Rafael Chaouiche quer o topo – e está exatamente no caminho até lá
Com os pés descalços, vestindo roupas “de ficar em casa mesmo” – calça e blusa compridas de malha, com uma espécie de quimono amarelo por cima -, Rafael Chaouiche me recebeu no apartamento onde ele vive, no bairro Mercês, em Curitiba, com o namorado e sócio Moises Zugman e dezenas de vestidos, saias, blusas, calças, camisas, blazers…
As peças – criações da Chaouiche, marca criada por eles em 2015 – estão nas paredes da sala, dos corredores e, claro, do ateliê – de onde se ouve um Vivaldi saindo baixo de uma caixinha de som. Esse charmoso apartamento é a residência fixa deles, embora estejam sempre indo a São Paulo pesquisar materiais e vender aos lojistas (ele vende no atacado). Do último ano para cá, aliás, elas dobraram: de seis, Rafael passou a atender 12 clientes. A Chaouiche está em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás e até Miami, na loja Bossa Concept.
O estilista, figurinista e produtor de moda ganhou fama nacional ao participar – e ser finalista – do programa “Como Manda o Figurino”, do Fantástico, em 2015. Do sucesso da sua participação, vieram convites para assinar os figurinos da atriz Taís Araújo na série Mister Brau e dos musicais Queen Symphonic Tribute e Abba Musical Dance.
“Uma marca que só faz desfile não se banca.”
Sua quarta coleção, inspirada nos trabalhos do pintor simbolista austríaco Gustav Klim, será lançada ao público em março em um desfile na Artefacto Curitiba – ocasião também em que Chaouiche será homenageado pela arquiteta Talita Nogueira nas novas vitrines da loja. Há alguns dias, emprestou peças dessa coleção às publicações nacionais de Vogue e Marie Claire, que devem usá-las em seus editoriais de março e teve as fotos da atual campanha feitas pelo renomado Eduardo Rezende – autor de capas icônicas da GQ Brasil, Marie Claire México, Harpers Bazzar Brasil e Vogue Rússia.
Tudo isso apenas aos 24 anos. Filho adotivo de professora e funcionário público, ele nasceu e cresceu em Calógeras, distrito de Arapoti, cidade no interior do Paraná (com menos de dois mil habitantes). Tem um irmão mais novo e vem de uma família de árabes – o sobrenome Chaouiche, da mãe, é libanês. Mesmo vindo de uma família machista, sempre teve o apoio e respeito necessários para chegar onde está.
Na entrevista abaixo, concedida entre xícaras de café e um bolo delicioso – feito por eles, exclusivamente, para esta editora – ele fala sobre 2018, seu amor por Johrei, hambúrguer, Curitiba e a relação com outros estilistas da cidade.
Você veio para Curitiba aos 17 anos. Foi difícil se adaptar à cidade? Ou Calógeras nunca fez parte de Rafael?
Faz parte sim. Sou apegado à Calógeras. Gosto de estar e ser de lá. Isso me fez ter certos jeitos, até mesmo no trato com as pessoas. Como venho de um lugar simples eu sei lidar com pessoas simples e nesse meio da moda a gente encontra fácil arrogância e nariz empinado. Ser de Calógeras me ajuda a não ir para esse lado, mesmo quando se tem vontade (risos). E sobre adaptação, foi tranquilo. Eu sempre quis morar em Curitiba. Desde o Ensino Médio meus pais sabiam desse plano e já vinham se preparando também.
Não dá para falar com você e não lembrar do programa “Como Manda o Figurino“, do Fantástico. Você disse em outras entrevistas que muito do que sabe hoje sobre processo e produção aprendeu lá. Fora isso, o que você tira desse contato com tantos profissionais importantes?
Até eu participar do programa eu só tinha trabalhado com produção de moda. Era o que me trazia dinheiro na época. Até porque eu não concluí a faculdade, não sabia cortar, costurar. Quando veio o convite [Chaouiche foi selecionado por uma comissão que avaliou talentos do Brasil todo] eu disse, “só sei desenhar e produzir foto”. Desenho desde os 8 anos de idade e sempre tive isso dentro de mim. Sempre quis ser estilista, mas isso é caro, você precisa de planejamento. E eu fui colocado dentro do programa por causa dos meus desenhos. Eles garantiram que lá eu não precisaria costurar, então topei. E a primeira vez que eu fiz uma peça de verdade, tirei do papel e vi aquilo ser transformado em roupa, foi com o vestido da Grazi Massafera [logo no primeiro episódio, Chaouiche teve que criar um vestido para a personagem Khadija, filha de Jade da novela O Clone – sua criação foi eleita a melhor entre os competidores]. O programa foi um divisor de águas mesmo, não só pela mídia, mas pra eu entender o que queria fazer da minha vida. Meu foco é a marca, a produção de moda é um trabalho secundário.
