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No Raposa Clube Recreativo, o público se diverte com conteúdo

Com proposta alternativa, novo bar de Curitiba agrega públicos diversos, coquetéis e pista de dança com som que vai do eletrônico ao jazz

O Raposa Clube Recreativo abriu suas portas — ou melhor, o caminho pelo corredor até o galpão no fim de agosto. Nesse curto espaço de tempo, já marcou o cenário noturno da capital paranaense com uma proposta fora da curva: um bar com conteúdo, para toda a gente. Criado pelos sócios Gustavo Bauer e Rafael Beber, o Raposa surgiu como um bar de coquetéis com pista de dança, que aposta na mixologia e nas atrações culturais brasileiras para chamar a atenção do público. Este encontra ali música de qualidade, bons drinks e um lugar agradável para passar o tempo.

As influências de blues, jazz e música eletrônica, além do desejo de ter um lugar em que as atrações culturais fossem valorizadas, ajudaram a definir as diretrizes do Raposa. “Eu já trabalhava com projetos ligados à música eletrônica, então, achei uma ótima oportunidade de linkar todos eles em um ambiente só”, explica Gustavo. Em dois meses de casa, o Raposa já foi palco de DJs famosos, como Ale Reis, Cashu e L_cio.

Um empreendimento assim sempre foi uma aspiração de Rafael. Gustavo, que trabalhou durante a adolescência no bar do seu pai, O Pensador, também tinha vontade semelhante. Para eles, o bar está em sintonia com diversos movimentos urbanos que estão acontecendo ao redor do mundo. “Mas a vantagem é que você não precisa viajar em busca dessas experiências, pode ter elas aqui em Curitiba”, explica Rafael.

Na entrevista a seguir, concedida no próprio Raposa, os sócios discutem o cenário noturno de Curitiba, o Raposa Clube Recreativo e conversam sobre música e arte brasileira.

Corredor após reforma.

Quais foram as suas inspirações para a criação do espaço? O que vocês queriam, de todo modo, evitar?
Rafael: Nós queríamos evitar que o lugar fosse apenas comercial, em que as pessoas só viriam pelo consumo fácil de bebida. Sabemos que estamos em um ambiente noturno e essa é a lógica, mas o que queríamos trazer para o Raposa é o conceito de que é possível se divertir com conteúdo, com outros princípios, outra forma de viver. Você não vai ao Raposa para ouvir uma música que não condiz com o nosso conceito, por exemplo. A gente fala que só não suporta falta de educação e preconceito. A pessoa que for assim nem vai se sentir confortável. De resto, criamos um ambiente democrático, para as pessoas se divertirem e aliviarem o estresse do dia a dia. É disso que se trata a liberdade, né?

“Criamos um ambiente democrático, para as pessoas se divertirem e aliviarem o estresse do dia a dia. É disso que se trata a liberdade, né?” – Rafael Beber

A falta de uma fachada traz um ar de exclusividade e mistério ao estabelecimento. Isso estava presente desde o começo do projeto?
Rafael: Nós não somos um bar secreto, não é preciso ter senha para entrar, então, não somos exclusivos nesse sentido. Queremos que as pessoas venham aqui, escutem uma boa música e bebam um bom drink, sem precisar gastar muito. O lugar é escondido porque estamos isolados, e o objetivo é que as pessoas fiquem imersas nesse universo. Só o fato de que, para chegar até aqui, é preciso atravessar um galpão, com um certo distanciamento da rua, já traz uma sensação de refúgio. O nosso objetivo maior é preservar o Raposa de pessoas preconceituosas ou só interessadas em aparecer em uma foto. Nós também queremos agregar a diversos movimentos sociais e culturais, para que todos possam vir aqui para se divertir, sem sofrerem preconceito.

Coquetel Raposa de cozumel. (Foto: Hudson Vagner.)

Por que o nome é “Raposa”? E o complemento, “clube recreativo”?
Rafael: Bom, escolhemos “Raposa” porque é sonoro. Depois, percebemos que era um animal noturno e esperto, o que casou com a proposta do bar. E quanto ao clube: nós somos enquadrados nessa classificação, mas não somos um clube mainstream. Eu considero que em Curitiba você não tem outro espaço de música como o Raposa, com esse tipo de curadoria musical e proposta. E, para falar a verdade, o Brasil sempre foi um polo de música eletrônica. Desde os anos 1990, temos DJs incríveis, que ainda estão aí. O Brasil vai crescer muito ainda nesse segmento.

Gustavo: Esse cenário independente e alternativo da música eletrônica está sendo muito valorizado e estamos vivendo um momento em que podemos mostrar isso para as pessoas, por meio do Raposa. É engraçado como tem pessoas que vêm aqui na sexta-feira, mas que nunca iriam a um evento de música eletrônica. É ótimo que isso aconteça, que esse outro público conheça nosso trabalho. E já estamos fazendo eventos híbridos, com bandas e DJs, a fim de conectá-los.

