Sonia Bacelar: a mulher que é referência de doces em Curitiba
Ao abrir os álbuns de fotos com bolos feitos na década de 1990, tive a certeza de que Sonia Bacelar sabe inovar e, ao mesmo tempo, se ater ao seu tempo. Dona de uma personalidade ímpar e curiosa, está no mercado há quase trinta anos, inovando na forma como se faz doces e festas. Ao trazer sua criatividade e o melhor da pâtisserie européia a Curitiba, construiu uma reputação que carrega até hoje. De boca em boca, realizou festas épicas que hoje as pessoas lembram com nostalgia. Como reconhece, é a “Sonia dos bolos e dos doces”.
Ao longo da trajetória, não se permitiu ficar parada. De tortas foi para bolos, que evoluíram para grandes eventos sociais e corporativos. Sua empresa é uma das únicas com estrutura para atender festas de grande porte. Há 12 anos expandiu seu domínio de doces para salgados. Abriu um café há dois anos atrás e um restaurante de bufê. Tem canal no Youtube e, ano que vem, planeja publicar um livro.
Em uma entrevista em seu restaurante, Le Dani, Sonia – responsável pela elogiada mesa de doces do Prêmio TOPVIEW Gastronomia 2018 – falou sobre a sua trajetória, a mudança no cenário gastronômico atual e suas preferências gastronômicas.
Quais foram as suas inspirações no começo da carreira?
Eu comecei a minha vida profissional com confeitaria, em 1985. Usava a venda de produtos como renda extra para o tratamento da minha única filha. Ela tinha uma disfunção linfática rara chamada histiocitose sinusoidal, que demandava muitos recursos financeiros para tratar. Naquela época eu vendia as tortas no meu emprego, e também tinha uma rede de lugares em que era fornecedora. Minha filha faleceu em 1990, com treze anos, e depois disso eu decidi que pararia de trabalhar com confeitaria. Não via mais justificativa para o trabalho. Mas as pessoas me incentivaram a continuar: “Você precisa ocupar a mente”, diziam. E então eu entrei de cabeça, comecei a me profissionalizar e passei anos viajando para São Paulo, fazendo cursos.
Quanto às viagens que fazia à São Paulo: os cursos já eram com foco em eventos?
Não, os cursos eram de confeitaria. Eu nem me lembro como entrei no mundo dos eventos, foi algo que aconteceu naturalmente. Até porque, se reparar, eu não uso doma. Não me qualifico como chef de cozinha. Eu sou chef pâtisserie, faço os salgados, os doces, cuido do bufê… mas não sou chef de cozinha. Sou gestora de uma empresa de alimentos. Quem leva os royalties de tudo o que fazemos são os meus chefs. Quando uma noiva vem nos agradecer, ela agradece a equipe, porque sabe que eu não fico no operacional da cozinha. Durante o evento eu estou no meio do salão, finalizando a mesa, cuidando dos detalhes finais.
Nestes trinta anos, já pensou em trocar de área?
Não, eu não me imagino em outra área. Já tem 12 anos que eu trabalho com o salgado. Abri um café dois anos atrás, comecei a experimentar o varejo, que para mim era uma área completamente nova. Eu tenho projetos digitais, já venho estudando sobre [o assunto] há pelo menos dois anos… mas tudo dentro do universo de gastronomia. No Youtube o meu canal se chama “Receitas de Sucesso”. No ano que vem vai nascer o “Sucesso tem Receita”, um livro de empreendedorismo que conta histórias das pessoas que, assim como eu, vieram para a área por necessidade. Acredito muito que a necessidade é a mãe da criatividade.
Percebe uma ligação entre a confeitaria e as mulheres?
Sim, com certeza. Quando o marido perde o emprego, quem salva a família é a mulher, na cozinha, porque isso dá dinheiro. Se você fizer dez bolos de laranja e sair vendendo, você vai vender os dez bolos de laranja. O mesmo não acontece se tentar vender perfumes, por exemplo. O garantia do retorno financeiro faz com que as famílias entrem nessa área. Logo o marido, que estava desempregado, vira o motorista da esposa e o “fazedor de compra”. A filha vira atendente, o genro ajuda de alguma forma, a empregada se transforma em auxiliar de cozinha. É assim que surgem as pequenas empresas que sustentam a nossa sociedade.