Você mirou no estilismo e acertou na produção de moda – inclusive já produziu editoriais de moda belíssimos para a revista TOPVIEW. De que forma esse tipo de trabalho foi importante para sua carreira de estilista?
O produtor de moda tem que estar envolvido não só com as peças de roupa, mas com a cena, com a história a ser contada, criar uma harmonia entre cenário, maquiagem e o contexto. Dentro da produção de moda eu fui polindo isso de arrumar uma gola aqui, um nó ali. Quando produzia com grandes marcas tive a oportunidade de conhecer peças por dentro, ver o acabamento. Detalhes que uso agora para mim na minha marca. Uma coisa compôs a outra.
E de onde veio a inspiração para criar a coleção de inverno, que remete às obras de Gustav Klimt?
No verão, me inspirei no Egito. Para continuar essa história usei como inspiração as obras de Klimt que, no começo da carreira, era fascinado pela arte egípcia. Um livro na casa de um amigo foi o ponto de partida que me levou a outros livros e descobertas. Ao mesmo tempo, em 6 de fevereiro, fez 100 anos da morte do artista. Klimt era fascinado pela beleza feminina e retratava as mulheres mais ricas, sempre envolvidas em algum tipo de cultura. Esse é também meu público-alvo. Cada fase dele tentamos trabalhar em uma família da coleção. Klimt defendia um conceito com a equipe dele, representado pela palavra alemã Gesamtkunstwerk. Esse conceito diz que quando o artista é contratado ele não é contratado apenas para criar a obra, ele deve considerar o ambiente, os móveis, o chão onde esse quadro será colocado. Gesamtkunstwerk é uma síntese de tudo. Querendo ou não, a roupa também é uma reunião de vários elementos. Então em uma família eu quis representar isso. Também me atentei para a época em que ele viveu, em 1816, quando se usava muita manga bufante. Dei uma modernizada na camisa do dia a dia, mas com uma pegada medieval antiga.
Ser tão novo, estar tão perto do topo em um mercado tão competitivo e regido também por muitos egos tem sido difícil pra você? Já sofreu preconceito por idade?
Quem é do Sul geralmente sofre um certo “preconceito”. A gente é reconhecido por ter bom gosto, ser agilizado. São qualidades que representam uma “ameaça” em um campo competitivo. Junta com o fato de ser de interior e com a idade, gera um incômodo. Senti um pouco isso no tempo que passamos em São Paulo. Lá eu pude ver quão grande é a competitividade e também o quanto eu amo Curitiba. Quero fazer tudo sim, ir para Nova York, Tókio, mas a minha base já defini que vai ser Curitiba. Me sinto em casa aqui.
Falando em Curitiba… Por aqui temos muitas marcas que trabalham esse conceito de slow fashion, handmade, artesanal. Há espaço pra esse tipo de moda? Como é sua relação com outros profissionais da cidade?
O que eu faço é “quase” um slow fashion, já que agora começo a vender em quantidade maior [são 200 peças vendidas com essa coleção de inverno], mas a ideia é essa. Esses dias me compararam a uma marca aqui de Curitiba… É um slow fashion o que fazem, mas sem um acabamento, muitas vezes usando poliéster, couro ecológico. Gente, isso é a pior coisa que existe! É petróleo. As marcas vendem muito no varejo, eu vendo no atacado para um público de luxo, premium. A cliente pode virar a roupa do avesso e não vai ver a costura. Usamos seda, viscose, liocel [uma fibra celulósica] e até quando usamos malha, é uma malha que não pinica, o forro tem composição com seda, tem um brilho. Mas existe sim uma relação de respeito, admiração. Eu desenvolvo tricôs em parceria com a fábrica da Ione Kulig, por exemplo, mãe do Jefferson e da Karina [estilistas] – que é minha amiga. Os estilistas da nova geração não sou tão próximo. Quando morei em São Paulo, meio que fiquei fora da roda. E agora tô nessa fase de ter muita coisa pra fazer, lançando uma coleção e quase no limite de criar a próxima. Então não dá muito pra trocar figurinha.
Suas peças dividem espaço em multimarcas com marcas brasileiras renomadas, como Vitorino Campos, Giuliana Romanno, Patrícia Vieira, Tufi Duek. Tem algum nome nacional que chame a sua atenção?
