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O arquiteto paulistano que revolucionou a arquitetura de Curitiba (!!)

Roberto Luiz Gandolfi é um dos grandes nomes da fase de ouro da arquitetura em Curitiba, e hoje orienta as novas gerações da área na Universidade

Um dos capítulos mais importantes da arquitetura moderna em Curitiba começou a ser escrito com a chegada de dois arquitetos paulistas à cidade no começo da década de 1960. Luiz Forte Netto e José Maria Gandolfi haviam vencido o concurso para o projeto do Clube Santa Mônica, em 1962, e não demoraram a ampliar a clientela. A assinatura moderna de seus projetos — influência direta da Universidade Mackenzie, uma das potências da época — virou coqueluche na cidade. O escritório precisava de reforços. Foi assim que Roberto Luiz Gandolfi, irmão mais novo de José Maria, veio parar em Curitiba. O jovem arquiteto, também egresso da Mackenzie, estava casado e trabalhando onde queria em São Paulo, mas aceitou a convocação de Forte Netto.

“Se a arquitetura não for pensada, com conceito, com respeito à cidade e ao meio ambiente, não sai coisa boa. Hoje, cada um faz o que quer, sem se preocupar com contexto.”

O resto é história: Gandolfi acabou se tornando um dos nomes mais importantes de uma espécie de fase de ouro para a arquitetura e o urbanismo na capital paranaense. O arquiteto paulistano assinou projetos da maior importância e fez parte da revolução urbana capitaneada por Jaime Lerner em Curitiba nos anos seguintes — fase da criação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, que coordena o processo de planejamento e monitoramento urbano da cidade, e da implementação do Plano Diretor. “Foi uma beleza para a arquitetura daqui. Foi quando tudo começou”, lembra Gandolfi, hoje com 81 anos. Além do escritório Forte Gandolfi, que foi dissolvido no início dos anos 1970, o arquiteto manteve sua própria firma até os anos 2000. “Nosso escritório era o centro da arquitetura na época”, lembra. “Todo mundo queria fazer projeto com a gente. Ninguém fazia projetos como aqueles na época — o único era o Rubens Meister”, diz. “A arquitetura paulista era isso. Foi a época do concreto, dos vãos grandes, que davam uma limpeza na coisa. Era coisa da Mackenzie. Nós viemos de lá, então a gente tinha isso”, explica Gandolfi.

Em Curitiba, a assinatura do arquiteto está em obras como o Clube Curitibano, o Tribunal de Contas do Estado, o edifício sede do Citibank e as praças das Nações, Oswaldo Cruz e Ouvidor Pardinho. (Foto: Walter Thoms)

“Nosso escritório era o centro da arquitetura na época.”

Em Curitiba, a assinatura do arquiteto está em obras como o Clube Curitibano, a Cohab Curitiba, o ginásio do Círculo Militar do Paraná, o Tribunal de Contas do Estado, o edifício sede do Citibank e as praças das Nações, Oswaldo Cruz e Ouvidor Pardinho — além de dezenas de residências e de prédios residenciais como o Michelangelo, no Cabral. No restante do país, seu projeto mais icônico é o famoso edifício sede da Petrobrás, no Rio de Janeiro, cujo concurso venceu em 1969 — a turma de Gandolfi era especialista em ganhar este tipo de certame, que acontecia com mais frequência e com orçamentos maiores na época.

Universidade

Desde 2000, Gandolfi é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Ele diz que se sente em casa na instituição, que lhe deu o título de Doutor Honoris Causa no ano passado. Está em meio a alguns professores que foram seus alunos em sua longa carreira acadêmica (o arquiteto deu aulas na UFPR de 1967 a 1995 e na PUCPR de 1977 a 1999). “É por isso que faço aquela baderna que eu faço”, diz, referindo-se aos métodos incomuns que leva para a sala de aula.

