PODER POLíTICA & ECONOMIA

Um mercado fragilizado

O setor automobilístico vive uma queda de produção há alguns anos, mas o fechamento das fábricas da Ford e da Mercedes-Benz acende um alerta

Muitos foram pegos de surpresa quando, em janeiro, a Ford anunciou que encerraria sua produção de veículos no Brasil – após pouco mais de um século produzindo no país. A Mercedes-Benz tomou a decisão ainda no ano passado, quando fechou a fábrica de São Paulo. “A saída da Ford reflete mais uma reestruturação global da empresa do que somente uma crise no setor automobilístico brasileiro, mas ele [o setor] preocupa muito, por conta de seu baixo desempenho e de um horizonte em médio prazo sem perspectiva de melhora”, pondera Wilhelm Meiners, economista, professor da PUCPR e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

Os dados mais recentes de produção industrial demonstram a crise: a queda foi de 4,5% no último ano, segundo o IBGE. O recuo de 28,1% nos veículos automotores, reboques e carrocerias agravou o tombo. Mas não é uma realidade tão recente. Meiners explica que o mercado automobilístico brasileiro vem mal desde 2015. A indústria sentiu o impacto da crise de 2015 a 2017 – perdeu competitividade e produtividade. “Nossa capacidade de produção é praticamente o dobro do nosso consumo. Há muitas plantas produtivas com uma ociosidade muito alta. Isso inibe novos investimentos e muitas empresas resolvem diminuir a produção”, analisa o economista Marcelo Luiz Curado, professor do Departamento de Economia da UFPR.

As perdas para o país concentram-se, em especial, no fechamento de empregos e na aposta feita no setor, com a oferta de benefícios fiscais e isenções tributárias. Com o fechamento das fábricas da Ford, há uma perda potencial de mais de 118.864 mil postos de trabalho, ao somar diretos, indiretos e induzidos, estima o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Isso representa uma perda de massa salarial na casa dos R$ 2,5 bilhões. A diminuição na arrecadação de impostos e contribuições pode chegar a R$ 3 bilhões ao ano.

Uma das maneiras de enfrentar o problema é observar as mudanças do mercado. “O automóvel que conhecemos hoje logo vai ser totalmente diferente. O produto final, em termos de aparência, será o mesmo, mas será elétrico, com maior uso de inteligência artificial (IA), autônomo e compartilhado”, ressalta Meiners. “No Brasil, ainda não estamos preparados para fazer essa conversão. As montadoras estão preferindo fazer investimentos na China, nos EUA e na Europa.”

O economista ainda defende que falta articulação e planejamento para construir uma política industrial efetiva.

“Corremos o risco de sofrer uma desindustrialização tão pesada que vamos virar grandes fazendas, restritos a produzir matérias-primas. Perder capacidade de inovação, de trabalhos melhores qualificados, com maior nível de produtividade e melhor remuneração”, opina.

“Estamos ficando com uma indústria envelhecida. O que aconteceu com a Ford pode vir a acontecer com outras montadoras.”

Para Meiners, este ano ainda será difícil para a economia. E, no próximo, a recuperação vai depender da superação desta crise sanitária derivada do coronavírus. “Vai depender do ritmo de vacinação. O país que se vacinar mais rápido tende a se recuperar mais rapidamente.” Apesar do atual contexto, a Renault anunciou, no início de março, um investimento de R$ 1,1 bilhão no Brasil, montante que será aplicado na fábrica da montadora, no Paraná. O plano é lançar cinco produtos até 2022 – entre eles, dois carros elétricos.

*Matéria originalmente publicada na edição #247 da revista TOPVIEW.

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