As marcas que são referências pra mim hoje – e que também representam aonde quero chegar – são Cris Barros, Reinaldo Lourenço, Giuliana Romanno… Eu vejo que atendem a mesma cliente que eu quero atender. Até mesmo a Framed das meninas do Gallerist. São marcas que têm uma pegada de arte, têm acabamento e matéria-prima ricas. Eu pinto nossas estampas primeiro, desenvolvo os tecidos com a tecelagem. É tudo realmente muito artesanal. A única máquina que eu tenho aqui [no ateliê] é essa de por botão – que nem é tão moderna assim (risos).
Quem são os seus amigos?
Meu namorado e minha costureira, Venzelli. Ela quem me emprestou a máquina de costura, aliás. Amigo é quem tá com você na hora boa e ruim. Se não fosse meu namorado eu acho que não teria a marca. Afinal, ela não existe só da criatividade do estilista. E ele é total business. Montou toda a estrutura que eu precisava pra poder criar. Foi o que eu precisava: o administrativo, financeiro e amoroso.
E quais seus lugares preferidos em Curitiba?
Eu gosto de ir na Fundação Mokiti Okada Moa [ao lado do Museu Oscar Niemeyer] praticar Johrei que é, digamos, uma filosofia oriental. A fundação tem aulas de Ikebana [arte japonesa de arranjos florais] também. Lá eu dou uma fuga, encontro força espiritual, saio um pouco do meu mundo. E até me inspiro no trabalho. Tem um look da primeira coleção que foi totalmente inspirado lá. Têm essa referência à cultura japonesa.
E na hora de comer?
Sou viciado em hambúrguer. Não tem um lugar específico, mas é o que eu mais gosto de comer. Sou muito agitado, então não gosto de lugares fechados, apertados. Gosto mais de pegar um copo de chope e ficar na rua. A não ser quando é pra jantar, aí a gente vai no Madero, no Mustang Sally…
Curitiba parece tentar voltar ao circuito de eventos de moda, com o LAB Moda, o ID Fashion e o Pátio Batel Fashion Walk. Você concorda? O que falta para a cidade ser uma referência também – como RJ e SP?
Sou muito grato por ter lançado minha marca no Lab Moda, por terem confiado e acreditado em mim. Os eventos são legais, mas eles tinham que tentar investir recursos para elevar a moda paranaense a um patamar nacional. Não adianta só levar mídia do Paraná. Um modelo que eu achava incrível era o Paraná Business Collection que trazia toda a mídia pra ver os desfiles à noite e, logo no outro dia, as marcas recebiam clientes para vender. Tinha a parte boa da mídia e a parte ótima das vendas. Afinal, uma marca que só faz desfile não se banca.
Esse ano você lança sua coleção de inverno na Artefacto. Em 2017 você também assinou a direção criativa do desfile de abertura da Mostra Décor + Fashion da marca. Como foi produzir o desfile?
Conheci a Talita Nogueira [arquiteta responsável que vai homenagear Chaouiche nas novas vitrines da Artefacto] exatamente naquele evento. A Michelle Jamur, dona da Namix, foi quem me indicou para produzir o desfile. Eu fiquei bem feliz, foi um evento de grande porte, no qual pude trabalhar com estilistas de fora, que desfilam na SPFW e estavam sendo homenageados na mostra.
Qual a sua relação com arquitetura? Tem uma coleção sua que foi inspirada no MON, não?
Tem uma “família” da coleção, sim. Nosso primeiro apartamento foi em frente ao Museu do Olho. Era impossível acordar e dormir durante um ano na frente dele e não fazer uma coleção que não se influenciasse pelas cores e pelas formas do MON. É o tal de se inspirar pelo ambiente em que se vive. Então tinha uma família dentro da coleção que era inspirada no museu.
Além da experiência, o que já conseguiu adquirir com seu trabalho?
As contas a gente tá pagando, mas não estou “rica milionária”. Não consegui comprar apartamento, nem trocar de carro. Mas estamos na quarta coleção. Nossa balança está muito instável, tem muita roupa pra vender ainda. Vou me sentir realizado quando eu ver o ateliê fora da minha casa, quando tiver uma equipe de pelo menos 10 funcionários, quando não precisar estar tão junto, participando, cortando. Ao mesmo tempo, acho super importante o que estou fazendo agora. Sinto que está me preparando pro futuro. Daqui cinco anos, quando for cobrar uma funcionária, vou saber o que cobrar.
Serviço
Em Curitiba, a nova coleção de inverno da Chaouiche chega em março ao Gallerist (Pátio Batel) e em abril na Namix (bairro Cabral).