SELF

Black friday? Não, Best Friday

TOPVIEW opta por desconsiderar o uso de "Black Friday" ; saiba por que o termo pode ser considerado racista

Quando traduzido ao pé da letra, “Black Friday” significa “sexta-feira preta”. Essa data representa o dia seguinte ao Thanksgiving Day – o famoso Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos –, em que marca a retomada do comércio após o feriado oferecendo descontos de até 90%. Mesmo sem comemorarmos o Dia de Ação de Graças no Brasil, o país adotou essa estratégia de vendas. O problema aparece quando traduzimos o termo: “preto” e “negro” no Brasil, geralmente são palavras usadas para desqualificar alguma coisa. Com isso, quando falamos de Black Friday, a “cor” significa um produto com valor diminuído. Inferior.

A cientista social e mestranda em sociologia política Mãe Flávia Pinto sinaliza um conceito muito comum na sociedade: a chamada branquitude, que é o comportamento que algumas pessoas não-negras reproduzem de se sentirem superiores a todas as pessoas negras. “Esse conceito faz com que o uso de palavras, que às vezes nem teriam conotação racista, passem a ter porque a branquitude quer se referenciar por palavras e terminologias que mostram distanciamento da ‘superioridade branca'”. É aí que a Black Friday acaba tendo conotações racistas. “Temos que entender que cada palavra, termo e fato histórico dialogam com uma questão racial. Há uma branquitude que, às vezes, quer fazer valer o uso de uma palavra para mostrar distanciamento em termos de “superioridade” pro povo preto”, explica Mãe Flávia.

Para a jornalista e pesquisadora focada em questões raciais Naíse Domingues, o uso de expressões racistas é algo que está inserido na cultura da sociedade. “Mesmo eu, tendo a visão que eu tenho sobre consciência racial, vejo que a gente acaba reproduzindo essas palavras porque elas são muito enraizadas. Se a gente pegar uma novela de 15, 20 anos atrás, vamos ver muitos personagens reproduzindo falas racistas, então você tem que dar argumentos para as pessoas entenderem. Falta de conhecimento leva a reprodução do racismo“.

Em relação ao espaço midiático, Mãe Flávia cita que o Brasil está, sim, falando de racismo, porém timidamente. “A luta interna nunca foi silenciada, mas somente agora estamos começando a falar com mais evidência sobre situações racistas. Quando a mídia não dá a devida atenção, partimos para a internet, para as redes sociais. Fazemos uma pressão e, pouco a pouco, vamos mudando. É o chamado “constrangimento pedagógico”, ao invés de ficarmos ofendidos com o preconceito, constrangemos a pessoa para que ela se sinta mal com o comentário errado que fez. Invertemos os papéis”.

(Foto: divulgação)

Best friday

Neste ano de 2020, diversas marcas optaram por não utilizar a palavra “Black” na semana promocional que acontece a partir desta segunda-feira (23). O Boticário, por exemplo, marca de cosméticos, criou a Beauty Week. A Adidas e a Tok&Stok, marca de esportes e decoração, ordenadamente, aderiram à Best Friday e Best Week.

Justificando a troca, o Presidente do O Boticário Artur Grynbaum disse, em seu perfil do LinkedIn que, há anos, a empresa busca entender o conceito de Black Friday, se realmente existem dados científicos que comprovem que ele não é um termo preconceituoso. “Respeitando os movimentos que sentem desconforto com o termo, decidimos parar de refletir e começar a agir – não teremos mais o termo Black Friday no Grupo Boticário”, escreveu Grynbaum.

No Amazonas, norte do país, comerciantes chegaram a ser notificados com a recomendação do uso de “semana promocional” ao invés de “Black Friday“, para assim promover o “respeito às comunidades afroascendentes, como cita o órgão.

O x da questão: a troca desses termos são, de fato, efetivas? 

Segundo a cientista social e mestranda em sociologia política Mãe Flávia Pinto, sim. Para ela, mudar as terminologias das palavras é fundamental para combater o preconceito pois, assim, a curto e médio prazo elas serão internalizadas na sociedade. “Por exemplo, a lei que proíbe o uso do cigarro em ambientes fechados. Há 20 anos você sequer consideraria a possibilidade de uma pessoa não fumar em um ambiente fechado. E hoje é uma realidade. Antes, se acendesse um cigarro e se a gente falasse alguma coisa, a gente que saísse do restaurante. Hoje, se a pessoa acender um cigarro, ela é completamente constrangida”, explica Flávia, que também é autora do livro Levanta favela – Vamos descolonizar o Brasil.

Além de cientista social e mestranda em sociologia política, Mãe Flávia publicou o livro ‘Levanta Favela – Vamos descolonizar o Brasil’ (Foto: Divulgação)

Outra forma de efetivar esses conceitos, segundo a jornalista e pesquisadora Naíse Domingues, é discuti-los e dar espaço para pessoas pretas falarem sobre o assunto. Para ela, a discussão ainda está restrita ao âmbito acadêmico, não chega na sociedade em geral, mas muitas pessoas estão tendo o posicionamento de falar “eu não vou mais aceitar isso”. “É um movimento que está acontecendo tanto aqui, quanto fora do Brasil de forma simultânea”, conclui a especialista. 

Deixe um comentário