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Tatiana Lagrota: quem é a mulher que está revolucionando o churrasco em Curitiba

Primeira pitmaster do Sul do Brasil comanda evento de churrasco na cidade neste domingo (1)

Tatiana Lagrota considera-se uma empreendedora desde a adolescência, quando vendia de brigadeiros a porcelanas pintadas. Na sequência, trabalhou em multinacionais e com feiras internacionais, até realizar o sonho de abrir uma loja de calçados. Sua paixão, porém, ela encontrou somente há alguns anos, quando trocou o segmento do vestuário pelo da gastronomia – mais especificamente, o churrasco. Hoje, Tatiana segue os passos da avó banqueteira e clama o título de pitmaster, profissional de defumação que faz o american barbecue, sendo a primeira mulher do sul do país e uma das primeiras brasileiras a se especializar no estilo. Ela é também uma das mentes à frente do BBQ Land, evento especializado que chega à segunda edição neste domingo (1) em Curitiba, em uma versão pocket, com a expectativa de receber 500 pessoas e consumir uma tonelada de carne durante nove horas: de jacaré a aves, passando pelo cordeiro patagônico, porco inteiro, flat iron e, ainda, aperitivos (linguiça, pão de alho…), arroz e legumes de fogo de chão preparados por profissionais renomados do meio.

Na reta final do evento, Tatiana – que ainda promove cursos e participa de eventos e feiras gastronômicas – encontrou a TOPVIEW para uma conversa sobre a mudança de ramo, a consolidação da cultura do churrasco e as novidades, os desafios e as tendências da área.

Você passou por diferentes áreas profissionais – o que te atrai tanto ao churrasco e à gastronomia?
É o coração que bate… não tem explicação. É a emoção por conta da minha família, da minha avó mesmo. Outra coisa que sempre me atraiu muito foi liderar equipes e, dentro de uma cozinha, a liderança é uma coisa muito forte. O fato de você estar liderando equipes, fazendo com que isso chegue ao consumidor e aquilo vai se tornar uma experiência inesquecível, é o que faz bater o meu coração. É emoção. Hoje, não são números, não é planejamento, meta de vendas, não é nada disso o que me atrai e com que eu trabalhava antigamente. Hoje, é um pouco emotivo por conta da minha história familiar e é sensitivo, porque é uma experiência e o prazer de fazer a pessoa passar por uma experiência inesquecível. Então, uni duas paixões, gastronomia e eventos.

Na gastronomia, tem uma fase, um processo que te move mais, que inspira mais?
É a hora do serviço, porque eu gosto de ver o bicho pegar. O estresse é grande, o controle emocional que a gente tem que ter é muito grande. É fazer acontecer.

E você sempre teve esse perfil?
Sempre. Às vezes, até tentei um low profile, fazer um arroz com feijão – não dá. Então, hoje, a BBQ Land é um desafio incrível para mim. Vou passar horas agora sem dormir e isso que é bacana.

Quais são as tendências gastronômicas que o evento vai apresentar?
Eu não vejo grandes tendências surgindo. Acredito muito no voltar. Por exemplo, a técnica de fogo de chão existe desde que o homem é homem. Então, eu acredito não em renovar, mas em resgatar essas técnicas de fazer um arroz, um risoto no carvão, de defumação – técnicas milenares. É começar a olhar para trás e refazer o caminho.

O processo de investigação, de pesquisa deve ser bem interessante.
É incrível. Obviamente, hoje a gente tem a internet como maior ambiente de pesquisa, mas viajar é muito importante, degustação também. A gente é muito curioso nessa área, vai a muitos restaurantes, viaja para comer. Networking é muito importante também, porque você acaba conhecendo os chefs e eles conhecem outras pessoas que vão te trazer outras experiências. A gente faz muitos amigos nesse meio, porque todo mundo se reúne para fazer uma comida nova, um novo prato.

O churrasco tem a ver com festa, com coletividade.
Celebração. O fogo é um clima diferente. O nosso manifesto de criação da BBQ Land é muito em torno disso: o fogo que une as pessoas e, a partir daí, se torna o churrasco. E não existe melhor maneira de celebrar, né?

E qual é a grande referência do churrasco hoje em dia?
São referências diferentes. Tem Argentina, Uruguai, muito forte ainda, e os Estados Unidos com outras técnicas. A carne de lá é muito boa. A gente tem Inglaterra, um pouco de Austrália. Mas acredito que o churrasco tradicional, o nosso, o da Argentina e do Uruguai sejam referência mesmo.

E o churrasco de fim de semana, como as pessoas podem incrementá-lo?
Para dar um upgrade, uma coisa que é muito interessante são os legumes. Hoje em dia a gente está resgatando um pouco disso e já está fazendo legumes na churrasqueira. Tem técnicas como o rescoldo, que é direto no fogo de chão. Dá para incrementar bastante com acompanhamento. Molhos também, chimichurri, salsa criola, uma provoleta, enfim. E o principal, que é a proteína, de um gado de qualidade.

