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Arte contempla escapismo na pandemia

Revisitar e aprender novas habilidades têm sido refúgio para muitas pessoas durante a quarentena

“A arte existe para que a realidade não nos destrua”, disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em tempos remotos. A essência presente nas linhas, por exemplo, é a mais singela e atual representação de uma sociedade que vem recorrendo ao escapismo durante a pandemia do coronavírus.

O isolamento social imposto pela doença impactou diretamente o mercado mundial de entretenimento. Enquanto cinemas, teatros, museus e casas noturnas recolheram-se – como medida de prevenção à disseminação do vírus –, os serviços de streaming deram um salto em audiência. O estudo Streaming in the Time of Coronavirus, realizado pela plataforma americana de monitoramento de streaming, Conviva, mostrou que esse serviço cresceu em mais de 20% no início da quarentena, em março. Além disso, a Netflix atingiu marca histórica na valorização de suas ações durante o mês de abril, que, segundo pesquisas, chegaram ao valor de US$ 439. Se neste momento você está se entretendo com filmes e séries, músicas ou, até mesmo, com maquiagem ou livros, foi porque um artista por trás disso tudo possibilitou esse contato.

(Foto: acervo pessoal)

“A arte sempre foi um reflexo dos momentos pelos quais passamos como sociedade. Então é muito bacana ver outros artistas e outras pessoas se expressando e trazendo uma nova visão para esse sentimento, que é coletivo”, conta a publicitária Julia Nobrega, de 21 anos. Para ela, a quarentena está sendo um período de reconexão com uma paixão que carrega desde pequena: a pintura com tinta à óleo que, depois de anos esquecida pela correria do dia a dia, ressurgiu para ocupar o ócio. “Com certeza está sendo um escape enorme. Às vezes, eu termino de trabalhar às 18h, começo a pintar e não paro. Quando percebo, já é meia-noite e eu não tomei banho, nem jantei, e ainda estou pintando porque, realmente, é um momento de imersão em que eu foco só naquilo, expresso meus sentimentos e é um momento muito gostoso de conexão comigo mesma”, afirma.

(Foto: acervo pessoal)

“A arte sempre foi um reflexo dos momentos pelos quais passamos como sociedade. Então é muito bacana ver outros artistas e outras pessoas se expressando (…)”

Quem compartilha da mesma opinião é a funcionária pública Leila Coelho que, no auge dos seus 53 anos e motivada pela filha de 20 anos, se permitiu a aprender do zero uma nova habilidade manual. “O bordado é terapêutico porque precisa de atenção, cuidado e concentração. O pensar no ‘aqui’ e ‘agora’ quando se está bordando ou fazendo qualquer atividade manual faz com o que a gente não pense tanto em coisas externas. É libertador aflorar toda a criatividade que temos, vira um vício”, ressalta.

(Foto: acervo pessoal)

De acordo com a psicóloga clínica Lorraine Rosa, a arte e a saúde mental estão totalmente ligadas e aquela é, inclusive, utilizada como instrumento dentro da psicologia. “[A arte] é uma das formas que encontramos de compreender o indivíduo. É possível que, através dela, o sujeito consiga ter um outro olhar sobre diversas situações da vida que experienciou, ressignificando e expandindo sua consciência.”

Segundo Lorraine, se aventurar em uma nova atividade possibilita que o indivíduo fique atento àquele momento artístico ou gastronômico, podendo trazer momentos de satisfação e alívio, tirando o foco da ansiedade e do estresse que a pandemia possa estar causando, por ser um período de muitas incertezas e adaptações. “Quando o sujeito se dispõe a vivenciar esse processo de modo terapêutico é uma forma de conexão consigo, de externalizar sua subjetividade, suas emoções, então pode trazer, inclusive, uma nova forma de visualizar o momento atual que estamos vivendo.”

(Foto: acervo pessoal)

O publicitário e “aprendiz de empreendedor”, como se denominou Bruno Chaves, de 24 anos, descobriu, com o amor pela cozinha, que poderia rentabilizar um produto que, inicialmente, era uma experimentação com ingredientes que tinha na geladeira, e acabou sendo um sucesso: a geleia. “Desde a primeira geleia que experimentei vender no condomínio, quem prova, pede mais. O tempo foi passando e estávamos vendendo cerca de 50 potes por semana, dentro e fora do condomínio. Foi quando decidimos transformar esse hobby em algo mais profissional”, explica. Bruno vê essa nova atividade não somente como um escape, mas como grande possibilitadora da sensação de progresso e evolução que, para ele, está sendo muito importante. “Ainda estamos ajustando os últimos detalhes, mas espero que, em breve, os amantes da geleia possam comprá-las direto do Instagram ou em padarias próximas de suas casas”, finaliza. 

*Matéria originalmente publicada na edição #240 da revista TOPVIEW.

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