O agronegócio também é delas
Em um universo dominado por lideranças masculinas, um dos maiores produtores de soja do Paraná é, na verdade, “A” produtora. Cecília Barros de Mello Falavigna, também conhecida como “Rainha da Soja” – após ganhar uma importante premiação da Multinacional Syngenta –, é dona de duas fazendas no município de Floraí, próximo a Maringá.
A menina dos seus olhos, naturalmente, é a soja. Apesar de também produzir laranjas – para manter a diversificação da produção –, Cecília assumiu os negócios agrícolas quando o marido morreu, em 1997. Mãe e professora, a rainha da soja de hoje mal sabia como colocar um grão dentro da terra e fazê-lo germinar. Para chegar aonde chegou, teve muita humildade para pedir o apoio dos empregados e da cooperativa e coragem para conduzir um negócio agrícola, sustentar a casa e cuidar dos filhos.
Aos 78 anos, Cecília esbanja engajamento e bom humor. Trata a agricultura com muito carinho, mesmo não a tendo escolhido – primeiramente – como a profissão do seu futuro. Recebeu-a de braços abertos e fez o melhor trabalho que poderia ter feito. Trabalho tão árduo que Cecília é reconhecida em todo o Paraná e no Brasil.
Como você começou sua história com o agronegócio?
Eu caí no agronegócio de uma hora para outra. Eu, professora, dona de casa, com filhos. Meu marido adoeceu e, com o falecimento dele, eu tive que mudar totalmente a minha vida. Deixei, então, de trabalhar como professora e fui tomar conta da propriedade rural. Recebi, após a morte dele, muitos conselhos dizendo que eu deveria vender a fazenda, arrendar, que devia transformar tudo em gado. Mas eu não entendia nada sobre esses negócios, então eu fui conhecer como é que se trabalha com isso. Encontrei muitos desafios, mas eu não podia parar, tinha que aprender.
Isso tudo causou muita estranheza nos funcionários? Como eles te receberam?
A primeira coisa que fiz [quando meu marido faleceu] foi conversar com os funcionários, mas houve um certo receio da parte deles. Aí, eu disse que a gente tinha que conversar, dialogar, para podermos continuar o trabalho do jeito que as coisas estavam. Foi difícil, porque eu tinha trabalhado só como professora – ou em casa –, então eu tinha que ter o apoio deles.
E como foi sua primeira safra?
[Risos] Olha, essa primeira safra foi, realmente, um aprendizado. Nós não tínhamos maquinário suficiente para plantar porque minhas máquinas estavam todas sucateadas. Por isso, fui na cooperativa ver o que tinha que fazer: compra adubo, semente… então, foi esse o meu início, plantio de laranja. Porém, foi difícil, porque eu tinha que me dividir entre a roça, a agricultura, o plantio, eu ainda, dar conta dos meus filhos e da casa. Eu não sei falar para você quantas vezes eu chorei, senti saudade do meu esposo, mas eu tive que abraçar isso aí, com fé e coragem, para dar continuidade.
E como foi para você, como mulher, assumir essa posição nos negócios?
Olha, foi difícil. Existe o preconceito por ser mulher, por ser viúva, por estar dentro de uma cooperativa, em que existia o machismo. Mas eu ergui a cabeça e a cooperativa me deu bastante apoio, então fui me acostumando com as novas adversidades. Na época do plantio, eu precisava de uma máquina para poder plantar, mas como eu ia comprar uma máquina se eles não tinham nenhuma confiança ainda em mim, não conheciam meu trabalho? Então surgiam algumas dúvidas: “será que ela vai dar conta? Ela nunca veio na cooperativa, nunca acompanhou o marido, como ela vai se virar?” Mas eu fui adquirindo confiança devagarinho e a cooperativa também foi confiando naquilo que eu estava fazendo.
Às vezes, eu sentava e ficava até tarde da noite fazendo contas para ver se teria dinheiro para pagar tudo aquilo que eu plantei, sanar as minhas dívidas. Então, a cooperativa me deu um grande apoio, porque eles facilitam na questão de compra e venda de produtos. O mercado oscila muito, por isso, existia muita dificuldade na hora de vender – hoje é um preço, amanhã já é outro. A agricultura, a cada dia que passa, é uma coisa nova. São tecnologias que vêm, são sementes diferentes, tem que estar sempre fazendo a análise de solo.
Qual foi a fórmula para o sucesso de hoje?
Olha, a fórmula é você não ter medo de trabalhar e enfrentar os desafios, não desistir do que você está fazendo, persistir naquilo que você faz para alcançar o seu objetivo. Aceitar a tecnologia e fazer uso disso. Enfim, no campo, não podemos parar, tem que estar 24 horas fazendo o melhor, com o objetivo de realizar uma produção melhor. O agronegócio só vai para frente porque o brasileiro é trabalhador e o país proporciona isso para nós. O agronegócio sustenta o nosso país – e é o meu sustento também.
Você já perdeu uma produção? Pode contar como foi?
Na época propícia, eu estava com a soja prontinha para colher. Só que, mais tarde, armou um temporal e houve uma chuva de granizo, que caiu justamente na soja que nós tínhamos que colher no outro dia. Eu nunca tinha chorado por nenhum desafio que eu tinha enfrentado, mas, naquele dia, eu chorei. Foi muito triste, mas eu não deixei de acreditar que eu tinha que continuar. Por isso, que nós estamos hoje aqui e conseguimos chegar até a premiação. Também teve uma outra vez, quando peguei uma geada em uma safrinha de milho. Eu tinha arrendado uma terra para plantar o milho… fui ousada de arrendar a terra do vizinho. O milho estava lindo, maravilhoso, e pensei que poderia pagar todas as minhas contas. De repente, veio uma geada que cortou o milho, cortou tanto que ele cheirava a queimado.
Meu Deus, olha, eu encontrei muitos desafios, mas nunca desisti. Mas eu vou falar para você, tudo o que eu fiz foi com muito amor. Eu gosto muito de lidar com a agricultura, porque você vê resultados. Você tem desafios, mas também têm resultados. E, para isso, a gente tem que ter persistência. A gente não pode ter medo, porque, se o homem faz, a mulher também faz. Nós temos que conquistar o nosso espaço dentro do agronegócio – e eu sempre falo para as mulheres que conversam comigo: ‘não tenham medo, vão em frente, conquiste o seu lugar.’
*Matéria originalmente publicada na edição #260 da revista TOPVIEW.