Uma pesquisa do IBOPE, de 2018, registrou que 14% dos brasileiros se declaram vegetarianos. Em 2012, esse número era de 8%. Em Curitiba, esse dado sobe para 16%.
Por isso que, hoje em dia, muito se fala dessa opção [de legumes no churrasco]. A proteína animal ainda é a grande estrela do churrasco. O que importa é que o vegetariano não fica de fora nem à margem desse movimento todo.

Quais carnes as pessoas podem fazer em casa, também no sentido de dar um upgrade no churrasco de fim de semana?
Cortes como bisteca fiorentina, um bife de chorizo, entrecôte, o prime rib e t-bone steak são excelentes, extremamente macios e diferentes daquilo que existe normalmente no dia a dia. A gente tem o hábito de comer alcatra, picanha, que é super badalada e, para mim, não é a melhor carne. Hoje em dia tem vários cortes desses de grelha super fáceis de fazer. E short rib, que é um corte dianteiro. Sendo um gado de boa qualidade, uma raça britânica, provavelmente, um angus, red angus, black angus, enfim… esses cortes que não eram tão valorizados antigamente, hoje em dia são extremamente saborosos, muito mais do que uma picanha.

Você tem um favorito?
Sou apaixonada por prime rib. Acredito que é extremamente suculento e lindo. Tem um visual meio arcaico (risos).

E como foi o seu processo de aprendizado?
A maior parte, na prática, mesmo, aqui dentro. Açougueiro não é uma profissão muito privilegiada nem aplaudida, a gente não tem uma escola: tem de cozinheiro, confeiteiro, padeiro… então, as pessoas aprendem na prática mesmo, como era antigamente. Fiz alguns cursos, claro, dois de pitmaster em São Paulo, e acabei sendo uma das primeiras do Brasil, a primeira do sul.

Esse é um meio essencialmente masculino, então?
Sim. Existem açougueiras mulheres, que trabalham em supermercados e em frigoríficos. Mas na área de assadora e pitmaster nem se fala, que o dono do churrasco sempre é homem, mas hoje em dia está mudando um pouquinho.

Como foi transitar por essa área?
Bem difícil. A gente tem que fazer duas ou três vezes mais e melhor, porque as pessoas desconfiam bastante. Você chega a um evento e é uma mulher na churrasqueira, vem meia dúzia de homens: “vai ficar bom esse churrasco aí? Não devia fazer assim?” Nas casas das pessoas não faço mais [churrasco], só faço grandes eventos, para empresas, feiras. [Havia] muita resistência. A gente manda outra pessoa. É mais fácil. Mas eu não tenho nenhum feminismo dentro de mim, acho que mulher tem que estar em todo lugar, onde ela bem entender, mas tem que ser muito bem tratada, tem que ser feminina. Não vejo isso como um problema na minha vida. Nunca existiu na minha vida brecha para eu me achar inferior, encontrar resistência. Nesse momento feminista – é uma opinião um pouco polêmica minha como mulher, como assadora –, acho: calma, minha gente, tem lugar para todo mundo. Não precisamos fazer muito barulho. Mulher sempre esteve à frente de tudo. Então, eu conquistei meu espaço. Não dá para fazer churrasco na casa da pessoa? Dou trabalho para o meu funcionário e vou para outro canto. Eu nunca precisei dar murro em ponta de faca para encontrar o meu espaço. Você encontra resistência? Encontra. Mas encontra também o seu jeito de fazer. Tem que fazer duas vezes melhor? Tem. Mas que bom. Eu acho excelente.

Quais foram os outros desafios que você encontrou nesse meio?
Acredito que, fisicamente, eu tive que melhorar. Desde que comecei a trabalhar com isso, emagreci 19 quilos. Eu vi que não rendia. Eu tinha cansaço, dor nas costas, nos pés. É um trabalho bem forte, a gente precisa de uma força física e de cabeça para passar horas a fio acordada.

E o desafio da mudança de área?
Parece que eu nunca nem estive na loja de calçados. Achei que ia chorar por meses porque tinha fechado a minha loja, que era o meu sonho… eu fechei a porta, no dia fiquei meio assim, no dia seguinte, você acorda, lava o rosto, tem conta para pagar e vamos trabalhar, não tem que ficar chorando pelo leite derramado. Cada um tem seu estilo. No churrasco também. Qual é o melhor jeito de fazer churrasco? O seu. O meu. Tudo está certo. O que importa é a gente aprimorar. Fiz curso de churrasco americano, mas não é para paladar brasileiro. E a gente, hoje em dia, está conseguindo colocar no Brasil o churrasco americano, mas teve que colocar um pouquinho para o nosso paladar também. [O churrasco americano] é doce e apimentado. Eu já vendi churrasco americano para americanos e acharam maravilhoso, uma delícia, melhor que lá (risos). A gente não perde a raiz, a essência, mas tem que saber adaptar. Flexibilidade é muito importante na cozinha, muito mais no churrasco e três vezes mais quando você é um empresário, um comerciante. Se você não tiver flexibilidade para entender o teu público, a situação econômica do teu país na hora de desenvolver um cardápio…. não existe a utopia de ser tudo lindo, maravilhoso.

