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Papo final: Jorge Elmor

Em entrevista à TOPVIEW, Elmor conta por que quis se tornar um arquiteto e define a palavra ‘solidariedade’

Formado em arquitetura pela Universidade Federal do Paraná em 2003, Jorge Elmor foi influenciado desde cedo por diferentes estilos arquitetônicos: começando com o escandinavo (devido à ascendência materna), passando pelo japonês (após ter estudado na Universidade de Okayama, em um intercâmbio universitário) até o espanhol (tendo atuado em Valência). Em 2005, concluiu um mestrado em Estruturas de Madeira pela Universidade Técnica de Viena, na Áustria. No ano de 2007, o arquiteto fundou seu próprio escritório em Curitiba, impulsionado pelo desejo de unir os estilos que conheceu pelo mundo ao design brasileiro. Em entrevista à TOPVIEW, Elmor conta por que quis se tornar um arquiteto e define a palavra ‘solidariedade’.

Uma lembrança da infância?
Brincar e correr livremente pelas ruas da cidade que eu cresci, no interior do Paraná.

Uma curiosidade sobre você?
Sou um leitor compulsivo. Às vezes leio quatro livros ao mesmo tempo.

Atitude mais admirável que testemunhou recentemente?
Nesses últimos meses, por meio do movimento Juntos Somos + Arq, testemunhei várias histórias admiráveis. Em uma das nossas ações de entrega de cestas básicas, conhecemos uma senhora muito simples, líder de sua comunidade, que abrigava em sua casa uma outra mulher, ex-moradora de rua. A líder se compadeceu com a situação de vulnerabilidade da outra senhora e decidiu trazê-la para dentro de sua casa. Já se passaram sete anos de convivência e elas se tornaram grandes amigas.

Como está lidando mentalmente com a pandemia?
Não tive tempo de entrar em depressão. Desde o início da epidemia, quando criamos o movimento solidário de arquitetos contra a Covid-19, comecei a fazer jornada dupla de trabalho. Além das atividades do escritório, que não parou (apenas migramos para o home office), me envolvi na arrecadação de doações e na distribuição de cestas básicas nas comunidades carentes. Fazer esse simples gesto solidário tem sido um bálsamo psicológico para enfrentar o isolamento e parar de pensar nas consequências nefastas dessa crise humanitária.

Último presente que se deu?
Vendi meu carro e comprei uma bicicleta.

Se o dia tivesse 27 horas, como usaria essas três horas extras?
Doaria esse tempo extra para trabalho social e voluntário. Se todos dedicassem 10% do seu tempo para ajudar o próximo, certamente teríamos uma sociedade mais justa, menos violenta, um mundo mais igualitário e sustentável.

Defina ‘solidariedade’ em uma frase.
Solidariedade é trabalhar pela dignidade humana, unir-se ao outro para fazer o bem comum.

Por que decidiu se tornar arquiteto?
Porque arquiteto tem todas as ferramentas para transformar as vidas das pessoas, seja no âmbito residencial, comercial ou urbano. É uma profissão maravilhosa, criativa, na qual você se envolve profundamente com as pessoas, seus sonhos e consegue dar respostas aos mais intrincados problemas.

Algo inusitado que recomenda que todos façam uma vez na vida?
Trabalho Voluntário. Além do nobre gesto de se doar por uma causa nobre, é uma terapia de choque contra ideologias e falta de alteridade. A resposta insensata de algumas pessoas e líderes à convulsão social que tomou conta do globo nas últimas semanas é claramente um sinal de falta de conhecimento. Quem teve contato com essa realidade brutal e miserável começa a rever imediatamente seus conceitos sobre meritocracia, política de cotas, desenvolvimento social coeso e oportunidades iguais para todos os cidadãos.

Uma mudança importante na sua personalidade no último ano?
Acho que a Covid-19 me tornou mais paciente e menos ansioso. Todos tivemos que lidar com prazos alterados e projetos postergados. Percebi que não somos senhores do nosso tempo, que o destino impera sobre nossas vontades.

E, se não fosse você, quem gostaria de ser?
Não me importaria de trocar de lugar com o Sebastião Salgado. Viajar pelo mundo para conhecer e defender os encantos mais longínquos da natureza é muito atraente. Seu trabalho é sensível e ao mesmo tempo muito político.

Qual a primeira coisa que gostaria de fazer no pós-pandemia?
Quero visitar a Feira do Largo da Ordem abarrotada de gente num domingo. Quero ver o comércio aberto, os restaurantes funcionando e as calçadas cheias. Quero ver Curitiba voltar a ser cidade. Vou aproveitar para dizer o que eu não quero ver depois da pandemia: o urbanismo rodoviarista de outrora, com ruas congestionadas, poluição do ar, motocicletas ruidosas e vias rápidas. Esse é o momento de abrir mais ciclovias, alargar calçadas, reocupar o centro com moradias sociais para evitar grandes deslocamentos, investir em veículos elétricos e ampliar as áreas verdes da cidade.

Como você descreveria para uma pessoa do futuro o período que estamos vivendo hoje?
Essa é a história que eu gostaria de contar num futuro próximo: diria para a minha sobrinha que estávamos vivendo em transe, numa época de desconexão com a natureza e com as coisas mais valiosas da vida. Seguíamos em direção a um grande rompimento até recebermos um alerta. Já havíamos recebido outros sinais, mas um nevoeiro de insensatez cegava os olhos da racionalidade. Foi preciso um vírus devastador para nos fazer parar e perceber que estávamos a bordo de um bonde desgovernado. E foi assim que os grandes líderes mundiais conseguiram sentar-se ao redor de uma mesma mesa, protegidos por máscaras e respeitando o devido distanciamento social, para definir os novos caminhos da humanidade, pautados pela igualdade de oportunidade e pela sustentabilidade.

Quem o inspira atualmente?
Todas aquelas pessoas que estão na linha de frente no combate à pandemia, que deixaram suas famílias em casa e estão se arriscando todos os dias para salvar vidas e manter os serviços essenciais. Os líderes que estão se propondo a fazer as mudanças necessárias para termos um mundo mais sustentável, justo e igualitário. Algumas mulheres estão fazendo um trabalho realmente inspirador no planejamento pós pandemia. Jacinda Ardern, primeira ministra da Nova Zelândia, Anne Hidalgo, prefeita de Paris, Angela Merkel, chanceler da Alemanha, Sanna Marin, primeira ministra da Finlândia e Kate Raworth – autora de “The Donut Economy”- uma alternativa ao crescimento a qualquer custo – são expoentes dessa nova liderança mais responsável.

*Matéria originalmente publicada na edição #237 da revista TOPVIEW.

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