Gandolfi é considerado um arquiteto artista: “Não é um businessman ou marqueteiro, como 90% dos que você vê hoje em dia”, diz Ricardo Pereira, seu ex-aluno. (Foto: Walter Thoms)

Formado em 1961, Gandolfi é da geração do nanquim. “Entrei em 1957, na época daquela loucura de Brasília”, lembra. “A gente vibrava muito com a arquitetura brasileira. Era uma arquitetura que o mundo inteiro admirava”, diz. Vêm daquele tempo as ideias de Gandolfi sobre como se forma um bom arquiteto. É por isso que ele faz os alunos desenharem à mão e desenvolverem conceitos complexos antes de se meterem a fazer projetos no computador — é uma viagem assisti-lo explicando os trabalhos dos alunos enquanto percorre o corredor do curso em ritmo quase frenético. “Aqui eles pensam um pouquinho, filosofam, fazem arquitetura arte”, diz. “A arquitetura, se não tiver um bom começo, vira o lixo que está por aí”, dispara.

“Se a arquitetura não for pensada, com conceito, com respeito à cidade e ao meio ambiente, não sai coisa boa. Hoje, cada um faz o que quer, sem se preocupar com contexto. As cidades eram mais bonitas porque tinham unidade. Olha o que Curitiba virou: depois que Lerner saiu, nunca mais”, analisa Gandolfi. A consideração que os alunos têm pelo professor, por outro lado, pode ser medida pelos muitos recados rabiscados a giz nas paredes e fixados nos murais do escritório anexo à sua casa na Rua Lamenha Lins, onde trabalha com o filho, Beto, e a nora, Cristina. Várias gerações de estudantes fizeram encontros de curso ali, com direito a canjas do próprio Gandolfi — algumas das suas interpretações de clássicos da bossa nova em seu Essenfelder podem ser ouvidas nos registros de aulas que sobe para o YouTube. “Meu escritório sempre foi da gurizada”, diz.

Na foto, seu projeto mais icônico: o famoso edifício sede da Petrobrás, no Rio de Janeiro.

Idealismo

Gandolfi tem uma memória boa e fala muito, mas não é de elucubrar sobre o próprio trabalho. Sua trajetória, ele diz, é um pouco fruto do acaso — desde a escolha pelo curso de arquitetura, por influência do irmão, até a vinda para Curitiba.“Tudo o que eu fiz foi porque me chamaram”, diz. “Eu não ia atrás. Tanto que me trouxeram para cá também. Parece que foi o destino que mandou.”Diferentemente de outros arquitetos que se notabilizaram em sua época, acostumados a circular pelos gabinetes do poder e eventos sociais, Gandolfi era o “cara da prancheta”.

“A gente vibrava muito com a arquitetura brasileira. Era uma arquitetura que o mundo inteiro admirava.”

Gandolfi: “A arquitetura, se não tiver um bom começo, vira o lixo que está por aí.” (Foto: Walter Thoms)

“Tem outros arquitetos que o pessoal endeusa e que, às vezes, não têm 20% do que ele tem”, diz Ricardo Pereira, que foi aluno de Gandolfi na UFPR no fim dos anos 1960 e seu colega como professor de arquitetura na PUCPR. “É um profissional que tem o ferramental completo de um bom arquiteto — um talento fora do comum para desenhar, uma imaginação fertilissima para criar edificações e uma grande sensibilidade artística”, explica. “Ele é o próprio arquiteto artista. Não é um businessman ou marqueteiro, como 90% dos que você vê hoje em dia.”Beto — filho de Gandolfi e também arquiteto — diz algo parecido sobre o caráter idealista do pai. “Ele nunca pensou muito em remuneração. Os caras só pensavam em botar os projetos para a frente”, avalia.

Gandolfi faz piada com a suposta falta de tino para os negócios e diz que sua chance de ficar rico foi perdida quando Luiz Forte Netto o trouxe para Curitiba. “Hoje, eu não seria professor, seria arquiteto do Itaú. Estaria tomando Glenfiddich ao invés da minha pinguinha”, brinca. “Mas não tenho jeito para isso.” Apesar de se envolver apenas eventualmente com novos projetos, Gandolfi diz que ainda quer ganhar um concurso importante com alguma nova grande ideia. “Não sei o que vai acontecer amanhã”, diz. “A vida sempre foi assim. A gente vai levando.”

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