Por que você foi especificamente para o modelo americano de churrasco?
Foi um processo natural para trazer uma novidade, uma coisa diferente para Curitiba, em 2015, quando eu fiz o curso.

Hoje ele já está bem disseminado?
Já tem bastante coisa. Mas nem se compara com o nosso churrasco, a forma brasileira, argentina, uruguaia de fazer o churrasco.

Agora que dominou o churrasco americano, qual é a sua linha de pesquisa, o que tem te instigado?
O voltar. Mas, no momento, estou muito envolvida com a produção de eventos. E estou dando espaço para todos esses chefs, colegas e grandes amigos brilharem. Me gratifica bastante vê-los todos brilharem e eu poder estar aqui, como porta-voz de todos eles.

Quem são as estrelas do churrasco em Curitiba?
Pois é… não existem muitas estrelas. Existem grandes chefs de cozinha, que eu trouxe, por exemplo, para a última edição [do BBQ Land], como Ivan Lopes, Lenin Palhano, vários que se arriscam no universo do churrasco. Mas não são chefs que trabalham com isso diariamente. Devem existir [grandes assadores em Curitiba], mas anônimos. Os cozinheiros das churrascarias são maravilhosos, tão excelentes quanto os de São Paulo, mas talvez não levem o churrasco nesse nível que a gente está conversando aqui.

O que falta para eles?
Eu acho que o nosso mercado ainda é muito hostil. Não existem oportunidades… eu, se quiser realmente investir em Tati Lagrota como uma pitmaster, assadora, celebridade do universo assador, não posso assar em Curitiba. Eu tenho que ir para outros polos: Rio, São Paulo, Belo Horizonte. A gente não tem muitos eventos ainda em Curitiba. Posso abrir um restaurante e ser a chef assadora dele. Mas não existe ainda esse chef, acho que falta mercado para eventos… você vai lembrar de excelentes churrascarias em Curitiba, mas não lembra do nome de um assador. São muito melhores, superiores a mim, provavelmente, mas é um cozinheiro anônimo e acho isso muito triste.

O que falta para serem reconhecidos como um grande chef de cozinha?
A BBQ Land vem em um momento em que não existe esse tipo de evento em Curitiba: você paga um ingresso, tem uma super experiência, diversos tipos de assados… [Achavam] caro. A R$ 160, a pessoa ia comer e beber à vontade, tinha uma super estrutura, música, carne top do top, chefs maravilhosos, cada corte com o seu acompanhamento – e a gente não vendia ingresso. A gente quebrou pedra para vender. A gente chegou no segundo lote, a R$ 200. As pessoas: “não, eu vou na churrascaria, como um rodízio”. A pessoa menospreza o valor da churrascaria, da carne. É mais quantidade do que qualidade. Assim como a carne brasileira é muito boa e está se reposicionando no mercado, gourmetizando tudo, o churrasco está também. As festas do mesmo padrão em São Paulo iniciam em R$ 400. O maior player do mercado, sua última festa, não se sabe o local, a data (somente o mês) e já se vendeu todos os 1,2 mil ingressos antecipados, em quatro horas, por R$ 400. Então, o nosso mercado ainda está muito hostil. Mas vai mudar. A gente está aqui para começar esse grãozinho. E vamos ter grandes chefs, grandes nomes.

Você falou em gourmetização – quais são os aspectos negativos desse processo?
Existe frescura demais. Mas o [açougue] Rio Grande, por exemplo, que existe desde 1979, tem que se superar. Existe boutique de carne que só faz corte assim, o Rio Grande também tem que ter, não pode ser só mais um açougue de azulejo branco. Ele teve que se remodelar, crescer, se reinventar. Não pode ser mais só bife e carne moída. É positivo, nesse sentido. Mas a gente sente, hoje em dia, que tem muito papo e pouco conteúdo, muitas vezes. Tem inúmeros produtos no mercado, as pessoas ficam confusas – tem sal disso, sal daquilo. É excelente, gera emprego, mas a função é salgar a carne. Por isso que eu falo que o que me interessa é voltar um pouco mais para as raízes. Sal grosso, hoje em dia, tem 50 tipos. Tem um monte de youtuber.

Tem algum youtuber de que você goste?
De carne, não. Desculpe, sou sincera (risos).

Onde eles pecam?
Não sei…

Qual é uma série sobre carne que vale a pena assistir?
Steak Revolution é bem legal.

Churrascaria favorita?
Gosto bastante da Badida [em Curitiba] e Fogo de Chão [em São Paulo], onde você pensa e o garçom já está do seu lado.

Tem vontade de abrir uma churrascaria?
Não. Um a la carte eu tenho vontade. A gente tem um projeto de restaurante, mas ainda engavetado. A gente está aproveitando o momento de eventos e difundindo essa cultura de churrasco e mudando um pouquinho o conceito das pessoas disso. Agora, um ponto fixo me assusta um pouco.

Pode ser o próximo desafio.
Pode, por que não?

Serviço

BBQ Land Bud Basement Curitiba_R. Francisco Nunes, 115, Prado Velho.
Dia 1/7, das 11h às 20h.
A partir de R$ 90 (segundo lote), pelo diskingressos.com.br

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