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A força além de si

A pandemia tornou urgente questões que andavam a passos lentos – e trará impactos ainda pouco conhecidos

Uma cena emblemática emocionou o mundo. Em meio às milhares de mortes do coronavírus na Itália, o segundo país a ser afetado intensamente pela doença, o Papa Francisco concedeu a Benção Urbi et Orbi diante da Basílica de São Pedro, no Vaticano, completamente vazia.

A imensidão da igreja e da praça se tornou ainda mais poderosa sem ninguém. A benção foi realizada especialmente por causa da pandemia, já que comumente é realizada em apenas três ocasiões: no Natal, na Páscoa e quando ocorre a eleição de um novo Papa.

Francisco pediu, também, que o crucifixo de mais de 500 anos da igreja de San Marcello al Corso, símbolo sagrado do catolicismo, fosse transferido para a Praça de São Pedro. A peça é considerada milagrosa por ter sido usado pela igreja durante a grande peste de 1522, que assolou a Itália

“Nas circunstâncias em que estamos, em que somos visitados por uma situação de emergência que nos faz ver e viver certo sacrifício e sofrimento, somos visitados imediatamente por aquele desejo de compreensão do sentido disso. Isso é a espiritualidade, esse âmbito amplo que dá sentido à vida e responde às questões fundamentais“, explica Marcio Luiz Fernandes, professor de teologia da PUCPR e da Faculdade Claretiana de Teologia e padre católico.

Para muitas pessoas, a experiência da espiritualidade é uma fonte de força e resiliência para enfrentar situações que estão além de seu controle. “Não só na pandemia, mas em qualquer situação difícil, que ameaça a continuidade da existência, as pessoas recorrem a esse encontro de sentido para aquilo, recorrem à espiritualidade para isso”, ressalta Mary Ruth Esperandio, psicóloga, professora no programa de pós-graduação em teologia e bioética da PUCPR, pesquisadora de espiritualidade e saúde. Em meio ao caos, elas veem aflorar a compaixão, característica relacionada à espiritualidade, consigo e com o outro. “Nós temos que ser auto-compassivos, no sentido de dizer ‘eu vou aprender cada dia uma coisa, vou com calma’. Mas também exige uma compaixão para com os outros. Eu começo a ter que perceber que eu tenho que ser solidário nesse momento”, analisa Fernandes. Esperandio vê nascer uma solidariedade entre pessoas que não era vista antes. “É sem precedentes nessa dimensão, nesse nível. Vemos muitos grupos se mobilizando para atender a necessidade das pessoas nesse cenário”, percebe.

Para a psicóloga, é importante frisar que espiritualidade não é restrita a uma religião: “Algumas pessoas têm um contato muito profundo com a natureza, com o cosmos, por exemplo, ou com uma força superior que, não necessariamente, se expressa numa religião, mas aquilo dá sentido pra ela.”

“O ser humano não é religioso porque pratica uma determinada religião ou vai a um determinado culto, mas sim porque carrega um desejo que o ultrapassa e perguntas” – Marcio Luiz Fernandes

Confira o restante da matéria aqui:

*Esta matéria, originalmente publicada na edição 235 da revista TOPVIEW é a primeira parte de uma trilogia que analisa os impactos da pandemia da Covid-19 a partir de três perspectivas: o recolhi-mento, a superação e a evolução.

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