Falando um pouco do começo gastronômico: como era o cenário gastronômico de doces 20 anos atrás?
Se a gente voltar lá no início dos anos 2000, veremos que o Guia da Noiva era uma revista de referência para as noivas. Uma vez eles me chamaram para fazer um bolo cenográfico que fosse algo que ninguém nunca fez. Eu me animei muito e fiz um bolo de sete andares cheio de pingentes de lustres. Foi o primeiro bolo assim em Curitiba e ficou lindo, uma coisa magnânima. Depois disso, meia cidade passou a fazer bolo com pingente. Uma vez, uma noiva me pediu algo com damasco, porque o pai dela amava. Então eu fiz uns abacaxis, com o miolo de isopor, e o resto todo de damasco. Usava só a coroa do abacaxi original. Naquela época as mídias não eram tão fortes, e muitas pessoas de São Paulo participavam dos casamentos. Depois dessa festa, nosso abacaxi virou referência nacional. E foi assim que eu fui criando moda, em muitos aspectos.
O que mudou em 30 anos?
Bom, um casamento 20 anos atrás tinha o mesmo glamour que tem hoje. O conceito base se perpetua. O que eu vejo hoje, e com muito mais incidência, é a gourmetização. Antes você sabia o que ia receber, porque os pratos eram clássicos na cozinha. Hoje, a criatividade impera. E, para não perder o bonde da evolução, você tem que ser ajustável a ela. Agora tudo é mais bonito: a decoração, a colocação das mesas, os pratos… foi isso que mudou o conceito do casamento. E, embora o clássico permaneça o clássico, eu vejo que as pessoas gostam da surpresa do contemporâneo.
A entrada no mercado foi desafiadora?
Foi. Eu ganhei muitos inimigos. Quando comecei a trabalhar com salgados, muitas portas se fecharam, inclusive para os doces. Tiraram meu nome da lista dos fornecedores. Como eu tenho nome no mercado – e já era uma concorrente no doce – agora tinha me tornado uma concorrente no salgado também. Mas, sabe, para mim a concorrência não deve ser vista dessa forma.
E como ela deve ser vista? Como você lida com a concorrência?
Eu não acredito em concorrência. Para mim, meu maior concorrente sou eu mesma. Se eu entregar um produto ruim, eu mesmo me saboto, e não preciso de ninguém para atestar isso. Mas, ao mesmo tempo, eu analiso muito o marketing da concorrência. Falando especificamente de doces, por exemplo: acho engraçado quando as pessoas postam live nas redes sociais, mexendo uma panela de brigadeiro, e dizendo: “o nosso brigadeiro é feito fresquinho, da melhor qualidade”. E eu fico pensando: isso não é diferencial, é obrigação. Eu não posso abrir as portas do meu restaurante e dizer “vejam, meu arroz foi feito hoje”. Então eu vejo a concorrência com outros olhos. Não vejo como competição, mas como um alerta. O que eu preciso fazer para atrair o cliente que está indo para outro lugar? Para nós, por exemplo, muito antes de entregar o produto, é conquistar logo na primeira visita. Se nós não encantarmos logo de cara, o cliente não vai fechar conosco.
Como funciona a dinâmica com o cliente, principalmente o aniversariante ou a noiva?
Eu aprendi a fazer leitura, porque isso sim é um desafio: captar todos os detalhes do que o cliente quer. Eu faço o que o cliente pede, mesmo que não seja bonito. Mas, às vezes, o pedido é inviável. Por exemplo: quando uma noiva pede um naked cake e vai se casar em uma chácara, longe da cidade, é meu dever avisar que é impossível chegar com um bolo inteiro, macio e montado. Então eu aviso que a logística precisa mudar e que eu montarei o bolo no local da festa. Com relação à expectativa do cliente, eu sempre procuro chegar o mais perto do sonho dele. Frustrar um sonho é mortal. O dia da festa não volta, não tem retorno. Por isso, aprendi a fazer uma leitura exata.