Sala de estar do Raposa.

De que modo a arte brasileira e curitibana está inserida no bar?
Gustavo: Nós trabalhamos com conteúdo de artistas brasileiros para mostrar àqueles que não valorizam tanto as nossas produções que elas podem ser tão boas quanto as lá de fora. Temos mobiliário brasileiro, os copos são americanos [design brasileiro], os bancos de padaria, os móveis também são garimpados.

Rafael: Basicamente, toda a decoração veio de mim e do Gustavo, de garimpo. Temos um quadro de Felipe Scandelari, representado pela Boiler Galeria. O conjunto de sofá e poltronas é do Jorge Zalszupin, um famoso arquiteto brasileiro dos anos 1960. Na pista, tem umas grades no teto que vieram de ferro velho, por exemplo. Pintamos e reutilizamos a porta e alguns vidros que já eram daqui, também.
Colocamos artistas em que acreditamos no mesmo patamar que os artistas lá de fora. O que eu e o Gustavo queremos desenvolver é que as pessoas percebam que é possível vir ao Raposa, em uma quarta-feira, ouvir uma boa música brasileira, gastar pouco e se divertir. (…) Trabalhamos com uma agenda semanal, que toca diferentes estilos musicais em dias específicos. A grande questão é que estamos trabalhando com núcleos de cenários alternativos. As pessoas têm seus preconceitos, em ambos os lados, e com o Raposa podemos contribuir para elas caminhem juntas.

O bar é bem recente, mas está tendo boa recepção na cidade, com público de diferentes nichos. Isso surpreendeu vocês?
Gustavo: Tínhamos um receio de ver como diferentes públicos iriam conviver, mas as experiências com outros trabalhos nos diziam que daria certo. A troca de experiências desses diversos públicos também é importante, e queremos agregar isso. Tanto que temos drinks de R$ 13 a R$ 28 e a nossa política de preço de porta é baixa.

“As pessoas perceberam que empreendimentos muito rasos, que não vêm atrelados a outros valores, às vezes não dão certo.” – Gustavo Bauer

Festa pré-reforma. (Foto: Bruno Sampaio.)

Como a vida noturna da cidade vem mudando nos últimos anos?
Gustavo: Acho que as pessoas perceberam que empreendimentos muito rasos, que não vêm atrelados a outros valores, às vezes não dão certo. E as pessoas têm ido mais para a rua.

Rafael: Curitiba sempre teve uma noite alternativa. Teve uma época em que ela morreu, mas, há uns três ou quatro anos retornou – porém, como o Gustavo falou, retornou diferente. As pessoas beberem na rua, de certa forma resultou em uma precarização dos artistas, porque quando não é cobrado o valor de entrada, você não tem nem lugar para sentar, você não tem um artista para prestigiar. No fundo, está só bebendo na rua. Mas, da forma como eu vejo, as pessoas vão voltar a ir a lugares em que possam consumir música e arte. O espaço da Raposa também ajuda a resgatar isso.

Pista após-reforma. (Foto: @leticiahf.)

Até agora, qual está sendo a parte mais divertida de ser dono de um bar?
Gustavo: Trazer artistas que eu sempre quis conhecer para tocar aqui. Por termos uma agenda semanal, temos conhecido muitas pessoas legais.

Rafael: Eu posso tocar no meu bar, isso é divertido (risos). Mas a nossa realização tem sido ver as pessoas chegarem aqui plenas e felizes.

Gustavo Bauer, sócio do Raposa Clube Recreativo.
Gustavo Bauer, sócio do Raposa Clube Recreativo.

Antes do Raposa, que bares frequentavam?
Gustavo: Um dos motivos de ter entrado nessa é que eu nunca me senti muito confortável nos bares e baladas, não tinha um lugar preferido para ir. Se fosse dizer um bar, eu diria O Pensador, do meu pai. Para dançar, eu costumava ir a festas independentes, que raramente tinham lugares fixos. Eu gostava de música de rua e de festas que levavam isso para a rua.

Rafael: Eu já gosto de boteco e o Raposa tem muito dessa pegada. Já frequentei muito bar em Curitiba, costumava ir no Le Voleur de Vélo, que era um bar de coquetel e depois virou um bar elitizado. Costumava ir no James, mas também frequentava todo o Largo [da Ordem]. E não dá para não citar O Torto e o Kitinete.

Vocês têm hobbies? O que gostam de fazer no tempo livre?
Rafael: Tempo livre? (risos) Quando tenho, pesquiso música.

Gustavo: Rafa é um ascendente pesquisador. Ele pesquisa tudo, desde disco até imóvel. Foi ele que encontrou o galpão do Raposa. É de fato um talento que ele tem (risos). Mas eu também gosto de música e de surfar. Minha família sempre ia à praia. Também ando muito de skate, que foi uma das minhas primeiras experiências de “viver a rua”, descobrir o seu valor e a importância de usarmos esse espaço.

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