Prestação de contas para fiscalizar pensão alimentícia, pode?
As verbas alimentares fixadas em favor dos filhos integram seu patrimônio e não estão sujeitas à devolução. Por esses motivos, até pouco tempo atrás, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tinha como entendimento que não se poderia utilizar de ação de prestação de contas como meio para fiscalizar a pensão alimentícia paga ao menor, sob pena de caracterizar uma “relação meramente mercantil”, como destacou o
Ministro Villas Bôas Cueva em abril de 2019.
Ocorre que, recentemente, em junho de 2020, a Terceira Turma do STJ deu parcial provimento a um Recurso Especial, cujo entendimento por maioria, três votos a dois, autorizou a prestação de contas de valor pago a título de pensão alimentícia, assim, obrigando a mãe de uma criança a apresentar contas ao pai, que não detém a guarda do filho, de modo a comprovar como utiliza o valor pago por ele em favor do menor.
Nesse caso julgado pelo STJ, o pai pretendeu a demonstração pela mãe de como o valor destinado ao filho era gasto, pois o menor estuda em escola pública e é portador de Síndrome de Down, transtorno de espectro austa, problemas na coluna vertebral e deficiência visual. Deste modo a criança necessita de cuidados especiais e o valor da pensão alimentícia paga pelo pai é bastante expressivo: 30 salários mínimos, sendo que ainda assim paga também gastos com saúde do filho.
O novo entendimento aplicou a previsão expressa do Código Civil que determina àquele que não detém a guarda do filho supervisionar os interesses dos menores e, possibilita solicitar informações e/ou prestação de contas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
O desempate no julgamento foi decidido pelo voto da Ministra Nancy Andrighi que apontou que o pedido do genitor, no caso em questão, não tem como objetivo discutir a pensão alimentícia, mas sim, saber se a pensão alimentícia está sendo efetivamente destinada ao pagamento das despesas do filho, pois há indícios da má destinação da quantia paga a título de pensão alimentícia.
Das palavras da Ministra pode-se concluir que a prestação de contas para situações como essa é um “mecanismo de acompanhamento para ver se os alimentos estão efetivamente vertidos em favor do menor com tantos problemas.” Assim, admitindo a possibilidade de uma prestação de contas pelo procedimento comum, a partir dela será aferida a destinação do valor em benefício do filho e, inclusive, poderá justificar eventual ajuizamento de ação revisional de alimentos, ação de regulamentação de guarda, ação de destituição de poder familiar em face da mãe se constatada a negligência de tratamento do filho e/ou reparação por danos morais e materiais.
Essa decisão do STJ, por se tratar de um Tribunal Superior, confere maior segurança e embasamento para a fundamentação pelos advogados em suas ações e também as decisões dos juízes de primeiro grau e os desembargadores dos Tribunais estatais.
Sobre a colunista
Advogada inscrita na OAB/PR nº 61.717, Cristiane Goebel Salomão é especialista em Direito Processual Civil, Direito de Família e Sucessões e Membro do Grupo Permanente de Discussão sobre Direito de Família da OAB/PR. Se destacou desde cedo na atuação em Divórcios, Dissoluções de Uniões Estáveis, Regulamentação de Visitas, Execução de Pensão. Hoje, sua grande paixão é a área de Família, na qual consolidou a maior clientela. Em seu trabalho utiliza muito da experiência adquirida enquanto trabalhou como conciliadora no Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública em São José dos Pinhais (Paraná). Natural de Porto Alegre (Rio Grande do Sul), escolheu Curitiba para fixar residência e construir carreira.