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José Laurindo de Souza Netto analisa sua trajetória pessoal e no TJ-PR

O desembargador foi presidente do Tribunal de Justiça do Paraná no biênio 2021/2022

“O que a sociedade mais precisa é de diálogo.” Essa é uma frase do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, José Laurindo de Souza Netto. O desembargador recebeu a TOPVIEW para uma conversa exclusiva sobre justiça, conjuntura e carreira próximo do fim de seu mandato à frente da mais alta corte do estado. Leia na íntegra:

Qual foi o maior desafio à frente do Tribunal de Justiça do Paraná?
O maior desafio foi se adaptar às circunstâncias com autoconhecimento. Enfrentamos a pandemia e fomos capazes de desenvolver ações baseadas na transparência e na eficiência, na capacitação dos magistrados e servidores, no uso responsável dos recursos e na valorização do ser humano. Aproximamos a Justiça das pessoas. Fechando um ciclo de 35 anos de carreira, digo que estou satisfeito.

O TJPR aumentou a transparência?
A transparência foi um dos pilastros [palavra do italiano] da gestão. Demos divulgação às ações para a sociedade. O grande salto foi na capacitação e na inovação. Como professor, entendo que o conhecimento é uma ferramenta de transformação e aproximação. Sempre tive uma visão humanista do Direito, base para dar o melhor em nome da coletividade. Sou da construção conjunta. Uma gestão colaborativa e transparente foi determinante.

Sua carreira tem como marca a defesa da conciliação. Está fácil chegar a esse ponto em um Brasil polarizado?
Nós construímos convivendo e dialogando. Cito a filosofia africana milenar chamada “Ubuntu”, que tem a concepção de que juntos somos mais fortes. Tudo o que vem parar na Justiça tem um problema de fundo. É preciso atuar nessa realidade. Para cada caso, existe o remédio apropriado. Vão existir conflitos inerentes que vão ter que ser decididos por um juiz, mas existem outros que serão decididos por meio da conciliação. A Justiça não pode ser prêt-à-porter [pronta para usar]. O juiz é o alfaiate dedicado aos ajustes.

E como foram essas ações no Paraná?
Criamos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania com especialistas para questões de família, empresas, saúde, entre outros. A conciliação está ligada às ondas renovatórias da Justiça, das quais tenho orgulho de ter participado, como a criação da Lei dos Juizados Especiais. A sociedade se encontra fragmentada, polarizada, entre construções e narrativas, mas a comunicação não violenta facilita o convívio. Hoje, no Brasil, o que a sociedade mais precisa é de diálogo.

O desembargador José Laurindo de Souza Netto ao lado do governador Ratinho Junior (Foto: Divulgação | TJPR)

Conflitos de qualquer natureza estão sendo levados à Justiça. Como combater o fenômeno da judicialização?
Desjudicializando e desprocessualizando. O acesso à Justiça não é o acesso ao Poder Judiciário e, sim, o acesso a uma ordem jurídica justa, à cidadania, à solução de problemas e à prestação de serviços. É preciso aplicar o princípio da justiça distributiva. Quem perde um processo tem que pagar as custas. O Poder Judiciário dá concretude aos direitos fundamentais.

E quanto ao ativismo judicial?
Ativismo judicial ideológico, cheio de ranço, é incompatível com o Direito. Defendo a segurança jurídica. Não pode existir o juiz viciado em si mesmo, da justiça cega. A atuação jurídica deve ser pautada nas leis e na Constituição.

É de sua autoria um livro sobre lavagem de dinheiro amplamente citado no julgamento do Mensalão. Como foi viver esse episódio?
Foi interessante [risos]. Eu fazia doutorado na Europa. É um tema que pesquisei em bibliotecas da Itália, da França, de Portugal e da Espanha. Quando morei fora, tive contato com casos de lavagem de dinheiro. Acabei escrevendo o primeiro livro sobre esse assunto no Brasil [Lavagem de Dinheiro: Comentários da Lei 9.613]. Na época do Mensalão, não existiam obras sobre esse tema. Então, aqueles que atuavam no caso citavam o livro, como o ex-ministro [do Supremo Tribunal Federal] Joaquim Barbosa. Uma vez, um colega me ligou e disse: “Zé Laurindo, estão falando de você na TV!” [risos]. Foi um livro emblemático.

José Laurindo com a esposa, Nizza Fellus Laurindo de Souza Netto, durante a reinauguração da biblioteca do TJPR (Foto: Divulgação | TJPR)

Relembrando sua trajetória pessoal e profissional, prestes a iniciar uma nova etapa, qual é o sentimento?
Sou autor de uma obra só. Escrevo e estudo o que faço há 35 anos: o Direito. Se você me perguntar qual é o melhor curso que já fiz, te direi: “o da vida”. Após me formar, fiquei oito anos no exterior, casei e tive três filhos maravilhosos – todos adeptos da travessia em mar aberto e da natação. Sou um homem do mundo, do universalismo. Passei pelo interior até chegar ao TJ-PR, viajei, me interessei por idiomas e pelo conhecimento. Meu pai foi um mestre de balizamento e sabedoria. Os aprendizados que tive estiveram ligados ao ser humano como centro da Justiça. Te digo que o Direito é um sacerdócio. Apenas uma alma pode julgar uma alma. “Cor ad cor loquitur” [do latim: o coração fala ao coração]. A um jovem, diria que, apesar das telas, o conhecimento se sedimenta com caneta. Que eloquência, inteligência, astúcia e destreza defendem bem uma causa, mas que, sobretudo, você precisa saber ser. É preciso ter coragem de ser humano. Tem uma canção italiana que diz: “Credo negli esseri umani/che hanno coraggio/ coraggio di essere umani” [Acredito no ser humano/que tem coragem/coragem de ser humano]’

Dicas de leitura

O desembargador José Laurindo de Souza Netto selecionou quatro livros essenciais em sua formação. Confira:

Ubuntu Todos os Dias, de Mungi Ngomane

(Foto: Reprodução)

A escritora e ativista Mungi Ngomane ensina um jeito revolucionário de existir no mundo, compreendê-lo e viver melhor por meio da crença em um vínculo universal traduzida na frase: “Eu sou apenas porque nós somos”.

Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã, de Yuval Noah Harari

(Foto: Reprodução)

Harari investiga o futuro da humanidade em busca de uma resposta tão difícil quanto essencial: depois de séculos de guerras, fome e pobreza, qual será o nosso destino na Terra?

Inovação e Espírito Empreendedor – Prática e Princípios, de Peter F. Drucker

(Foto: Divulgação)

Autoridade mundialmente reconhecida em administração de empresas, o autor demonstra neste livro que criatividade e planejamento são um paradoxo aparente, pois a inovação também exige uma disciplina sistemática.

21 lições para o século 21, de Yuval Noah Harari

(Foto: Divulgação)

O que está acontecendo neste exato momento? Quais são os maiores desafios de hoje? O que devemos ensinar aos nossos filhos? O historiador volta sua atenção para o presente abordando questões contemporâneas que vão desde o equilíbrio mental, a compaixão e a resiliência até a guerra nuclear, os desastres ambientais, as fakes news e as disrupções tecnológicas. 

*Matéria originalmente publicada na edição #272 da revista TOPVIEW.

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