estar junto sem estar perto. Isolamento não é necessariamente  distanciamento” – Ana Suy

Neste ano, por mais que a situação não mude tanto assim, é importante visualizar os desafios e os aprendizados vividos nos últimos 12 meses. Entretanto, Nicolodi frisa a importância de não esperar uma data específica
para modificar padrões ou iniciar novas etapas. “Cada dia, cada levantar é uma possibilidade do novo. Todos os dias em que a gente se levanta é um novo ciclo. Precisamos sair um pouco do piloto automático, de achar que a vida é sempre a mesma coisa. É um novo ciclo continuamente. O tempo inteiro estamos em transformação, tudo é impermanente”, aponta.

A estudante Louise Lazzarim aguarda as provas do vestibular.(Foto: arquivo pessoal)

“Lembro-me daquele meme que diz que a gente está esperando a virada do ano como se, a partir do dia 1° de janeiro, acabasse tudo”, brinca a estudante Louize Lazzarim. Como está em fase de preparação para o vestibular, a curitibana já viu seus planos mudarem diversas vezes ao longo dos últimos meses. A ideia inicial era começar as aulas da faculdade no primeiro semestre de 2021 – mas a pandemia já se alongou o bastante para adiar as provas de ingresso e os resultados, que vão sair apenas em junho.

O sonho já tinha sido adiado uma vez, por conta de uma matéria pendente no ensino médio. Agora, pela pandemia. “Para mim, parece que nunca vai acontecer. Parece um sonho irrealizável entrar em Jornalismo. Quando paro para pensar, fico até um pouco triste, mas isso não tem sido um fator para me desmotivar. Vamos seguindo”, afirma Louize, que tem achado nos exercícios uma ferramenta para equilibrar a rotina de estudos – e evitar a ansiedade.

A comemoração ideal possível

Nosso mundo diminuiu: passamos da escala global à escala sala-quarto-cozinha de casa. Com isso, talvez, as cenas que imaginamos para uma virada do ano “de respeito” não consigam ser concretizadas desta vez, mas não comemorar com o impacto a que estávamos acostumados não deve impedir a realização desses rituais. “Temos que inventar jeitos disruptivos de comemorar – e motivos também. Dar atenção aos detalhes, às coisas pequenas: são elas que mais importam”, sugere Ana Suy, psicanalista e professora da PUCPR. “As reuniões eram demonstrações de afeto, tem gente que nós só víamos no Natal, por exemplo. Esses grandes encontros não vão acontecer, mas é um ano em que aprendemos muito sobre estar junto sem estar perto. Isolamento não é necessariamente distanciamento.”

Na “Grande Corrida de Infinitos Quilômetros e Centenas de Obstáculos” que foi 2020, o prêmio é estar aqui, lendo esta matéria. Não pelas informações nem pela qualidade do texto, mas porque significa que estamos vivos – o que, em um ano de crise sanitária global, já é mais do que suficiente. “Vamos comemorar o básico, que é o fato de estarmos vivos. Sempre é assim, mas a pandemia deixou isso muito escancarado. A gente precisa conseguir comemorar que sobreviveu a este ano – o que, infelizmente, muita gente não conseguiu. Isso é muita coisa”, reflete Suy.

Aspiração não deve ser expectativa

Para lidar com momentos atípicos, tentar manter aspirações – e não expectativas – pode ajudar a conservar uma boa saúde mental. “Quando você aspira a uma coisa, tem que ter uma certa abertura de que aquilo, talvez, não se concretize – e, independentemente disso [do resultado], está tudo bem. Mas a expectativa é a ideia de que tem que ser assim, existe essa tensão – e [com isso] a gente pode se frustrar”, explica Nicolodi.

A designer de moda Livia Moro Ferraz está esperando a Alma, prevista para chegar por aqui em março. (Foto: Jessica Bruning)

A designer de moda Lívia Moro Ferraz tem aplicado essa filosofia em seu dia a dia. Se tem uma lição que aprendeu com a gravidez de cinco meses é a de que não temos controle sobre as circunstâncias externas e, por isso, é preciso viver o dia. “Eu estou otimista, mas muito pé no chão. Acho que isso me traz mais felicidade do que uma fantasia de algo esplendoroso que, às vezes, é uma ilusão. Acho que estou aprendendo com as situações da minha vida a tentar, cada vez mais, aceitar as circunstâncias das situações e viver aquele clichezão do presente.”

Não é desesperança, mas aceitação da realidade como ela se coloca – com altas doses de resiliência. “A gente romantiza algumas coisas na vida, mas eu cada vez mais ‘desromantizo’ tudo. Na prática, as coisas são diferentes – e de uma forma até mais bonita, por não ser tão perfeita. Eu estou me transformando em uma pessoa não sem esperança, não sem romance, mas atenta ao que está acontecendo. Feliz com o que vem, mesmo quando é ruim. A gente tem que tentar tirar algo disso.” A Alma, sua primeira filha, já traz bom presságio: deve nascer no dia 8 de março do próximo ano, Dia Internacional da Mulher. O que pode acontecer até lá fica a cargo só mesmo dos astrólogos.

*Matéria originalmente publicada na edição #243 da revista TOPVIEW.

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