Zuleika Bisacchi: a artista paulistana que bota Curitiba para pensar
Em sua galeria, instalada no número 1550 da Avenida do Batel, Zuleika Bisacchi está rodeada por Orlando Azevedo, Alfi Vivern, André Coelho, Vilma Slomp, Sandra Hiromoto, pelos cariocas Osvaldo Carvalho e Regina Hornung, pelo mineiro Heberth Sobral, pelo paulista Takashi Fukushima… e pela sua própria arte. Embora sua história por aqui e sua carreira como galerista sejam consideradas recentes (faz só três anos que ela chegou a Curitiba, inicialmente no Pátio Batel), a trajetória como artista é vasta.
Atualmente, investe na fotografia – imagens tocantes feitas por ela na Jordânia e na Índia estão expostas nas paredes de sua sala, onde acontece a entrevista. Uma, em especial, me chama a atenção. Trata-se de um antigo teatro jordaniano em ruínas sobreposto pela fotografia de uma mulher seminua dançando suavemente. Um contraste que impacta. “Pela programática feminina do mundo que existe naquele lugar, trouxe várias histórias… Gosto de fotografar a realidade do povo, isso está em mim desde pequena”, lembra a professora de artes, que soma individuais nos Estados Unidos e em Israel.
Zuleika já se dedicou à escultura, a instalações e à pintura encáustica – pela qual ficou famosa, tendo trabalhos expostos até no Japão. Devido ao caráter agressivo da técnica, caracterizada pelo uso de cera (Zuleika utilizava a de abelha italiana) misturada a pigmentos e ácidos, ela foi proibida pelos médicos de praticá-la. “No fazer artístico, você não se prende a colocar máscara, luvas… Então, eu respirava aquilo. Aconteceu que fiquei sem voz, não falava mais”, relembra. Nunca pensou em desistir, mas teve que mudar o foco.
Sobre essas mudanças, a cena contemporânea de arte, seus spots artísticos preferidos pelo mundo e a relação com o marido, Luiz, com quem está casada há 45 anos, é que ela discorre nesta entrevista.
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TOPVIEW: Enquanto artista, em que momento sentiu necessidade de ter sua própria galeria? E por que em Curitiba?
Zuleika Bisacchi: Meu filho mais novo casou e minha nora é daqui. Comecei a andar por Curitiba e conheci o Pátio Batel. Vi que era um shopping diferente, com várias obras de arte nos corredores e pensei: “Estou entrando em uma cidade nova, ninguém me conhece, que momento bacana pra ficar num shopping”. Só saí de lá [em agosto de 2018] porque a loja ficou pequena, eu precisava de um espaço maior. Mas Curitiba já estava na minha vida. Tenho família aqui no Paraná, passava muito da minha infância e adolescência na capital. É minha terra de coração, a relação é emocional. Curitiba não veio de surpresa. A surpresa foi o shopping. Não sabia que existia um lugar assim na cidade.
Antes disso, em São Paulo, você já teve galerias, certo?
Sim. Eu tinha uma galeria [Diretriz Arte Contemporânea], que foi fechada principalmente por problemas meus de saúde. Não conseguia fazer tudo ao mesmo tempo. Ficava em outro tipo de shopping, com outra linguagem, mais voltado para design, arquitetura, casa e decoração. Antes disso, tive outra galeria com uma sócia no D&D Shopping. Por pouco mais de um ano, infelizmente. Há males que vêm para o bem. A vida aqui para mim é muito melhor. Minha casa é Curitiba. Sabe quando o avião pousa e você diz: “Estou chegando em casa”?
Sua galeria e seu trabalho são essencialmente contemporâneos. Curitiba é um bom mercado consumidor desse tipo de arte?
Comecei assim como todo mundo começa, com porcelana, com desenho, mas sempre quis investir mais. A minha prática é contemporânea, não tem nada de acadêmica. [Na arte] Contemporânea, você tem que investir na criatividade, criar as instalações, as obras com o que você enxerga daquilo. Se eu faço seu retrato, faço do modo como enxergo você. É um processo diferente do acadêmico, que pinta aquilo que vê, mais realista. Por isso que muita gente acha difícil a obra contemporânea, porque tem que pensar. Aqui [na galeria], eu trabalho basicamente com contemporâneo, mas tenho um artista acadêmico, porque o público curitibano ainda me pede. Quando eu cheguei a Curitiba – e olha que nem faz muito tempo – [o gosto do público] era realmente mais acadêmico, agora a gente vê que está crescendo [o apreço por arte contemporânea]. A Bienal de Curitiba do passado foi essencialmente contemporânea [a ZB Galeria foi integrante do Circuito de Galerias da Bienal].
“Às vezes, não precisa entender de arte para comprar. Às vezes, no gostar você já está entendendo.”
Quais artistas visuais da cena atual você destaca?
O Sérgio Romagnolo que, inclusive, foi meu orientador na faculdade. Gosto mundo da Leda Catunda, Iole de Freitas, a falecida Tomie Ohtake… Tem inúmeros. Todo dia nasce um artista. Engraçado que eu tenho alguma coisa com os japoneses (risos). A Yoko Ono, para mim, é uma mãe nas artes, porque a leitura da obra dela tem muito a ver comigo. Ela tem uma expressividade que me toca profundamente – e é essencialmente contemporânea. O Orlando Azevedo, meu padrinho aqui, que me ajudou a fazer a primeira exposição…
Na sua galeria, a gente vê predominantemente nomes locais. É um objetivo?
