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O que falta a Geninho Thomé

O dentista e empresário paranaense conta o que o motiva depois da venda bilionária da Neodent e revela que ainda não encontrou paz

Geninho Thomé entrou para a lista de bilionários brasileiros quando vendeu a Neodent, em 2015. A fabricante de implantes dentários curitibana, que começou em um pequeno espaço em seu consultório nas Mercês, em 1993, tornou-se global em parceria com a empresa suíça Straumann, dona de 49% da companhia desde 2012. O empresário e a cofundadora, a também dentista Clemilda Thomé, sua ex-mulher, passaram o controle total para os suíços e se lançaram em novos negócios. Ainda assim, hoje, falta algo para Geninho Thomé. “Falta muita coisa”, reconhece ele.

Alguns dos novos negócios são grandiosos, como o Yachthouse Residence Club, empreendimento imobiliário de 80 andares em parceria com a construtora catarinense Pasqualotto, em Balneário Camboriú (SC). Para outros, o empresário arrisca projeções ainda mais ambiciosas: a Neoortho, fabricante de próteses nascida dentro da Neodent e separada antes da venda, já tem faturamento anual de cerca de R$ 55 milhões e a meta de crescer para R$ 80 milhões ainda neste ano.

Ainda é na sede da sua antiga empresa em Curitiba, no entanto, que o dentista pode ser encontrado em pelo menos três dias da semana. “Dr. Geninho”, como é chamado por lá, é presidente do conselho de administração e presidente científico da empresa, onde comanda o time de inovação, desenvolvimento e lançamento de novos produtos.

O acesso à sua sala passa por um salão mobiliado com balcões de mostruário com a linha do tempo da empresa. Em meio à maquinaria antiga, estão lá os primeiros implantes que, muito mais baratos do que as opções importadas do início dos anos 1990, permitiram à Neodent abocanhar a maior parte do mercado brasileiro.

Foi lá, também, em fevereiro deste ano, que o dentista e empresário recebeu a equipe de reportagem para a entrevista a seguir, em que fala sobre seus negócios, a vida depois da venda da empresa e o que ainda falta em sua vida.

(Foto: Henrique Thoms)

Como é continuar na Neodent em outro papel?
Quando você se desfaz de alguma coisa material, é muito fácil. Você compra outra ou esquece. Mas, quando se desfaz de uma instituição em que tem amigos e colaboradores que começaram com a gente e que têm toda uma história, é como se estivesse perdendo uma parte sua. Ainda tenho o respeito de toda a equipe, mas é diferente. Hoje, faço um papel como se eu fosse um funcionário. Me coloco numa posição de dar o exemplo, inclusive. Não é mais meu, mas ver o fruto daquilo que se cultivou amadurecendo e se expandindo para o mundo dá uma satisfação muito grande.

Ainda gosta de ser uma figura associada à empresa?
Ainda gosto, pior que ainda gosto. É uma coisa que mexe comigo, que me emociona.

Sente isso nas outras áreas em que está investindo agora?
Sinto um pouco. Mas acho que isso aqui, pela história, por tudo o que veio, é difícil sair e dizer, “não, agora, ó, tchau” [risos].

Como está sendo a experiência no mercado imobiliário?
Totalmente diferente. Entrei meio devagar e fui achando interessante. Tive a possibilidade de entrar em parceria com o Grupo Thá aqui e com a Pasqualotto lá [em SC]. Porque você entrar sem conhecer é complicado.

Que lições da trajetória da Neodent você leva para seus outros negócios?
Uma coisa que eu aprendi foi a identificar oportunidades, a ver quando um produto pode ser um sucesso ou não. É uma coisa que não dá para ensinar — você tem que ter essa vivência. Outra é ter humildade e não achar que vai dar jeito para tudo. Não é bem assim: tem que ter uma equipe, consultorias, especialistas que façam o planejamento para você. E, a partir do momento em que você realmente vai fazer aquilo, se dedique de corpo e alma e faça sempre o melhor. São coisinhas bobas, mas acho que é o segredo, é um modelo que tem dado certo.

