PODER

Remédio sem partido

O atletiba da política brasileira chegou ao ponto de influenciar a escolha de remédios, torcer pelo sucesso de uma vacina em detrimento de outra e até brigar com médicos na hora da consulta

O Dorflex é de direita ou de esquerda? A pergunta parece sem sentido – e realmente é –, mas serve de ponto de partida para uma reflexão importante. O analgésico foi o medicamento mais vendido no ano passado, segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Milhares de brasileiros tomam o Dorflex para se livrar da dor, sem qualquer preocupação ideológica, apenas porque sabem que o remédio é aprovado por órgãos que atestaram que ele funciona. Mas por que o mesmo não ocorre com a Covid-19?

Uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina (AMP) revelou que quase metade (48,9%) dos médicos brasileiros sofreu pressões de pacientes ou parentes para prescrever medicamentos sem comprovação científica durante a pandemia. Procuramos os médicos porque eles passam boa parte da vida estudando como tratar doenças – imaginar que alguém discute com o profissional porque seu político preferido fez uma bravata qualquer ou viu uma informação – muitas vezes, fake news – no grupo do WhatsApp é surreal.

O fenômeno é mundial. Nos Estados Unidos, quem não gosta do Trump desconfia da cloroquina. Na União Europeia, alguns países se recusaram a ajudar em pesquisas de vacinas da China comunista. No Brasil, a discussão também se contaminou pela polarização política. Não é difícil encontrar gente questionando os testes da CoronaVac, que foi impulsionada pelo governador que é contra o presidente, todos argumentos essencialmente políticos.

Vários médicos ouvidos por esta coluna adotam o protocolo da hidroxicloroquina para a Covid-19, outros são mais receosos e preferem drogas diferentes. Aliás, a revista científica Nature publicou, recentemente, uma pesquisa que conseguiu identificar 21 remédios que podem combater o coronavírus. A decisão médica tem que se basear na ciência. Claro que se pode questionar o profissional sobre o porquê do medicamento receitado, mas a discussão tem que ser técnica, não com base em gritos de torcidas organizadas.

FRASE DO MÊS 
“Quem for de direita toma cloroquina. Quem for de esquerda toma tubaína.” – Jair Bolsonaro, falando sobre o uso de remédios na Covid-19 

(Foto: Marcos Corrêa/PR)

*Coluna originalmente publicada na edição #239 da revista TOPVIEW. 

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