Tem muitos artistas… Os já consagrados e os que estão começando. Gosto de viajar para conhecê-los. Na última viagem ao Rio de Janeiro, conheci sete excelentes artistas de fotografia, pintura e escultura, fiz o convite, nós trouxemos suas obras pra cá. O importante é não ficar só com Curitiba, tem que abrir [para nomes de outras cidades]. Temos um espanhol aqui, uma chilena… Em março vamos fazer uma individual de uma artista do Rio em virtude do mês da mulher. Nós, mulheres, precisamos nos respeitar mais, acho bem bacana a gente enfatizar isso.
Viajar é uma paixão?
Viajar é uma paixão. Japão, China, todo o Oriente… Estados Unidos conheço mais do que o Brasil (risos). Nordeste brasileiro, Europa…
Qual o destino favorito?
Um dos últimos, Dubai, pela arte e arquitetura. Pela educação e respeito ao outro é o Japão… Sou uma fã do Japão. Acho que em outra vida tive alguma relação com o país (risos). O modo deles trabalharem, um esmero pelo desenho… A filosofia de vida deles é muito linda, respeitam acima de tudo a família… A vergonha que eles sentem por fazer algo de errado…
“Artista é assim: acorda no meio da madrugada às 3h, vai lá e faz, não tem que ter hora, isso não existe.”
E quanto ao museu ou galeria preferido do mundo?
O Museu de Arte Contemporânea de Serralves, em Porto, Portugal. Eles fazem um estudo bem bacana… Em Curitiba, o que me espanta é o MON, um museu jovem e muito bom, com bastante curso para as crianças, eventos, acompanhamentos. A Pinacoteca, em São Paulo, onde fiz vários cursos. O MIS-SP, que trata de cinema… É meio difícil falar o que gosto, o que não gosto. Nova York é um espaço que tem muitas galerias contemporâneas. Não só grandes, como pequenas. É maravilhoso! Não tanto pela cidade, que é uma fobia de rapidez tipo São Paulo, agora, se você vai lá para ver arte, show, fica babando.
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Como planeja explorar mais a fotografia?
Nas minhas viagens, eu sempre fotografei bastante, trouxe bastante história para o Brasil. No meu ateliê em São Paulo, eu tenho tudo montado para a fotografia, vários flashes, fundo infinito e tal. Meu marido [Luiz Bisacchi] fica lá e eu aqui. Mas acabamos de comprar uma casa que terá espaço para o meu ateliê em cima. Aí é bacana, porque artista é assim: acorda no meio da madrugada às 3h, vai lá e faz, não tem que ter hora, isso não existe. Vamos reformar a casa e, enquanto isso, estou morando em um apartamento no Ecoville, ficamos nessa ponte-aérea… Para ele é muito estressante, porque vem muito mais pra cá do que eu vou pra lá.
A gente vê seu marido nos eventos, ao seu lado. São quantos anos de casamento?
45 anos. Conheci meu marido quando tinha 14, em um bailinho de Carnaval, o Mingau Dançante (risos). É meu primeiro namorado, a gente praticamente cresceu juntos. Me acompanha muito, é um ‘fãzão’ – desde que comecei a pintar em porcelana, ele está aí. Me apoia bastante, o que é essencial. São tantos problemas emocionais que cada indivíduo tem, se você não tem apoio de quem vive com você, não consegue. A gente costuma fazer tudo junto. Um relacionamento tem que ter amor, sobretudo paciência, empatia… A cabeça dos dois tem que girar no mesmo hemisfério.
Dessa relação vieram os dois filhos (de 42 e 37 anos). Eles estão envolvidos com arte também?
Um mora em Curitiba e outro fora do país, mas não trabalham com arte. Eles têm a vida deles… Tenho uma neta de três anos, filha do mais novo, a Amanda. É minha paixão! Quando inaugurei a galeria em Curitiba, ela tinha nascido há um mês. Elas cresceram ao mesmo tempo (risos).
Entre tantas obras que viu no Brasil e em viagens, qual é a que você mais ama?
As de Kazuo Wakabayashi. Pela precisão dos traços, a fusão das cores… Eu tenho gravuras que são assinadas na galeria. Tinha a obra original, mas são obras que têm valores mais altos, então são bem mais difíceis de vender. Me toca realmente essa coisa da cultura oriental, não tem muita explicação. É como você amar alguém, uma troca simétrica que te pega e você admira.
Como você avalia hoje o mercado brasileiro para as artes plásticas?
A gente está passando por um processo de mudança intensa política e isso interfere em tudo. Claro que existem os grandes colecionadores, mas deu uma estagnada [o consumo de artes], porque as pessoas querem guardar dinheiro, não sabem o que vai acontecer. Mas ‘cada cabeça uma sentença’. Arte, para mim, não é supérfluo. Você vive rodeada de arte. Na sua roupa, essa cadeira… Às vezes, não precisa entender de arte para comprar. Às vezes, no gostar você já está entendendo. Mas penso que tudo vai melhorar. O Brasil precisa muito de espaços culturais. A criança precisa saber lidar com a arte desde pequenininha, o que também vem de casa. Na vida artística, essencialmente a gente fala que o artista tem que ter mais os pés no chão. Pode até ser, porque a gente sonha muito, a gente quer muito, acaba a faculdade de artes e pensa em fazer muito, mas acontece que o próprio social, o próprio país às vezes não te dá aquele impulso.