O paraíso é na outra esquina

Nova York morreu e a Faria Lima esvaziou. Foi todo mundo trabalhar de casa. Mas já que é para fazer home office, sem ter que passar o cartão na catraca do prédio, ninguém precisa mais morar no East Side ou no Itaim, não é mesmo?

E foi assim que os altos aluguéis nessas regiões foram trocados por um tempo na casa da chácara ou da praia. Com o Wi-Fi funcionando, está tudo bem, tudo zen. Não demora muito para se acostumar com a nova rotina. Dá para surfar antes da primeira reunião no Zoom e ainda ter tempo de passar um café.

A vida no novo endereço, aos poucos, nos apresenta a comunidade local, aquele povo que antes achávamos pacato e que, hoje, nos ensina sobre escolhas e simplicidade. É ali, convivendo no centrinho da vila que a gente conhece cada personagem e suas histórias. Tem o Seu Álvaro que saiu lá de Porto Alegre para cultivar mel em Garopaba. Mais a frente tem a mercearia do Seu Zé. Na mesma prateleira que dá para achar pasta de dente Colgate, há, também, cachaça Jamel. Quem chega cedo e dá sorte, encontra os maços de rúcula do Otávio e a dúzia de ovos caipiras da Maria – que, até hoje, nunca vi igual no Angeloni.

” Tomamos, enfim, a coragem de viajar e de viver, ainda que por um tempo, onde nos agrada e não mais onde precisamos.”

Personagens assim ganharam vida ao redor de todo o Brasil nos últimos meses, impulsionados pela decolagem imobiliária no interior. Lugares de campo como a Fazenda Boa Vista e a Quinta da Baronesa, em São Paulo, enxergaram aumento de 300% nos aluguéis. Aqui no Sul, as casas de veraneio – antes vazias – na Praia do Rosa ou em Ibiraquera (ambas em Santa Catarina), estão todas com suas janelas abertas e seus fogões a lenha acesos. Tomamos, enfim, a coragem de viajar e de viver, ainda que por um tempo, onde nos agrada e não mais onde precisamos.

O Brasil é grande e é um país de estradas. Juscelino Kubitscheck pensou assim lá na década de 1960 justamente para que pudéssemos nos espalhar. Por que é que fizemos o contrário? Agora, temos a chance de chamar lugares paradisíacos no Brasil de “casa” e, aí sim, valorizar os produtores locais, pelo simples fato de que eles são parte genuína de nossa comunidade.

O consumo ganha uma lógica equilibrada de oferta e demanda local. Tudo fresco de verdade, sem precisar de embalagem do Whole Foods ou etiqueta do Mundo Verde.

Voltando a mercearia do Seu Zé, se caminhar mais 500 metros e virar a quadra, dá na praia. O paraíso, afinal, é ou não é na outra esquina?

*Coluna originalmente publicada na edição #240 da revista TOPVIEW.