Há algo – ou algum produto – que goste mais de trabalhar?
São tantos anos que aprendi a dominar tudo: a pasta americana, as flores, a renda, o chantili… Mas, quando o meu pessoal se apura e eu preciso ajudá-los, sempre fico com a parte dos bolos. Eles sabem que eu prefiro fazer bolo do que doces. Na verdade, quando eles me chamam, eu nem pergunto o que preciso fazer [risos]. Sei que já deixaram os bolos comigo.
O que identifica a marca Sonia Bacelar?
Eu trabalho muito com a inspiração. Seja salgado ou doce, eu gosto do autoral. Quando eles me pedem um bolo, eu faço o bolo do meu jeito. Eu gosto do diferencial da minha marca. Mas, o que me identifica certamente é o doce. Ninguém pensa em mim e associa meu nome ao salgado. Eu tenho uma identidade muito forte criada em cima dos doces. No Prêmio de Gastronomia TOPVIEW, por exemplo, eu nem estava perto da mesa de doces, e as pessoas chegavam e diziam “eu tinha certeza que a mesa era sua”.
Como descreve a sua personalidade e como ela afeta sua cozinha?
Primeiro, sou leonina. Sou perfeccionista e imediatista. De resolução eu não aceito coisas que não tenham fim. A maior encrenca comigo na cozinha é quando alguém deixa um trabalho pela metade, fez começo, meio, e largou o fim sem fazer. Eu também tenho um senso de urgência em tudo: para mim, tudo é urgente. Exijo um cronograma muito definido de atividades. Mesmo que você não faça isso hoje, você precisa se organizar para não ter dificuldades amanhã.
Quando chega em casa e quer uma sobremesa, prefere algo elaborado – ou descomplicado?
Eu sou muito simples, sou uma pessoa de muitos hábitos. Minha sobremesa preferida é paçoca, sempre tenho uma caixinha comigo. Não consumo açúcar em excesso, gosto de sabores cítricos.
Qual foi a melhor festa que já fez?
Já fiz festa para 10 pessoas que foi incrível. Já fiz para mil que foi uma droga. Festa, para mim, tem a energia do dono. Você sabe quando a festa vai dar certo quando a família já entra feliz, celebrando, vibrando. Já fiz festas luxuosas em que a família brigou do início ao fim. Nesses casos, o glamour da festa passou despercebido.
E a mais desafiadora?
Agora em fevereiro fiz uma formatura para 2.600 pessoas, com uma mesa gigante e maravilhosa de antepastos. Para mim, as festas muito grandes são as mais desafiadores. Festas medianas, para até 500 pessoas, são as minhas preferências. Sinto que tenho maior domínio sobre todos os detalhes.
Existe algum país em que você particularmente admire a culinária de doces?
Eu gosto da França, acho a pâtisserie francesa perfeita. Quando penso nos clássicos da confeitaria, penso na França. Mas tem uns quatro anos que a Rússia e o Japão têm apresentado pessoas fantásticas. Por outro lado, não gosto do doce americano. Acho ruim de sabor, feio na aparência, brega no conceito. Fazem umas combinações horríveis.
Qual legado gostaria de deixar?
Eu não gosto da palavra missão, por exemplo. Eu gosto da palavra propósito, acredito que ela nos define. Meu propósito é transformar vidas. Aqui no restaurante tenho 20 pessoas na equipe. Se eu mudei a vida de pelo menos um deles, então atingi meu propósito. Nessa trajetória, já impactei muitas vidas. Uma vez até consegui fazer com que uma menina conhecesse o pai. Movi o mundo, mas consegui, e o homem nem sabia que a menina existia. Se eu conseguir melhorar a vida de alguém, então estou satisfeita.
Há algo que ainda não saiba e que tenha vontade de aprender?
Se eu não fosse tão preguiçosa, entraria na área de direito. Amo marketing digital, ainda quero estruturar minha empresa de uma forma… Quero fazer mentoria com todos os tops do marketing digital. Eu realmente tenho paixão por isso.
Conheça o conceito da mesa de doces que impactou o Prêmio TOPVIEW Gastronomia 2018