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O legado de Jaime Lerner

Um dos urbanistas mais aclamados do mundo, o curitibano mostra em Curitiba algumas das suas melhores criações

Em abril de 1975, o maior jornal do planeta, New York Times, noticiava o jovem arquiteto brasileiro que queria revolucionar uma cidade que caminhava para se tornar uma metrópole. Era Jaime Lerner, em seu primeiro mandato na Prefeitura de Curitiba. Suas utopias funcionaram. Em 2010, o urbanista foi considerado um dos 25 Pensadores Mais Influentes do Mundo pela revista Time. E foi ele que levou o nome de Curitiba para o restante do planeta.

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Se você sair para um passeio típico na cidade – passando pela imponência da Ópera de Arame e o tradicional Teatro Paiol à amplitude do Parque São Lourenço e à movimentada Rua XV de Novembro – estará apreciando algumas de suas obras. Lerner comandou a Prefeitura de Curitiba três vezes, além de ter sido governador do Estado do Paraná outras duas. Foram suas gestões que mudaram a cara de Curitiba – e colocaram a cidade no radar do mundo como exemplo de urbanismo. Por este trabalho, foi eleito o segundo urbanista mais influente do mundo em 2018, pela revista norte-americana Planetizen. Seu nome ainda é um dos mais importantes quando se fala em inovação urbana. 

O transporte público curitibano virou lenda. O urbanista implementou o que viria a ser conhecido como BRT (Bus Rapid Transit), que chamou de “metrô sobre rodas”. O modelo foi copiado por mais de 150 cidades pelo mundo, como Seoul, Bogotá e a Cidade do México.  No ano passado, o projeto da Rede Integrada de Transporte de Curitiba foi considerado um dos 50 projetos mais influentes dos últimos 50 anos pelo Instituto de Gerenciamento de Projetos (Project Management Institute).

Sua “acupuntura urbana” viajou muito. Esse é o termo que usa para definir suas intervenções em pequena escala a fim de melhorar a cidade – é o nome, também, de um de seus livros, publicado em 2003, e referência para quem quer entender urbanismo. Desagradar com suas ideias inovadoras nunca foi sua preocupação. Em 1972, quando propôs o calçamento da Rua XV de Novembro e a proibição da circulação de automóveis, recebeu uma onda de descontentamento. Hoje, a rua é um dos pontos mais famosos da cidade.

Sua defesa ferrenha de uma cidade com menos carros continuou pela vida toda. Pregava que o automóvel é o cigarro do futuro. Para ele, os carros são bons para o lazer, para viagens, mas no dia a dia, há de ter outras soluções, como o transporte público.

Sempre foi vanguardista da cidade que funciona e atende à sua finalidade: ser palco da vida humana em todas as suas esferas. Os protagonistas, é claro, são as pessoas. “Minha imagem de qualidade de vida numa metrópole é a tartaruga. Ela tem a casa, o trabalho e o movimento juntos, no mesmo espaço. Se você cortar o casco da tartaruga, vai matá-la. É exatamente isso que estamos fazendo com nossas cidades: morar num bairro, trabalhar em outro e buscar o lazer num terceiro. Gasta-se energia demais”, explicou, em 2013, em uma entrevista exclusiva para a TOPVIEW.

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Foi um mentor da ideia de que a cidade é feita para as pessoas e de que o urbanismo pode, sim, promover bem-estar e qualidade de vida – ou não. “Nós estamos trabalhando também em Angola, em 13 cidades. O presidente de lá queria que a gente fizesse projetos habitacionais, aí eu respondi ‘nós não fazemos só casas, tentamos criar uma maneira de viver’. Levou um tempo para convencê-lo.”, disse, em outra entrevista exclusiva para a revista, em 2018.

“Se você quer criatividade, corte um zero do orçamento. Se quer sustentabilidade, corte dois zeros. Agora, se quer identidade, assuma a sua e respeite a dos outros. A gente sempre trabalhou desta maneira: simples e alegre. Não tem nada que eu tenha feito sem alegria”, compartilhou, na mesma entrevista. Suas criações lhe renderam diversos prêmios, como o Máximo das Nações Unidas para o Meio Ambiente (1990), UNICEF Criança e Paz (1996), World Technology Award for Transportation (2001), Sir Robert Mathew Prize for the Improvement of Quality of Human Settlements, pela União Internacional dos Arquitetos (2002), e por aí vai.

Sustentabilidade sempre esteve no centro de seus projetos. Ainda durante o primeiro mandato, o ex-prefeito criou o “Lixo que não é Lixo – a troca verde”, um programa de reciclagem que permitia que lixo e papel reciclável fossem trocados por vale-transporte, por notebooks, para estudantes, ou por comida. A iniciativa aliou acesso a novas oportunidades para as pessoas menos favorecidas economicamente, além de incentivar uma gestão mais eficaz dos resíduos.

Outro marco importante foi a criação da Universidade Livre do Meio Ambiente, em seu último mandato na prefeitura. Considerado um espaço à frente do seu tempo, inaugurado em 1992, servia para difundir conhecimento sobre questões ambientais e crescimento das cidades. Em sua aberta, contou com a presença de um conhecido defensor do meio ambiente, Jacques Cousteau.

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Em 2016, sua jornada foi homenageada no documentário “Jaime Lerner: Uma história de sonhos”. Dirigido por Carlos Deiró, amigo pessoal de Lerner, a obra mostra seus grandes feitos – o BRT, a transformação da Pedreira Paulo Leminski em palco para shows, a iniciativa de reciclagem, o Museu Oscar Niemeyer – sem deixar de destacar o homem por trás das criações, apaixonado pela vida, enérgico e criativo.

Apesar de todas as melhorias que trouxe para a capital paranaense, não gostava de citá-la como modelo. “Sempre digo que é uma referência para muitas cidades, mas não é modelo. Ela tem defeitos que muitas cidades têm, mas é uma boa referência”, contou na entrevista de 2018. Lerner sempre diz que “a cidade não é um problema, é a solução”. E Curitiba teve a sorte de ser a casa deste grande criador de boas saídas.

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