Você ainda faz cirurgias no Instituto Latino Americano de Pesquisa e Ensino Odontológico. O contato com pacientes ainda é importante para você?
Extremamente importante. Sem demagogia: tudo o que eu tenho hoje é proveniente da odontologia. Hoje, realmente não faz diferença para mim cobrar o tratamento. Prefiro atender pessoas carentes e não cobrar. E reabilitar inválidos orais, pessoas que, às vezes, têm problemas sistêmicos em decorrência da situação em que se encontram. Quando vejo uma pessoa que tem uma deficiência biológica em função da ausência de dentes, me sensibilizo muito.

O que muda sendo dono de um patrimônio como o seu?
Eu sou uma pessoa muito simples. As amizades que escolho não são voltadas para a condição material. Eu olho muito nos olhos das pessoas, na sinceridade, no companheirismo, na lealdade. Acho que isso me faz um pouquinho diferente. Tenho muitos depoimentos de pessoas [que dizem]: “poxa, mas como você consegue ser uma pessoa humilde, simples, igual aos demais?” É porque o dinheiro não sobe à minha cabeça. Nunca subiu. Acho que a essência do negócio é que eu não trabalho para ganhar dinheiro. Não é a parte material que me prende. É a realização de algo material, fazer alguma coisa importante.

Após a venda da Neodent, você previu que teria mais tempo para outras coisas, como família. Isso se confirmou?
Tenho um filho de 2 anos e 9 meses. Ontem fui buscá-lo no colégio. Poxa, é uma alegria, uma emoção muito grande. Então, realmente me sobra um pouquinho mais de tempo do que antes — eu viajava muito. Eu gosto muito de jogar golfe. É um esporte que me faz bem. Me mantenho bem fisicamente e a cabeça também funciona melhor. Então, eu me dedico mais à minha família e um pouquinho mais ao meu esporte preferido. Ainda tenho muitas viagens, mas, às vezes, acabo associando-as a uma partida de golfe com um dentista, um usuário, coisas assim. Uno o útil ao agradável.

(Foto: Henrique Thoms)

Que tipo de pai você é?
Gostaria de ser mais assíduo, ser um pai mais disponível. Eu estou disponível, mas nem sempre na hora em que meu filho quer, em que a família quer. A gente tem um compromisso, né? Eu gostaria de viajar mais com a família, esquecer. Mas é complicado. Quando você tem uma estrutura assim, acaba ficando um pouco preocupado e não curtindo tanto a vida como deveria.

E com o seu neto?
Não sou aquele avô coruja, que fica em cima do neto. É isso que te falei… acho que essa é uma coisa que preciso resgatar um pouco. Essa parte familiar, de me desligar da parte profissional e partir para uma coisa mais afetiva, sabe? É uma coisa que sinto que tenho que me disciplinar e mudar.

Com o patrimônio que você tem, por que ainda não consegue se dar esse luxo?
Terapia, tenho que fazer muita terapia [risos]. É uma coisa do sangue. Lembro que meu pai também era bastante trabalhador, muito empreendedor. Era muito carinhoso comigo, sempre foi muito atencioso, mas nunca foi de me pegar e levar ao colégio, ir ao colégio. O italiano tem um pouco disso: no interior, a mãe tinha que cuidar do filho, dar carinho, consolar, conversar, e o pai tinha que trabalhar [Thomé descende de italianos e nasceu em Santa Helena, no oeste do Paraná, em 1952]. Então é uma coisa que herdei. Mas fico feliz porque meus filhos [José Guilherme, 35, e João Alfredo, 33] já são totalmente diferentes.

Então, por incrível que pareça, ainda falta alguma coisa para Geninho Thomé?
Falta, falta muita coisa. Ainda tem muitas coisas que preciso conseguir. Acho que a gente busca a felicidade mais plena, que acompanhe uma paz. Que você possa, por exemplo, passar um dia num recanto, sozinho, e se sentir em paz. Isso eu ainda não consegui. Eu acordo à noite e penso naquilo que tenho que fazer no dia seguinte. Muitas coisas eu resolvo à noite, quando acordo. Aí, fico em uns devaneios. Eu gostaria de ser um monge beneditino [risos], ter uma paz. Talvez um dia.

*Matéria publicada originalmente na edição 212 da revista TOPVIEW. 

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